Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
29/07/2011 01h12
A MULHER NA LITERATURA BRASILEIRA (5)

RENATA PALLOTINI ( 1931) Poeta, advogada, filósofa e dramaturga. Nasceu em São Paulo, escreveu e produziu trabalhos para teatro e televisão, entre os quais Vila Sésamo e Malu Mulher. Publicou mais de 20 livros de poesia, sem contar os de prosa, teatro e ensaios. Recebeu diversos prêmios por seus trabalhos, inclusive o Jabuti. Desde 1988 faz parte do corpo docente da Escuela Internacional de Cine y Television de San Antonio de los Baños, em Cuba.

BURITI CRISTALINO

         Para Lamarca e os outros

Ele andou por três dia
na caatinga.
No quarto dia ajoelhou
de fome.
No quinto adormeceu ao pé da baraúna.
No sexto foi encontrado
e metralhado pelos guardas.

E no sétimo
descansou.

POÉTICA (II)

Descer até o fundo
e quando o sentimento
esteja o mais maduro

provocá-lo e feri-lo
para que a voz aflore

mas sem meias-medidas
sem cautela e sem pena:
assim o Poema.

 

O GRITO

Se ao menos esta dor servisse

se ela batesse nas paredes

abrisse portas

falasse

se ela cantasse e despenteasse os cabelos

 

se ao menos esta dor se visse

se ela saltasse fora da garganta como um grito

caísse da janela fizesse barulho

morresse

 

se a dor fosse um pedaço de pão duro

que a gente pudesse engolir com força

depois cuspir a saliva fora

sujar a rua os carros o espaço o outro

esse outro escuro que passa indiferente

e que não sofre tem o direito de não sofrer

 

se a dor fosse só a carne do dedo

que se esfrega na parede de pedra

para doer  doer  doer visível

doer penalizante

doer com lágrimas

 

se ao menos esta dor sangrasse

 

               Bagdad (20 de março, 2003)

               Onde nasceu o mundo
               morre o mundo.

               O oriente amanhece
               no meu quarto.

               Soldados nunca falam.
               Matam e escrevem cartas.

               Correspondentes de guerra
               se arriscam por uma imagem.

               As mulheres e as crianças
               essas
               morrem caladas.

               (sem título)
               A vida vindo a ser o que devia:
               absolutamente agora
               sem nenhum

               outro dia.

 

ASTRID CABRAL (1936 ) Amazonense radicada no Rio de Janeiro. Professora e tradutora. Foi dos primeiros docentes da Universidade de Brasília, de onde saiu em 66 em consequência do golpe militar. Oficial de Chancelaria do Itamaraty serviu por 20 anos em Brasília, Beirute, Rio e Chicago. Detentora  de inúmeros prêmios, dois da Academia Brasileira de Letras. Publicou 16 livros, dos quais 2 no exterior. Já representou o Brasil em 4 encontros internacionais de poesia nos EEUU e Europa. Viúva do poeta Afonso Félix de Sousa, é mãe de 5 filhos.

 

Coração couraçado

Tempestades em oceanos

ou em copos d'água

e não peço a Deus balsas

barcaças nem praias.

Só um coração couraçado.

Desses que no lombo

das ondas vão sem tombos

o convés em festa.

                            Iluminado.

Desastres de Amor

Mulher bule de louça
deixa-se pegar pela alça
e verte suor e sangue
em quantia exata.
Dei com o nariz
na porta do teu coração.
Foi sangria desatada
e a porta do pronto-socorro
também encontrei fechada.

Eu disse a meu coração:
Sossega pois tudo passa.
O nada não é perdição
mas estado de graça.

Desde que o mundo é mundo
a sina:
o amor, centelha
que faz o incêndio
e a cinza.

A casa no breu

Faz tanto tempo
que deixei aquela casa.
Confesso: não sei mais
da estrada nem da chave.
É como se ficasse em cidade
sem nome, em outro planeta
ou nem existisse mais.

No entanto não sei como
de vez em quando algo
me arrebata e me arrasta
ao seu regaço de breu.
Tudo o que eu ouço é o vôo cego
dos morcegos no vão das telhas
e uma torneira pingando
sem parar.

Será o choro de minha mãe na sala
ou serei eu mesma em pranto?

Demolição

Desmorono o império doméstico

Trono onde se acasalam as coisas

Sacralizadas em hieráticos nichos.

NEIDE ARCHANJO( 1940 ) Paulista, advogada  e psicóloga. Estreou com o livro Primeiros Ofícios da Memória, em 1964. Em seguida,  participou de alguns recitais junto com o grupo Catequese Poética.  Criou,  em 1969 o movimento poesia na praça, exposição de poemas na Praça  da República. Em 1980 recebeu o prêmio da Associação Paulista dos Críticos de Poesia. Em 1995 foi indicada para o Jabuti, e em 2005 ganhou o prêmio de poesia da Academia Brasileira de Letras. Sua obra reunida está no volume Todas as Horas e Antes, de 2004.

Da Poesia

Esculpo a página a lápis 

e um cheiro de bosque 

então me aparece. 

Que a poesia é feita de romãs 

daquilo que é eterno 

e de tudo que apodrece.

Profundamente

Estão todos sentados esta noite.

Estão todos sentados.

