Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
15/10/2010 01h03
A psicologia de massa do fascismo à brasileira
Resolvi publicar esse artigo, do respeitado e premiado jornalista Luis Nassif, na esperança de estar contribuindo com os leitores diante da grave situação que o Brasil está atravessando nesse período de eleição presidencial
 

Há tempos alerto para a campanha de ódio que o pacto mídia-FHC estava plantando no jogo político brasileiro.
O momento é dos mais delicados. O país passa por profundos processos de transformação, com a entrada de milhões de pessoas no mercado de consumo e político. Pela primeira vez na história, abre-se espaço para um mercado de consumo de massa capaz de lançar o país na primeira divisão da economia mundial.
Esses movimentos foram essenciais na construção de outras nações, mas sempre vieram acompanhados de tensões, conflitos, entre os que emergem buscando espaço, e os já estabelecidos impondo resistências.
Em outros países, essas tensões descambaram para guerras, como a da Secessão norte-americana, ou para movimentos totalitários, como o fascismo nos anos 20 na Europa.
Nos últimos anos, parecia que Lula completaria a travessia para o novo modelo reduzindo substancialmente os atritos. O reconhecimento do exterior ajudou a aplainar o pesado preconceito da classe média (contra o presidente operario). A estratégia política de juntar todas as peças – de multinacionais a pequenas empresas, do agronegócio à agricultura familiar, do mercado aos movimentos sociais – permitiu uma síntese admirável do novo país.
O terrorismo midiático, levantando fantasmas com o MST, Bolívia, Venezuela, Cuba e outras bobagens, não passava de jogo de cena, no qual nem a própria mídia acreditava.
À falta de um projeto de país, esgotado o modelo no qual se escudou, FHC – seguido por seu discípulo José Serra – passou a apostar tudo na radicalização. Ajudou a referendar a idéia da república sindicalista, a espalhar rumores sobre tendências totalitárias de Lula, mesmo sabendo que tais temores eram infundados.
Em ambientes mais sérios do que nas entrevistas políticas aos jornais, o sociólogo FHC não endossava as afirmações irresponsáveis do político FHC.
Mas as sementes do ódio frutificaram. E agora explodem em sua plenitude, misturando a exploração dos preconceitos da classe média com o da religiosidade das classes mais simples(provocado pela campanha) de um candidato que, por muitos anos, parecia ser a encarnação do Brasil moderno e hoje representa o oportunismo mais deslavado da moderna história política brasileira.
O fascismo à brasileira
Se alguém pretende desenvolver alguma tese nova sobre a psicologia de massa do fascismo, no Brasil, aproveite. Nessas eleições, o clima que envolve algumas camadas da sociedade é o laboratório mais completo – e com acompanhamento online - de como é possível inculcar ódio, superstição e intolerância em classes sociais das mais variadas no Brasil urbano – supostamente o lado moderno da sociedade.
Dia desses, um pai relatou um caso de bullying com a filha, quando se declarou a favor de Dilma.
Em São Paulo esse clima está generalizado. Nos contatos com familiares, nesses feriados, recebi relatos de um sentimento difuso de ódio no ar como há muito tempo não se via, provavelmente nem na campanha do impeachment de Collor, talvez apenas em 1964, período em que amigos dedavam amigos e os piores sentimentos vinham à tona, da pequena cidade do interior à grande metrópole.
Agora, esse ódio não está poupando nenhum setor. É figadal, ostensivo, irracional, não se curvando a argumentos ou ponderações.
Minhas filhas menores freqüentam uma escola liberal, que estimula a tolerância em todos os níveis. Os relatos que me trazem é que qualquer opinião que não seja contra Dilma provoca o isolamento da colega. Outro pai de aluna do Vera Cruz me diz que as coleguinhas afirmam no recreio que Dilma é assassina.
Na empresa em que trabalha outra filha, toda a média gerência é furiosamente anti-Dilma. No primeiro turno, ela anunciou seu voto em Marina e foi cercada por colegas indignados. O mesmo ocorre no ambiente de trabalho de outra filha.
No domingo fui visitar uma tia na Vila Maria. O mesmo
sentimento dos antidilmistas, virulento, agressivo, intimidador. Um amigo banqueiro ficou surpreso ao entrar no seu banco, na segunda, é captar as reações dos funcionários ao debate da Band.
A construção do ódio
Na base do ódio um trabalho da mídia de massa de martelar diariamente a história das duas caras, a guerrilha, o terrorismo, a ameaça de que sem Lula ela entregaria o país ao demonizado José Dirceu. Depois, o episódio da Erenice abrindo as comportas do que foi plantado.
Os desdobramentos são imprevisíveis e transcendem o processo eleitoral. A irresponsabilidade da mídia de massa e de um candidato de uma ambição sem limites conseguiu introjetar na sociedade brasileira uma intolerância que, em outros tempos, se resolvia com golpes de Estado. Agora, não, mas será um veneno violento que afetará o jogo político posterior, seja quem for o vencedor.
Que país sairá dessas eleições?, até desanima imaginar.
Mas (tal situacao) demonstra cabalmente as dificuldades embutidas em qualquer espasmo de modernização brasileira, explica as raízes do subdesenvolvimento, a resistência histórica a qualquer processo de modernização. Não é a herança portuguesa. É a escassez de homens públicos de fôlego com responsabilidade institucional sobre o país. É a comprovação de porque o país sempre ficou para trás, abortou seus melhores momentos de modernização, apequenou-se nos momentos cruciais, cedendo a um vale-tudo sem projeto, uma guerra sem honra.
Seria interessante que o maior especialista da era da Internet, o espanhol Manuel Castells, em uma próxima vinda ao Brasil, convidado por seu amigo Fernando Henrique Cardoso, possa escapar da programação do Instituto FHC para entender um pouco melhor a irresponsabilidade, o egocentrismo absurdo que levou um ex-presidente a abrir mão da biografia por um último espasmo de poder. Sem se importar com o preço que o país poderia pagar.

luisnassif, 14/10/2010


Publicado por Rubens Jardim em 15/10/2010 às 01h03
 
07/10/2010 11h29
lançamento da candidatura de Marina: seu vice e o teólogo Leonardo Boff
A mídia comercial em guerra
 
Por Leonado Boff*
 
Sou profundamente a favor da liberdade de expressão, em nome da qual fui punido com o “silêncio obsequioso”pelas autoridades do Vaticano. Sob risco de ser preso e torturado, ajudei a editora Vozes a publicar corajosamente o “Brasil Nunca Mais” onde se denunciavam as torturas, usando exclusivamente fontes militares, o que acelerou a queda do regime autoritário.

Esta história de vida me avaliza a fazer as críticas que ora faço ao atual enfrentamento entre o presidente Lula e a midia comercial, que reclama ser tolhida em sua liberdade. O que está ocorrendo já não é um enfrentamento de idéias e de interpretações e o uso legítimo da liberdade da imprensa. Está havendo um abuso da liberdade de imprensa que, na previsão de uma derrota eleitoral, decidiu mover uma guerra acirrada contra o presidente e a candidata Dilma Rousseff. Nessa guerra vale tudo: o factóide, a ocultação de fatos, a distorção e a mentira direta.

Precisamos dar o nome a esta mídia comercial. São famílias que, quando vêem seus interesses comerciais e ideológicos contrariados, se comportam como famiglia mafiosa. São donos privados que pretendem falar para todo o Brasil e manter sob tutela a assim chamada opinião pública. São os donos do Estado de São Paulo, da Folha de São Paulo, de O Globo, da revista Veja, na qual se instalou a razão cínica e o que há de mais falso e chulo da imprensa brasileira. Estes estão a serviço de um bloco histórico, assentado sobre o capital que sempre explorou o povo e que não aceita um presidente que vem deste povo. Mais que informar e fornecer material para a discussão pública, pois essa é a missão da imprensa, esta mídia empresarial se comporta como um feroz partido de oposição.

Na sua fúria, quase desesperados e inapelavelmente derrotados, seus donos, editorialistas e analistas não têm o mínimo  respeito devido  à mais alta autoridade do pais, ao presidente Lula. Nele vêem apenas um peão a ser tratado com o chicote da palavra que humilha.

Mas há um fato que eles não conseguem digerir em seu estômago elitista. Custa-lhes aceitar que um operário, nordestino, sobrevivente da grande tribulação dos filhos da pobreza, chegasse a ser presidente. Este lugar, a Presidência, assim pensam, cabe a eles, os ilustrados, os articulados com o mundo, embora não consigam se livrar do complexo de vira-latas, pois se sentem meramente menores e associados ao grande jogo mundial. Para eles, o lugar do peão é na fábrica, produzindo.