 

A velha mesa respira

mas nadas se aquieta.

 

Estão todos sentados

mortos e sentados.

 

E este amor não basta

para carpir os beijos os nomes

os retratos.

Amor de perdição

Era um fluir de formas

essência grave e leve

era a ordenação do caos

a harmonia breve.

 

Era o poema

encostado no muro

qual flor vadia

que entre ramas se esquecia.

 

Era o poeta

lambendo a página

em que o poema

encantado se escrevia.

Não pude ser

Não pude ser
o teu amor perfeito
antes esta ferida.
Por isso para ti
não serei a pele
– poro a poro teu alumbramento –
serei apenas a cicatriz.

Perfeita

(sem título)

Solidão de árvore
esperando o fruto.


Solidão de Lázaro
esperando o Cristo.


Solidão de alvo
esperando a seta.


Ave, poeta.

EUNICE ARRUDA(1939 ) Poeta, pós-graduada em Comunicação e Semiótica pela PUC-SP, começou a publicar em 1960. É Tempo de Noite foi seu livro de estréia. Seguiram-se mais 11 livros de poemas, além de antologias publicadas nos EUA, Canadá, França,Uruguai. Já foi diretora da UBE e do Clube de Poesia de São Paulo. Ganhou em 1974 o prêmio Pablo Neruda (Argentina) e, em 1997, o de Mérito Cultural da UBE, Rio de Janeiro.

Erro

Edifiquei minha

casa sobre a

areia

 

Todo dia recomeço

Observando

sim



as horas de trégua


Quando se afiam
as facas

Composição I

Criar impactos

com

palavras

 

Pérolas

deslizando

na correnteza

 

Como barcos

me transportam

aonde nenhuma viagem chega

e eu colho frutos raros

Nesta ilha – entre

pedras – ressuscito

 

Com o fôlego

das

palavras

Transformação

Anjo
dá guarda

Eu estou atravessando

Também me empresta
de tuas asas
o vôo

Que eu chegue a nenhum lugar

Paisagem


O sol se
põe

Girassóis olham o chão

Gavetas

o poema
caído
da ventania

- as gavetas escrevem

o poema sem voz
nascido
da dor em demasia

Um Visitante

Quem escreve
é
um visitante

Chega nas horas da noite
e toma o lugar do
sono
Chega à mesa do almoço
come a minha fome

Escreve
o que eu nem supunha
Assina o meu nome


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13/07/2011 22h39
A MULHER NA LITERATURA BRASILEIRA(4)

DORA FERREIRA DA SILVA,(1918-2006) Poeta, tradutora e editora, desempenhou essas  atividades com rara lucidez, seriedade e consciência. Traduziu poetas fundamentais como Rilke, Holderlin, Saint-John Perse.Traduziu, também, trabalhos de Jung.  Fundou a revista Diálogo, junto com seu marido, o filósofo Vicente Ferreira da Silva. E criou a revista Cavalo Azul, para difusão da poesia. Como poeta publicou 10 livros, ganhou 3 vezes o Jabuti e recebeu o prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras. Admirável ser humano, seus poemas contribuem para o enriquecimento da nossa literatura e de nós mesmos.

Nascimento do poema

É preciso que venha de longe
do vento mais antigo
ou da morte
é preciso que venha impreciso
inesperado como a rosa
ou como o riso
o poema inecessário.

É preciso que ferido de amor
entre pombos
ou nas mansas colinas
que o ódio afaga
ele venha
sob o látego da insônia
morto e preservado.

E então desperta
para o rito da forma
lúcida
tranqüila:
senhor do duplo reino
coroado
de sóis e luas.

Maduro para o canto

Maduro para o canto

vertes, cântaro,

a água pura

e suas sete cores

unindo lago e lago.

Barco em flor

rio correndo da prece

promessa em silêncio

da messe.

 

Sem pressa

o agapanto floresce.

Boneca

A boneca de feltro
parece assustada com o próximo milênio.
Quem a aninhará nos braços
com seus olhos de medo e retrós?


O signo da boneca é frágil
mais frágil que o de pássaro.
Confia. Assim passiva
o vento brincará contigo
franzirá teu avental
dirá coisas que entendes
desde a aurora das coisas:
foste um caroço de manga
uma forma de nuvem
ou um galho com braços
de ameixeira no quintal.

Não temas. Solta o
corpo de feltro. Assim.
Para ser embalada nos braços
da menina que houver.

 

HILDA HILST (1930-2004) Poeta, dramaturga, cronista e ficcionista construiu obra extensa e variada com mais de 40 títulos. Nos últimos anos de sua vida, acho que em 1990, anunciou seu “adeus à literatura séria” e tornou-se uma autora pornográfica. Seu objetivo era vender mais livros e conquistar o reconhecimento do público. Essa postura da poeta causou espanto e indignação entre amigos e críticos. O editor Caio Gracco, da Brasiliense, negou-se a publicá-la, e o crítico Leo Gilson Ribeiro, que mais se ocupou de sua obra, ficará anos sem escrever uma linha sobre ela. Hilda ganhou o Jabuti duas vezes e vários outros prêmios importantes. Fez uma poesia profunda, comovente e originalíssima.