Como o mostrou o grande historiador José Honório Rodrigues (Conciliação e Reforma) “a maioria dominante, conservadora ou liberal, foi sempre alienada, antiprogresssita, antinacional e nãocontemporânea. A liderança nunca se reconciliou com o povo. Nunca viu nele uma criatura de Deus, nunca o reconheceu, pois gostaria que ele fosse o que não é. Nunca viu suas virtudes nem admirou seus serviços ao país, chamou-o de tudo,  Jeca Tatu, negou seus direitos, arrasou sua vida e logo que o viu crescer ela lhe negou, pouco a pouco, sua aprovação, conspirou para colocá-lo de novo na periferia, no lugar que contiua achando que lhe pertence (p.16)”.

Pois esse é o sentido da guerra que movem contra Lula. É uma guerra contra os pobres que estão se libertando. Eles não temem o pobre submisso. Eles têm pavor do pobre que pensa, que fala, que progride e que faz uma trajetória ascedente como Lula. Trata-se, como se depreende, de uma questão de classe. Os de baixo devem ficar em baixo. Ocorre que alguém de baixo chegou lá em cima. Tornou-se o presidente de todos os brasileiros.  Isso para eles é simplesmente intolerável.

Os donos e seus aliados ideológicos perderam o pulso da história. Não se deram conta de que o Brasil mudou. Surgiram redes de movimentos sociais organizados, de onde vêm Lula e tantas outras lideranças. Não há mais lugar para coronéis e de “fazedores de cabeça” do povo. Quando Lula afirmou que “a opinião pública somos nós”, frase tão distorcida por essa midia raivosa, quis enfatizar que o povo organizado e consciente arrebatou a pretensão da midia comercial de ser a formadora e a porta-voz exclusiva da opinião pública. Ela tem que renunciar à ditadura da palavra escrita, falada e televisionada e disputar com outras fontes de informação e de opinião.

O povo, cansado de ser governado pelas classes dominantes, resolveu votar em si mesmo. Votou em Lula como o seu representante. Uma vez no governo, operou uma revolução conceptual, inaceitável para elas. O Estado não se fez inimigo do povo, mas o indutor de mudanças profundas que beneficiaram mais de 30 milhões de brasileiros. De miseráveis se fizeram pobres laboriosos, de pobres laboriosos se fizeram classe média baixa e de classe média baixa de fizeram classe média. Começaram a comer, a ter luz em casa, a poder mandar seus filhos para a escola, a ganhar mais salário, em fim, a melhorar de vida.

Outro conceito inovador foi o desenvolvimento com inclusão social e distribuição de renda. Antes, havia apenas desenvolvimento/crescimento, que beneficiava aos já beneficiados à custa das massas destituidas e com salários de fome. Agora, ocorreu visível mobilização de classes, gerando satisfação das grandes maiorias e a esperança que tudo ainda pode ficar melhor. Concedemos que no governo atual há um déficit de consciência e de práticas ecológicas. Mas importa reconhecer que Lula foi fiel à sua promessa de fazer amplas políticas públicas na direção dos mais marginalizados.

O que a grande maioria almeja é manter a continuidade deste processo de melhora e de mudança. Ora, esta continuidade é perigosa para a mídia comercial que assiste, assustada, o fortalecimento da soberania popular que se torna crítica, não mais manipulável e com vontade de ser ator dessa nova história democrática do Brasil. Vai  ser uma democracia cada vez mais participativa e não apenas delegatícia. Esta abria amplo espaço à corrupção das elites e dava preponderância aos interesses das classes opulentas e ao seu braço ideológico, que é a mídia comercial. A democracia participativa escuta os movimentos sociais, faz do Movimento dos Sem Terra (MST), odiado especialmente pela Veja (que faz questão de não ver…), protagonista de mudanças sociais não somente com referência à terra mas também ao modelo econômico e às formas cooperativas de produção.