Aflição de ser eu e não ser outra.
Aflição de não ser, amor, aquela
Que muitas filhas te deu, casou donzela
E à noite se prepara e se adivinha
Objeto de amor, atenta e bela.

Aflição de não ser a grande ilha
Que te retém e não te desespera.
(A noite como fera se avizinha)

Aflição de ser água em meio à terra
E ter a face conturbada e móvel.
E a um só tempo múltipla e imóvel

Não saber se se ausenta ou se te espera.
Aflição de te amar, se te comove.
E sendo água, amor, querer ser terra."

Como se te perdesse, assim te quero.

Como se não te visse (favas douradas

Sob um amarelo) assim te apreendo brusco

Inamovível, e te respiro inteiro

 

Um arco-íris de ar em águas profundas.           

 

Como se tudo o mais me permitisses,

A mim me fotografo nuns portões de ferro       

Ocres, altos, e eu mesma diluída e mínima

No dissoluto de toda despedida.

 

Como se te perdesse nos trens, nas estações

Ou contornando um círculo de águas

Removente ave, assim te somo a mim:

De redes e de anseios inundada.

 

Se eu soubesse
Teu nome verdadeiro

Te tomaria
Úmida, tênue

E então descansarias.

Se sussurrares
Teu nome secreto
Nos meus caminhos
Entre a vida e o sono.

Te prometo, morte,
A vida de um poeta. A minha:
Palavras vivas, fogo, fonte.

Se me tocares
Amantíssima, branda
Como fui tocada pelos homens

Ao invés de Morte
Te chamo Poesia
Fogo, Fonte, Palavra viva
Sorte.

 

ADÉLIA PRADO (1935-) Estreou tarde: tinha 41 anos quando publicou o primeiro livro, Bagagem. E assim mesmo, graças à intervenção de Drummond, que ficou encantado com seus fenomenais poemas e enviou os originais, com um bilhetinho, ao editor Pedro Paulo de Senna Madureira. O que mais chama a atenção em seu trabalho é o cotidiano percebido com perplexidade, a revalorização do feminino e a religiosidade vivenciada no dia-a-dia, na mesa, na cama, na cozinha.

Neurolingüistíca
 

Quando ele me disse
ô linda,
pareces uma rainha,
fui ao cúmice do ápice
mas segurei meu desmaio.
Aos sessenta anos de idade,
vinte de casta viuvez,
quero estar bem acordada,
caso ele fale outra vez.

Impressionista

Uma ocasião,
meu pai pintou a casa toda
de alaranjado brilhante.
Por muito tempo moramos numa casa,
como ele mesmo dizia,
constantemente amanhecendo.

Ensinamento

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é.
A coisa mais fina do mundo é o sentimento.
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo:
"Coitado, até essa hora no serviço pesado".
Arrumou pão e café , deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor.
Essa palavra de luxo.

Dona Doida

Uma vez, quando eu era menina, choveu grosso
com trovoadas e clarões, exatamente como chove agora.
Quando se pôde abrir as janelas,
as poças tremiam com os últimos pingos.
Minha mãe, como quem sabe que vai escrever um poema,
decidiu inspirada: chuchu novinho, angu, molho de ovos.
Fui buscar os chuchus e estou voltando agora,
trinta anos depois. Não encontrei minha mãe.
A mulher que me abriu a porta, riu de dona tão velha,
com sombrinha infantil e coxas à mostra.
Meus filhos me repudiaram envergonhados,
meu marido ficou triste até a morte,
eu fiquei doida no encalço.
Só melhoro quando chove.

Com licença poética

Quando nasci um anjo esbelto,
desses que tocam trombeta, anunciou:
vai carregar bandeira.
Cargo muito pesado pra mulher,
esta espécie ainda envergonhada.
Aceito os subterfúgios que me cabem,
sem precisar mentir.
Não sou feia que não possa casar,
acho o Rio de Janeiro uma beleza e
ora sim, ora não, creio em parto sem dor.
Mas o que sinto escrevo.  Cumpro a sina.
Inauguro linhagens, fundo reinos
— dor não é amargura.
Minha tristeza não tem pedigree,
já a minha vontade de alegria,
sua raiz vai ao meu mil avô.
Vai ser coxo na vida é maldição pra homem.
Mulher é desdobrável. Eu sou.

CORA CORALINA (1889-1985) Começou a escrever cedo: aos 14 anos. Mas só começou a publicar quando tinha 76 anos: seu primeiro livro Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais só saiu em 1965. E foi graças a uma crônica do poeta Drummond, que Cora Coralina ganhou visibilidade e atenção --e passou a ser admirada por todo o Brasil. Foi redatora de jornal em Goiás,e publicou seu primeiro conto Tragédia na Roça em 1910, no Anuário Histórico Geográfico e Descritivo do estado de Goiás. Além de outras premiações importantes, ganhou o prêmio Juca Pato, da UBE, em 1984.

Aninha e suas pedras

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Das pedras

Ajuntei todas as pedras
que vieram sobre mim.
Levantei uma escada muito alta
e no alto subi.
Teci um tapete floreado
e no sonho me perdi.

Uma estrada,
um leito
uma casa,
um companheiro.
Tudo de pedra.

Entre pedras
cresceu a minha poesia.
Minha vida...
Quebrando pedras
e plantando flores.

Entre pedras que me esmagavam
Levantei a pedra rude
dos meus versos.

Cora Coralina, quem é você?

Sou mulher como outra qualquer.
Venho do século passado
e trago comigo todas as idades.

Nasci numa rebaixa de serra
Entre serras e morros.
“Longe de todos os lugares”.
Numa cidade de onde levaram
o ouro e deixaram as pedras.

Junto a estas decorreram
a minha infância e adolescência.

Aos meus anseios respondiam
as escarpas agrestes.
E eu fechada dentro
da imensa serrania
que se azulava na distância
longínqua.

Numa ânsia de vida eu abria
O vôo nas asas impossíveis
do sonho.

Venho do século passado.
Pertenço a uma geração
ponte, entre a libertação
dos escravos e o trabalhador livre.
Entre a monarquia caída e a república
que se instalava.

Todo o ranço do passado era presente.
A brutalidade, a incompreensão, a ignorância, o carrancismo.
Os castigos corporais.
Nas casas. Nas escolas.
Nos quartéis e nas roças.
A criança não tinha vez,
Os adultos eram sádicos
aplicavam castigos humilhantes. 

Tive uma velha mestra que já
havia ensinado uma geração
antes da minha.
Os métodos de ensino eram
antiquados e aprendi as letras
em livros superados de que
ninguém mais fala.

Nunca os algarismos me
entraram no entendimento.
De certo pela pobreza que marcaria
Para sempre minha vida.
Precisei pouco dos números.

Sendo eu mais doméstica do
que intelectual,
não escrevo jamais de forma
consciente e racionada, e sim
impelida por um impulso incontrolável.
Sendo assim, tenho a
consciência de ser autêntica.

Nasci para escrever, mas, o meio,
o tempo, as criaturas e fatores
outros, contra-marcaram minha vida.

Sou mais doceira e cozinheira
Do que escritora, sendo a culinária
a mais nobre de todas as Artes:
objetiva, concreta, jamais abstrata
a que está ligada à vida e
à saúde humana.

Nunca recebi estímulos familiares para ser literata.
Sempre houve na família, senão uma
hostilidade, pelo menos uma reserva determinada
a essa minha tendência inata.
Talvez, por tudo isso e muito mais,
sinta dentro de mim, no fundo dos meus
reservatórios secretos, um vago desejo de analfabetismo.
Sobrevivi, me recompondo aos
bocados, à dura compreensão dos
rígidos preconceitos do passado.

Preconceitos de classe.
Preconceitos de cor e de família.
Preconceitos econômicos.
Férreos preconceitos sociais.

A escola da vida me suplementou
as deficiências da escola primária
que outras o destino não me deu. 

Foi assim que cheguei a este livro
Sem referências a mencionar.

Nenhum primeiro prêmio.
Nenhum segundo lugar.

Nem Menção Honrosa.
Nenhuma Láurea.

Apenas a autenticidade da minha
poesia arrancada aos pedaços
do fundo da minha sensibilidade,
e este anseio:
procuro superar todos os dias
Minha própria personalidade
renovada,
despedaçando dentro de mim
tudo que é velho e morto.

Luta, a palavra vibrante
que levanta os fracos
e determina os fortes.

Quem sentirá a Vida
destas páginas...
Gerações que hão de vir
de gerações que vão nascer.


Publicado por Rubens Jardim em 13/07/2011 às 22h39
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07/07/2011 00h23
AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA ( 3)

 

Num dos artigos pioneiros no sentido de mapear as características da história da mulher no Brasil, escrito por Maria Beatriz Nizza da Silva, a autora afirma: “não temos acesso direto ao discurso feminino senão tardiamente no século XIX e, até então, temos de nos contentar em conhecer os desejos, vontades, queixas ou decisões das mulheres através da linguagem formal dos documentos ou petições, manejada pelos homens.”
Debret, pintor e historiador que viveu 15 anos entre nós, já registrava que a educação das mulheres se restringia, até 1815, a recitar preces de cor e a calcular de memória, sem saber escrever nem fazer as operações. Somente o trabalho de agulha ocupava seus lazeres, pois os demais cuidados relativos ao lar eram entregues sempre às escravas. Só a partir de 1827, com a primeira legislação referente à educação feminina, é que as mulheres tiveram direitos assegurados à educação. Portanto, mesmo em meados do século XIX, a mulher ainda permanece isolada do ambiente cultural.

 Talvez a marca mais evidente dessa condição de subordinação seja a do silêncio e a de uma ausência, notada tanto no cenário público da vida cultural literária, quanto no registro das histórias da nossa literatura. Na esperança de poder contribuir, modestamente, na reversão da nossa falta de conhecimento sobre a questão, resolvi abrir este espaço para divulgar alguns momentos significativos da história da literatura brasileira feita por mulheres. Já fizemos duas postagens, elencando autoras muito pouco conhecidas e divulgadas. E prosseguimos, agora,nessa mesma direção. Esclarecendo que minha atenção está voltada, exclusivamente, nas poetas mulheres. Com vocês, as vozes femininas que quebraram barreiras e se fizeram ouvir.  