O que está em jogo neste enfrentamento entre a midia comercial e Lula/Dilma é a questão: que Brasil queremos? Aquele injusto, neocolonial, neoglobalizado e no fundo, retrógrado e velhista? Ou o Brasil novo com sujeitos históricos novos, antes sempre mantidos à margem e agora despontando com energias novas, para construir um Brasil que ainda nunca tínhamos visto antes.

Esse Brasil é combatido na pessoa do presidente Lula e da candidata Dilma. Mas estes representam o que deve ser. E o que deve ser tem força. Irão triunfar a despeito das má vontade deste setor endurecido da midia comercial e empresarial. A vitória de Dilma dará solidez a este caminho novo ansiado e construído com suor e sangue por tantas gerações de brasileiros.



Publicado por Rubens Jardim em 07/10/2010 às 11h29
 
19/09/2010 11h44
é nas entrelinhas que se oculta a sabedoria.a lógica corrompe a imaginação.
PÉRICLES PRADE: UM POETA QUE SABE QUE A POESIA É O OURO SUPREMO DA PALAVRA
Jurista renomado, político bissexto, ator, contista, ensaísta, tradutor, editor, professor, historiador, filósofo, crítico de arte e poeta. Eis aí, em resumo, as atividades de Péricles Prade, este velho amigo que mais parece um homem da renascença do que um medievalista --como ele gosta de se identificar.

Autor de 15 livros de poesia, fora os inéditos, Péricles considera a poesia a verdadeira pedra filosofal, o ouro supremo da palavra, a quintessência do verbo-vida. E é a partir desse entendimento que ele se dedica ao corpo das sombras e aos limites da água e do fogo. Alias, Nos Limites do Fogo é título de um de seus excelentes livros de poemas. E, segundo alguns críticos, o fogo e a água são os dois elementos fundadores de sua poesia.
Uma poesia que, desde o seu aparecimento em 1963,vem inscrevendo-se entre as mais originais feitas no Brasil, distanciando-se do discurso e da tradição para demarcar seu diferencial poético. Segundo Mirian de Carvalho, já àquela época Péricles Prade distancia-se da linearidade por meio de imagística destituída de qualquer verossimilhança externa, transcendendo aos sentidos da metáfora e da similitude.
Batizado como poeta surreal, Péricles nega aquilo que é uma das características preponderantes do surrealismo: o automatismo psíquico. Ele se acha mais próximo de um cubismo poético, porque a minha poesia está muito ligada a fragmentos, tem muita quebra, muita superposição. Segundo Luz e Silva, no cerne de seus poemas encontra-se uma tendência à configuração de rituais ocultistas que se revelam como um dos sintomas da concepção metafísica do poeta.
De fato, Péricles sempre demonstrou interesse especial pela mitologia, pelo ocultismo, pela alquimia e pela cabala. Ele acha que toda a lógica é um falso caminho para chegar-se à verdade. A lógica corrompe a imaginação. É nas entrelinhas que se oculta a sabedoria. E como o mito é atemporal, não me preocupo com o tempo exterior.
Aproveito as palavras do poeta para tentar esclarecer uma questão importante, sempre vinculada à linguagem poética. Trata-se do fato –aparentemente estranho—da transfiguração que as palavras sofrem no poema. E isso se dá pela simples razão de que as palavras no poema não funcionam como sinais, ou etiquetas, mas como substitutos de alguma coisa que permanece por trás delas.
E é isso que qualquer leitor vai encontrar em qualquer poema legítimo. Aliás, já foi notado e anotado o caráter inaugural e alquímico do poema. O próprio Péricles não fez referência ao ouro supremo da palavra? Pois bem: eu também já meti minha colher no assunto ao reafirmar que a poesia é uma forma de comunicação à margem das formas utilitárias da linguagem.
Lembro-me de que em palestra, feita em encontro literário, tentei mostrar que  não dá para ignorar que a palavra está associada à vida, à experiência, à vivência e à convivência. E disse mais: não se esqueçam que a palavra é um objeto perigoso que pode induzir à subversão e ao encantamento. E ao pensamento, é claro. A palavra é a melhor e mais imprecisa forma de representar o real. Nada é tão único, direto e simples quanto à palavra --e nada é tão pantanoso, nada é tão areia movediça.
Portanto, convido vocês para uma leitura dos poemas de Péricles Prade, poeta de um fazer poético vigoroso, impactante, que mistura erudição e criatividade no trato da língua-- e comunicação abrangente e complexa com o leitor.  
VÃ PROCURA
 