Ângela do Amaral Rangel (1725), carioca, deve ter sido a primeira poeta brasileira a ter seus versos publicados antes de 1822. Participou como membro da Academia dos Seletos, em 30 de janeiro de 1752, das comemorações em homenagem a Gomes Freire de Andrade, governador e capitão-general das capitanias do Rio de Janeiro, Minas Gerais e São Paulo. Nesta ocasião, declamou os dois sonetos que lhe fizeram ser lembrada como poeta. Um simples menino de 12 anos que ali os escutava era José Basílio da Gama que, anos depois, já escritor, publicou o seu livro Uruguay que imortalizou Gomes Freire de Andrade.

 

                       MÁXIMAS CRISTÃS, E POLÍTICAS
                       Soneto


Ilustre General, vossa Excelência

Foi por tantas virtudes merecida,

Que, sendo já de todos conhecida,

Muito poucos lhe fazem competência:

 

Se tudo obrais por alta inteligência,

De Deus a graça tendes adquirida,

Do Monarca um afeto sem medida,

E do Povo uma humilde obediência:

 

No Católico zelo, e na lealdade

Tendes vossa esperança bem fundada;

Que, na presente, e na futura idade,

 

Há de ser a virtude premiada

Na terra com feliz serenidade,

E nos Céus com a glória eternizada.


                        MÁXIMA PRIMEIRA
                        Entre as militares
                        Soneto


Já retumba o clarim, que a Fama encerra

Na vaga Região seu doce acento,

De Gomes publicando o alto alento,

Por não caber no âmbito da terra:
 

Declara, que se está na dura guerra,

Tudo acaba tão rápido, e violento,

Que o mais forte Esquadrão, em um momento,

Seus talentos vitais ali subterra.
 

Vosso Nome será sempre exaltado,

Que se voais nas asas da ventura,

Vosso valor o tem assegurado;
 

Porque nos diz a Fama clara, e pura

Que outro Herói, como Vós, não tem achado

Debaixo da Celeste Arquitetura.

 

Bárbara Heliodora (1758-1819) mineira de São João Del Rey, viveu com o poeta inconfidente Alvarenga Peixoto, teve cinco filhos,e foi considerada heroína da inconfidência mineira. Sua produção literária é bastante reduzida e controvertida. Os poemas  Conselhos a meus filhos e um soneto dedicado a filha Maria Ifigênia, são atribuídos a ela, mas nem todos os estudiosos são unânimes nisso.E  a pesquisadora Eliane Vasconcellos destaca um aspecto curioso: tendo produzido tão pouco, existe uma imensa bibliografia sobre ela.

SONETO

 Amada filha, é já chegado o dia,

em que a luz da razão, qual tocha acesa,

vem conduzir a simples natureza:

-  é hoje que o teu mundo principia.  

 

A mão, que te gerou, teus passos guia;

despreza ofertas de uma vá beleza,

e sacrifica as honras e a riqueza

às santas leis do Filho de Maria.  

 

Estampa na tua alma a Caridade,

que amar a Deus, amar aos semelhantes,

são eternos preceitos da Verdade.  

 

Tudo o mais são idéias delirantes;

procura ser feliz na Eternidade,

que o mundo são brevíssimos instantes.

 

Maria Josefa Barreto (1786-1837) é gaúcha de Viamão –e foi, apesar de politicamente conservadora e anti-farroupilha, uma feminista avant la lettre: professora, abriu uma escola primária mista em Porto Alegre. Foi jornalista engajada e fundou dois jornais. Poeta e repentista, escreveu muitos elogios dramáticos e vários poemas de nuance árcade.

Aos 55 anos do Senhor D. João VI
Soneto

Lá onde o Tejo undoso ufano pisa,

Dos brilhantes lauréis já despojada,

De fúnebre cipreste a fronte ornada,

Lísia envolvida em pranto se divisa.

 

Na saudade cruel que a penaliza,

Invejosa suspira, consternada,

Quando América assaz afortunada

A glória de João imortaliza.

 

No seu erguido trono brasileiro,

Fundador de uma nova monarquia,

Qual de Ourique Afonso, Rei primeiro,

 

Ditando sábias leis, já neste dia

De onde lustros o giro vê inteiro

O grande filho da imortal Maria.

 

Adelaide de Castro Alves Guimarães ( 1854 - 1940) foi poeta.musicista, pintora, desenhista . e iIrmã do famoso poeta dos escravos: Castro Alves. Aliás, atribuiu-se a ela o cultivo de sua memória, a conservação do seu acervo e de seus manuscritos inéditos. Casada com o jornalista e político baiano Augusto Álvares Guimarães, teve uma filha, também poeta, Glória de Castro Alves Guimarães. Permaneceu inédita até recentemente, quando aos 79 anos teve seus poemas publicados no livro O Imortal, versos de outrora,por iniciativa de sua filha.

 

[Sem título]

Amor é um carpinteiro

Que ri com ar de matreiro,

Cerrando forte e ligeiro

Na tenda do coração...

Com toda a proficiência

Põe pregos de resistência,

Ferrolhos na consciência,

Tranca as portas da razão

 

Acercou-se do leito em andar vagaroso:

Condenada dir-se-ia a chegar ao degredo...

O vazio... o abandono... o sossego penoso...

Na marmórea brancura um funéreo lajedo!!...

Onde a estância risonha, o país venturoso

dos afagos sutis... da carícia em segredo...

Dos seus dous corações o pulsar amoroso

De onde a sorte cruel, a expulsara tão cedo?!...

Nesta angústia, que espera esse olhar assim fito

No macio colchão, na macia almofada,

Testemunhos do amor que ora mata-a ora a encanta

Se tão longe, tão longe! em lençóis do infinito

Prisioneiro ele dorme em alcova isolada

Nesse leito do qual ninguém mais se levanta?...


Publicado por Rubens Jardim em 07/07/2011 às 00h23
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28/06/2011 11h42
AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA (2)

Na postagem anterior, tentamos contextualizar a presença da mulher em nossa literatura. E publicamos poemas de Auta de Souza, Narcisa Amália, Francisca Júlia, e Gilka Machado. Desta vez, o leitor poderá encontrar vozes mais conhecidas e mais divulgadas.

Henriqueta Lisboa (1901-1985), mineira, é autora de obra poética muito representativa. Poeta de produção regular, publicou quase 20 livros de poesia entre 1925 e 1977. Sua produção também inclui ensaios, conferências e traduções.Foi pioneira ao escrever poesia para crianças no Brasil.

Calendário

Calada floração
fictícia
caindo da árvore
dos dias

Modelagem / Mulher

Assim foi modelado o objeto:
para subserviência.
Tem olhos de ver e apenas
entrevê. Não vai longe
seu pensamento cortado
ao meio pela ferrugem
das tesouras. É um mito
sem asas, condicionado
às fainas da lareira
Seria uma cântaro de barro afeito
a movimentos incipientes
sob tutela.
Ergue a cabeça por instantes
e logo esmorece por força
de séculos pendentes.
Ao remover entulhos
leva espinhos na carne.
Será talvez escasso um milênio
para que de justiça
tenha vida integral.
Pois o modelo deve ser
indefectível segundo
as leis da própria modelagem.

 

Cecília Meireles (1901-1964), nasceu no Rio de Janeiro, foi poeta, pintora, professora e jornalista. É considerada uma das vozes líricas mais importantes da nossa literatura. Publicou seu primeiro livro,  Espectro, em 1919, pagando tributo ao simbolismo e ao soneto. Seguiram-se mais de 20 livros de poemas.

Retrato
Eu não tinha este rosto de hoje,
assim calmo, assim triste, assim magro,
nem estes olhos tão vazios,
nem o lábio amargo.


Eu não tinha estas mãos sem força,
tão paradas e frias e mortas;
eu não tinha este coração
que nem se mostra.


Eu não dei por esta mudança,
tão simples, tão certa, tão fácil:
— Em que espelho ficou perdida
a minha face?

Reinvenção
A vida só é possível
reinventada.


Anda o sol pelas campinas
e passeia a mão dourada
pelas águas, pelas folhas...
Ah! tudo bolhas
que vem de fundas piscinas
de ilusionismo... — mais nada.


Mas a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.


Vem a lua, vem, retira
as algemas dos meus braços.
Projeto-me por espaços
cheios da tua Figura.
Tudo mentira! Mentira
da lua, na noite escura.


Não te encontro, não te alcanço...
Só — no tempo equilibrada,
desprendo-me do balanço
que além do tempo me leva.
Só — na treva,
fico: recebida e dada.


Porque a vida, a vida, a vida,
a vida só é possível
reinventada.

Adalgisa Nery, (1905-1980) nasceu no Rio de Janeiro, foi poeta, jornalista, prosadora e política. Casou com o pintor Ismael Nery, um dos precursores do modernismo e lançou seu primeiro livro, Poemas, em 1937. Abandonou a literatura e passou a dedicar-se ao jornalismo. Também adotou a política. Foi deputada três vezes pelo PSB e foi cassada em 1969.

 

Poema da amante

Eu te amo
Antes e depois de todos os acontecimentos,
Na profunda imensidade do vazio
E a cada lágrima dos meus pensamentos.
Eu te amo
Em todos os ventos que cantam,
Em todas as sombras que choram,
Na extensão infinita dos tempos
Até a região onde os silêncios moram.
Eu te amo
Em todas as transformações da vida,
Em todos os caminhos do medo,
Na angústia da vontade perdida
E na dor que se veste em segredo.
Eu te amo
Em tudo que estás presente,
No olhar dos astros que te alcançam
E em tudo que ainda estás ausente.
Eu te amo
Desde a criação das águas,
desde a idéia do fogo
E antes do primeiro riso e da primeira mágoa.
Eu te amo perdidamente
Desde a grande nebulosa
Até depois que o universo cair sobre mim
Suavemente.

Dá-me tua mão
E eu te levarei aos campos musicados pela
canção das colheitas.
Cheguemos antes que os pássaros nos disputem
os frutos,
Antes que os insetos se alimentem das folhas
entreabertas.


Repouso

Dá-me tua mão
E eu te levarei a gozar a alegria do solo
agradecido,
Te darei por leito a terra amiga
E repousarei tua cabeça envelhecida
Na relva silenciosa dos campos.

Nada te perguntarei,
Apenas ouvirás o cantar das águas adolescentes
E as palavras do meu olhar sobre tua face muito
amada.