Em vão procurei a Tabacaria.
Em vão procurei o Esteves sem metafísica.
Queria, como Álvaro de Campos, dizer-lhe adeus.
Por toda a parte procurei
a Tabacaria & seu dono
olhando tabuletas diurnas e noturnas
em várias direções.
Mas nas tabacarias de hoje
(nas que entrei ou vi de relance)
não há Esteves, ainda que defronte
haja donos, metafísica de todo gênero,
sorrisos, máscaras mouras, jogadores
de xadrez, trovadores convencidos, fumadores,
marqueses, mendigos, lagartos decadentes,
línguas, temores, Amálias,
pombas, mistérios e contradições
(De Além dos símbolos, 2003)

CAVALINHOS TOSCANOS

Ao carrossel
retornei,
           encantado
com a disciplina dos cavalinhos toscanos.
 Tanto faz montar
o primeiro,
                o segundo,
o quinto ou
                o oitavo,
essas criaturas simétricas
como o tigre experiente.
 O que vale,
Aqui
&
Agora,
além do vento circular,
é o caminho da luz perdida
refeito pelo tempo.
 
Quantas voltas eu dei
só o meu amor saberá.
(De Tríplice viagem ao interior da bota, 2007)
    
O ESCORPIÃO SONOLENTO

(fragmentos)
Os rios não se partem, partem a mim
que  apenas os conheço como afogado
em suas entranhas, sábio ou despido
entre vegetais, oh cobertor marinho
 
O olho não vê a carruagem da morte
que conduz no liquido o corpo azul
Sem rede o prisioneiro laçou o sol
Assim pôde o herói salvar o menino
 
O mergulho é passageiro, uma viagem
ao interior da água  para conquista
da estrela farsante entre  espinhos
 
Na volta o ar não surpreende,soprei
outra vez mantendo  o passo contido
pelo relógio que não  quer as horas
 
 ---------
 
O tesouro é procurado nos centros
das metrópoles, mas é nos infernos
que ele esta, guardado nos altares
que cobrem o rosto do desesperado
 
Não quero as moedas, as espalhadas
pelos errantes círculos, as doidas
construtoras,as pesadas, as fartas
que na cor já  revelaram os tempos
 
No bolso ha o estranho ritmo, sede
do ouro; nem se quisesse o demônio
ele saltaria  para o viciado corpo
 
Faca é de prata,  a morte vale mais
assim, mais respeitada, pois morrer
é bom se  presente a nobre  matéria
 (De Nos Limites do Fogo, 2003)
 
O QUE ME RESTA
 Resta-me o tambor.
Aonde foram parar
os outros instrumentos?
 
Se no couro bato,
bato até doer
o que nos dedos resta.
 
E agora, Senhor,
por que diante do altar
ainda minto?
(De Sob a Faca Giratória, 2010)
 
NÃO SÓ O CORPO PRENDI
Nas raízes dos sonhos,
não só o corpo prendi.
Também minh´alma, em quatro
separada comos as Estações de Vivaldi.
 
Nas raízes dos sonhos,
não só o corpo prendi.
Também o desejo, como o dos pardais
nas rendas do amanhecer.
 
E nelas por favor
não me enforque
com esses fios quase invisíveis.
(De Sob a Faca Giratória, 2010)

ANTÍDOTO
No bebedouro a serpente
com seu beijo envenenava
toda a água corrente
que dele então brotava 

Os animais o chamaram
para o líquido sujo beber
E se o Unicórnio invocaram
é porque queriam viver
 
Ele anula o veneno
ao entrar na fonte impura,
transformando-o a gole pleno
novamente em água pura
(De Em Forma de Chama, Variações sobre o Unicórnio, 2005)
 
 
PERDIÇÃO    
Perco-me na selva doce 
desses pêlos. 
E se me perco, 
levito 
entre um gozo e outro. 
Vê-la, 
revê-la, 
muda caverna 
que às vezes canta. 
 (De Pantera em Movimento, breves poemas de muito amor,2006)


Publicado por Rubens Jardim em 19/09/2010 às 11h44
 
13/09/2010 13h01
Bic na Escola Itapoã. Turiba, Amneres e Nicolas na Classe do Torto. E Angélica Torres, Amneres ,Bic e atrás Nicolas, Cre
POETAS DE BRASÍLIA VÃO AO LAGO SUL DECLAMAR. MAS NA PLATÉIA NÃO ESTARÃO NEM OS RICOS, NEM OS ABASTADOS. A PALAVRA POÉTICA ESTARÁ VOLTADA AOS CARENTES E AOS NECESSITADOS.