Lupe Cotrim Garaude (1933-1970) nasceu em São Paulo e estreou em 1955, com o livro de poemas Raiz Comum. Seguiram-se Monólogos do Afeto (1956); Entre a Flor e o Tempo (1961); Cântico da terra (1963); O poeta e o Mundo (1964); Inventos (1968); Poemas ao outro (1970).Este último livro recebeu o Prêmio Governador do Estado.

Saudade

(a Guilherme de Almeida)

A saudade é o limite da presença,
estar em nós daquilo que é distante,
desejo de tocar que apenas pensa,
contorno doloroso do que era antes.

Saudade é um ser sozinho descontente
um amor contraído, não rendido,
um passado insistindo em ser presente
e a mágoa de perder no pertencido.

Saudade, irreversível tempo, espaço
da ausência, sensação em nós premente
de ser amor somente leve traço

num sonho vão de posse permanente.
Saudade, desterrada raiz, vida
que se prolonga e sabe que é perdida.

Ars Poética

 

Da desordem nunca

erguerei um verso.

Bem sei

que na bela superfície de um momento,

existe o alento

da Poesia.

Mas é do futuro,

é do instante que serve

a continuidade da vida

em sentimento,

que desejo o meu poema.

O Homem,

sofrido a prosseguir

na sua eternidade construída —

— eis o meu tema.


Publicado por Rubens Jardim em 28/06/2011 às 11h42
 
20/06/2011 17h06
AS MULHERES NA LITERATURA BRASILEIRA

Não faz muito tempo que elas deixaram a cozinha, os crochês e as costuras. Hoje elas são executivas, médicas, empresárias,  políticas , professoras --e até presidentes. Mas já faz tempo que elas ingressaram na literatura, onde fizeram e fazem um excelente trabalho. Vamos dedicar este espaço a divulgar o trabalho das nossas poetas. Antes, porém, leiam este histórico.

Quando fez, em 1928, a famosa palestra sobre a presença da mulher na literatura inglesa, na Universidade de Cambridge, Virginia Woolf jamais poderia imaginar que a famosíssima Britannica iria ignorar sua posição feminista e omitir de sua bibliografia o livro A Room of One’s Own, onde foi publicada a conferência e outros escritos.

Como se vê, não é privilégio tupiniquim o esquecimento proposital da contribuição cultural da mulher em vários campos do saber e das artes. No caso específico da literatura, a questão é mais séria ainda. Afinal, tanto Silvio Romero como José Veríssimo –famosos historiadores da nossa literatura no século 19-- registraram pouquíssimos nomes femininos.

E na História Concisa da Literatura Brasileira –a mais usada no ensino atual— o prof. Alfredo Bosi só menciona quatro nomes de poetisas: Francisca Júlia, Gilka Machado, Auta de Sousa e Narcisa Amália. Mesmo assim, somente a primeira mereceu biografia e algum destaque.

Mas essa ausência, que passa uma idéia equivocada da influência feminina na cultura do país, vem sendo corrigida através de pesquisas, teses, livros, artigos e ensaios. Escritoras Brasileiras do Século XIX, organizado por Zaidhé Muzart, foi o pontapé inicial  em direção a uma reavaliação desse nosso patrimônio literário e cultural.

Publicado em 2000, o livro, com cerca de 1000 páginas, revela nada menos que 52 autoras e mostra nomes que nunca ouvimos falar —resultado desse trabalho paciente de “revolver escombros e garimpar entulhos” conforme texto introdutório da própria autora, Zaidhé Muzart

É inquestionável o mérito desse trabalho --e de um sem número de outros que foram surgindo sobre as questões relativas à mulher. É crescente, sem duvida,  a  presença delas em todas as áreas das atividades humanas. Hoje, temos até uma presidente mulher. Quanto à literatura mais recente, não podemos nos queixar. Existem muitas escritoras mulheres e elas também se apresentam em dissertações, teses de doutorado, pesquisas apresentadas em congressos e outras publicações.

Sem a pretensão de desenvolver uma avaliação desse panorama, utilizo este espaço para prestar uma homenagem às mulheres. Mais especificamente: às mulheres escritoras. Ou mais especificamente ainda: às mulheres escritoras de poemas. Afinal, por incrível que pareça, existe uma nítida predominância em nossa literatura de escritoras que se dedicaram à prosa, notadamente ao romance.

Caso de Rachel de Queiroz, por exemplo, a primeira mulher a ingressar, em 1977, no clube do bolinha que era a Academia Brasileira de Letras. Pouco depois, a ABL acolheu duas outras prosadoras consagradas: Dinah Silveira de Queiroz e Lygia Fagundes Telles. O incrédulo leitor poderá perguntar: e as nossas poetas, onde estão?

É curioso observar, mas mesmo em épocas mais recentes, as escritoras continuavam sendo preteridas. Um exemplo é a inexistência de qualquer nome feminino vinculado à literatura na Semana de 22. Cecília Meirelles, que  já havia publicado Espectros, em 1919 , Nunca Mais e Poema dos Poemas, em 1923, e Baladas para El Rei, em 1925, não é exceção. 

É justo, porém, lembrar que Cecília Meirelles escreveu um ensaio “Expressão feminina da poesia na América”, em 1956, onde apresenta um panorama da expressão lírica feminina na América hispânica. São comentados aspectos significativos da poesia de grandes representantes, desde a barroca Sóror Juana Inés de la Cruz até a chilena Gabriela Mistral.

Só para não ficar sem registro, relaciono aqui alguns nomes femininos. Alguns são desconhecidos até de especialistas, outros conquistaram alguma visibilidade. Mas todas essas escritoras desempenharam um papel que não se restringia às funções de esposa, mãe e dona-de-casa. Elas foram à luta e deixaram  seu recado --para além do recato.

São elas: Auta de Souza, Maria Firmina dos Reis, Narcisa Amália, Francisca Júlia, Cecília Meireles, Carolina Maria de Jesus, Clarice Lispector, Gilka Machado, Lúcia Miguel Pereira, Tatiana Belinky, Cora Coralina, Hilda Hilst, Dora Ferreira da Silva, Nísia Floresta, Adélia Prado, Barbara Lia, Renata Pallotini, Neide Arcanjo, Carolina Nabuco, Maria Rita Kehl, Adalgisa Nery, Lupe Cotrim, Astrid Cabral, Eunice Arruda, Helena Armond,Mirian de Carvalho,Raquel Naveira,Thereza Cristina Rocque de La Motta, Angélica Torres, Beatriz Bajo, Nydia Bonetti, Jacineide Travassos,etc.

 

 Vamos começar com elas

AUTA DE SOUZA ( 1876-1901) Nasceu em Macaiba, RN e publicou apenas um livro: Horto (1900) que foi prefaciado por Olavo Bilac.

 TUDO PASSA
 I         

Aquela moça graciosa e bela
Que passa sempre de vestido escuro
E traz nos lábios um sorriso puro,
Triste e formoso como os olhos dela...
 

Diz que su’alma tímida e singela
Já não tem coração: que o mundo impuro
Para sempre o matou... e o seu futuro
Foi-se n’um sonho, desmaiada estrela.
 

Ela não sabe que o desgosto passa
Nem que do orvalho a abençoada graça
Faz reviver a planta que emurchece.
 

Flávia! nas almas juvenis, formosas,
Berço sagrado de jasmins e rosas,
O coração não morre: ele adormece...

 

NARCISA AMÁLIA (1852-1924) Nasceu em São João da Barra, Rio, foi poeta e a primeira jornalista profissional do Brasil. Combateu a opressão da mulher, a escravidão e possuía fina sensibilidade social. Publicou apenas um livro de poemas: Nebulosas (1872)

POR QUE SOU FORTE

Dirás que é falso. Não. É certo. Desço

Ao fundo d’alma toda vez que hesito...

Cada vez que uma lágrima ou que um grito

Trai-me a angústia - ao sentir que desfaleço...

E toda assombro, toda amor, confesso,

O limiar desse país bendito

Cruzo: - aguardam-me as festas do infinito!

O horror da vida, deslumbrada, esqueço!

É que há dentro vales, céus, alturas,

Que o olhar do mundo não macula, a terna

Lua, flores, queridas criaturas,

E soa em cada moita, em cada gruta,

A sinfonia da paixão eterna!...

- E eis-me de novo forte para a luta.

 

FRANCISCA JÚLIA(1871-1920) Paulista, a poeta fez sucesso com versos de conteúdo  parnasiano. Seus últimos trabalhos já mostram a influência do simbolismo. Publicou vários livros de poemas. Sobre seu túmulo está a estátua da “Musa Impassível”, de Victor Brecheret, em homenagem a um de seus poemas mais famosos.

A FLORISTA

Suspensa ao braço a grávida corbelha,

Segue a passo, tranqüila... O sol faísca...

Os seus carmíneos lábios de mourisca

Se abrem, sorrindo, numa flor vermelha.

 

Deita à sombra de uma árvore. Uma abelha

Zumbe em torno ao cabaz... Uma ave, arisca,

O pó do chão, pertinho dela, cisca,

Olhando-a, às vezes, trêmula, de esguelha...

 

Aos ouvidos lhe soa um rumor brando

De folhas... Pouco a pouco, um leve sono

Lhe vai as grandes pálpebras cerrando...

 

Cai-lhe de um pé o rústico tamanco...

E assim descalça, mostra, em abandono,

O vultinho de um pé macio e branco.

 

 

GILKA MACHADO (1893-1980) Carioca, publicou seu primeiro livro, Cristais Partidos, em 1915. Poeta simbolista, foi eleita a “melhor poetisa do Brasil” em 1933.

 

SER MULHER...

          Ser mulher, vir à luz trazendo a alma talhada

para os gozos da vida; a liberdade e o amor;

tentar da glória a etérea e altívola escalada,

na eterna aspiração de um sonho superior...

 

Ser mulher, desejar outra alma pura e alada

para poder, com ela, o infinito transpor;

sentir a vida triste, insípida, isolada,

buscar um companheiro e encontrar um senhor...

 

Ser mulher, calcular todo o infinito curto

para a larga expansão do desejado surto,

no ascenso espiritual aos perfeitos ideais...

 

Ser mulher, e, oh! atroz, tentálica tristeza!

ficar na vida qual uma águia inerte, presa

nos pesados grilhões dos preceitos sociais!

 

Aguarde nova postagem com mais poemas de poetas mulheres.

 


Publicado por Rubens Jardim em 20/06/2011 às 17h06



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