O DF e seus contrastes surreais: quem pensaria que em pleno Lago Sul, bairro burguês de Brasília, uma congregação de apenas sete freiras vive e mantém, sem apoio financeiro sistemático oficial, uma entidade socioeducativa voltada à complementação da formação de filhas de empregadas domésticas que trabalham na região? Ao procurarem uma escola da periferia para adotar como voluntárias e saberem da existência do projeto do Instituto N.Sª da Piedade (INSP), as poetas Angélica Torres Lima e Cristiane Sobral não hesitaram: adotaram a instituição e lá irão se apresentar em recital, pela primeira vez, amanhã, às 15h, para as turmas de crianças da 3ª e da 4ª séries.

Partiu do grupo OiPoema essa inédita contraproposta ao Fundo de Arte e Cultura de atuação voluntária em prol de escolas de regiões carentes (ou de instituição carente em região abastada), pelo apoio à publicação de seus novos livros, a serem lançados no próximo dia 28.09, sob o selo da Coleção OiPoema. Cada um dos integrantes, Luís Turiba, Nicolas Behr, Amneres, Bic Prado, Cristiane Sobral e Angélica Torres Lima, adotou uma instituição para promoverem recitais, doação de livros, oficinas de poesia, com os alunos. Luís Turiba, coordenador do OiPoema, advoga que é mais importante ajudar na formação de carentes do que ser presidente, "porque a educação desvia as crianças da rota do tráfico e da prostituição". No recital de amanhã, além de leitura e performance de poemas, Angélica e Cristiane vão conversar e propor dinâmicas sobre a matéria poética com as alunas, que têm entre nove e 11 anos de idade.
 “Ficamos muito felizes de saber que o Instituto N.Sª da Piedade será presenteado com o projeto de poesia de vocês, que enriquece a Instituição e as crianças ao participarem do mesmo”, reagiu a diretora ao saber da proposta. Irmã Conceição Oliveira quer, no entanto, a participação de todo o grupo no trabalho educativo do INSP, que mantém hoje 130 crianças, conta com o apoio assistemático de 20 voluntários e tem sido amparado por pessoas da comunidade do Lago Sul e filantropicamente pelo Movimento Maria Cláudia Pela Paz, por iniciativa da pedagoga Cristina Del’Isola.
Com a tragédia do assassinato da filha Maria Cláudia, Cristina Del’Isola sustentou-se nas ações beneficentes do Movimento, entre elas o apoio, via promoção de feiras, quermesses e brechós, em favor do belo Instituto, instalado há 48 anos na chácara 7 da QI 5 do Lago Sul, e mantido a duras penas pelas Irmãs Auxiliares N.Sª da Piedade. No final do ano passado iniciaram-se as obras de recuperação das instalações do Instituto e em maio foi inaugurada a biblioteca, que contou com doações de livros por parte de integrantes e simpatizantes do Movimento da família Del’Isola, entre eles, diversos escritores e artistas da cidade.
O recital poético da também atriz e professora Cristiane Sobral e da jornalista Angélica Torres Lima será realizado no espaço que recebeu o nome de Biblioteca Maria Cláudia, em homenagem à jovem de 22 anos, imolada pelo caseiro da família por manobra maquiavélica da empregada da casa. Cristina Del’Isola tem, portanto, forte motivo para apoiar a oferta de boa formação a filhas de domésticas pelo INSP, e o grupo OiPoema se dispõe a colaborar com a iniciativa.


Publicado por Rubens Jardim em 13/09/2010 às 13h01
 
31/08/2010 19h48
AUTORES BRASILEIROS NA MIRA DOS ANALISTAS JUNGUIANOS

NO GRANDE SERTÃO RECRIADO POR GUIMARÃES ROSA, QUASE NÃO HÁ ESPAÇO PARA O FEMININO. É NESSE UNIVERSO, DOMINADO POR HOMENS E POR VALORES MASCULINOS, QUE O PAPEL DAS MULHERES FOI DESTACADO POR ÁUREA ROITMAN

A Casa das Rosas realizou no último sábado, dia 28, o II Simpósio do IJUSP - Jung e a Literatura Brasileira. No  encontro, que reuniu membros do Instituto Junguiano de São Paulo e pessoas interessadas, foram abordadas questões relacionadas aos trabalhos literários do Padre Antonio Vieira, poetas Manuel Botelho Gregório Mattos, Adélia Prado, Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Cora Coralina e Manuel Bandeira.
Cada um desses autores teve algum aspecto de sua obra vasculhada pelos analistas junguianos. Vieira foi esmiuçado por Glauco Ulson que destacou aspectos da sua contribuição na formação da alma brasileira. Manuel Botelho e Gregório de Mattos foram analisados por Rubens BragarnichAdélia Prado foi examinada por Angela Nacácio que pesquisou sua obra e apresentou interessantes recortes de seus textos dentro da perpectiva junguiana. Guimarães Rosa foi o autor escolhido por Áurea Pinheiro Roitman para sua apresentação de retratos femininos do Grande Sertão:Veredas.
Seguiram-se, depois, as abordagens feitas por Carmem Marquez, Durval Faria e Renata Whitaker sobre Clarice Lispector. E, por fim, Dulce Brizza tratou de Cora Coralina, enquanto Ricardo Pires de Souza e Irene Gaeta debruçaram-se sobre Jung e os poetas brasileiros e Gustavo Barcellos ocupou-se de Manuel Bandeira e a transfiguração do mau destino.
Destaco a abordagem feita por Áurea sobre as imagens do feminino em Grande Sertão: Veredas, por uma razão muito simples: Guimarães Rosa é um de meus autores preferidos e Grande Sertão:Veredas é uma das obras mais densas e de maior complexidade artesanal jamais produzida no mundo das letras. Mais ainda: o escritor mineiro foi um alquimista da palavra e manteve sua narrativa encharcada por elementos metafísicos, religiosos e inconscientes.
Ele mesmo confessa isso em suas cartas enviadas ao tradutor italiano Edoardo Bizarri.
(...) os meus livros, em essência, são 'anti-intelectuais' – defendem o altíssimo primado da intuição, da revelação, da inspiração sobre o bruxolear presunçoso da inteligência reflexiva, da razão, da megera cartesiana. Quero ficar com o Tao, com os Vedas e Upaxinades, com os Evangelistas e São Paulo, com Platão, com Plotino, com Bergson, com Berdiaeff – com Cristo, principalmente.
Por essas afirmações, é possível perceber o grau de intensidade com que Rosa lidava com a dimensão do intangível. Mas voltando ao trabalho de Aurea, o que nos chamou a atenção foi ela ter vislumbrado o papel das mulheres na obra e a sua influência na trajetória de Riobaldo. Mas vejamos alguns pontos:
Eu lhes proponho acompanhar  estas figuras do feminino e  suas  estórias , que  se  revelam  no  cerrado sob o sol  inclemente e nos redemoinhos  das encruzilhadas . Estórias que evocam o imaginário coletivo desvelando paixões, ódios, suspeitas e alegrias , numa trama urdida com tal intensidade que nos sentimos  completamente  envolvidos na travessia de Riobaldo ao ouvi-lo contar as suas reminiscências de um  reino  perdido . É  neste  zigue-zaguear , alinhavando uma  reflexão  profunda de sua errância no Sertão, que o ex-jagunço revela aquilo que chamamos o seu “ processo de individuação“ .
Após essa introdução, Aurea se debruça sobre as personagens femininas que aparecem no Grande Sertão: Maria Leôncia,  Nhorinhá, Otacília-- e Diadorim. Maria Leôncia,a rezadeira, é a primeira presença feminina em GSV. E isso faz a analista perguntar: não seria uma reverência de Guimarães Rosa ao Sagrado e a seus mistérios? Rezadeiras, benzedeiras  e  raizeiras, são portadoras de uma tradição oral antiqüíssima. Segundo a crença popular  elas são protegidas pelos santos e re-afirmam  a  presença deles na vida de todos que as procuram. Elas nos fazem lembrar as divindades protetoras e são, sem dúvida,  portadoras  de uma força numinosa singular. Com  mãos ágeis sustentam pequenos ramos verdes; traçam cruzes  no ar sobre  a  cabeça do doente enquanto murmuram preces. Tecem assim um fio invisível unindo as dores do  homem com a evocação poderosa do Sagrado, na figura da SantíssimaTrindade e do Espírito  Santo.
Segundo Aurea, Guimarães Rosa configura, através de Maria Leôncia, a imagem arquetípica do curador amoroso. E aquela moça,meretriz, por lindo nome Nhorinhá, é a outra personagem que leva a autora a perceber, nas circunstâncas paradoxais do sertão,o fio amoroso comovendo Riobaldo, gerando as suas boas ações e o impedindo do mal.
Nhorinhá é um personagem ao mesmo tempo sagrado e profano. Riobaldo havia se distanciado do  seu bando , o que caracteriza um processo iniciático,  pois embora não tenha se embrenhado numa  floresta,  nem se dirigido ao deserto, como na maioria dos mitos , é aqui mesmo, no Sertão, que  este  processo tem lugar , na “ cabana  iniciática”  de  Nhorinhá .
A  revelação da religiosidade de Nhorinhá surpreende , quando traz nas mãos uma figura de Santa,  para ser beijada . Os  lábios doces  de Nhorinhá beijam o jagunço matador,  Riobaldo Tatarana, cuja  arte é a Guerra. Riobaldo, em sua descida iniciática,  enfrentará “os demônios” que definem os processos de iniciação na trajetória do amadurecimento espiritual .
Não resta dúvida que Riobaldo vive uma paixão por Nhorinhá. Ela lhe inspira, provocando as mais profundas  emoções. Através de Nhorinhá, Riobaldo se afirma como homem. Com Nhorinhá, está  sendo vivida a conjunção do profundamente carnal com a epifania do Sagrado, unindo o sublime ao terreno, o Céu à Terra. Nhorinhá representa, no nosso entender, a imagem arquetípica do Amor Cortês , permanecendo eterno na memória, mas jamais se realizando efetivamente .
A próxima personagem feminina é Otacília, associada ao amor angélico que purifica e salva.
Otacília está para Riobaldo como  Beatriz  para  Dante,  aquela  através  da  qual  os  infernos serão ultrapassados, conduzindo a um estado de serena beatitude.Também, como Beatriz, Otacília oferece a Riobaldo uma proteção sublime. Este amor cura as  muitas feridas de seu grande penar. Com Otacília, frágil e casta em meio à aridez do sertão, Riobaldo re-direciona os seus sonhos e decide deixar o universo paradoxal e provisório das lutas e incertezas.
Otacília oferece estabilidade , fidelidade e afeto constantes além de estar associada a uma atmosfera de religiosidade. O amor deles constela a “coincidentia oppositorum” uma vez que formam um par  antagônico. Não nos  esqueçamos que Riobaldo - jagunço , Riobaldo - Tatarana, o  Urutu- Branco,  tem a natureza vinculada à sua mãe, a índia Bigri  e,  se  unido à meiga e casta Otacília, constela um  amor que indo além da mera sexualidade, busca um sentido transcendente na vida. Otacília nos parece constelar a imagem arquetípica da anima de Riobaldo.

E por fim, no grande sertão recriado por Rosa, dominado pelos homens e pelos valores masculinos, Áurea supera a tríade amorosa de Riobaldo e promove uma série de reflexões sobre Diadorim, personagem que desperta em Riobaldo um amor inexplicável e impossível, que irá se apossar do jagunço como um feitiço, um encanto e que há de perseguí-lo ao longo de toda a travessia.
Com Diadorim adentramos  o terreno da suspeita e do desejo, da lembrança e da  dor,  da epifania e  da  neblina. Diadorim  surge como a grande força iniciática e transformadora . A  própria força do  destino. Intensa. Luminosa. Paradoxal. Riobaldo e Diadorim se encontram, pela  primeira vez, às  margens barrentas do S.Francisco num momento marcado pela magia e encantamento : “o menino  de olhos verdes, grandes.” Juntos fazem a travessia do rio, num espaço sacralizado, do encontro  das águas barrentas do rio S.Francisco com as águas claras do rio  de-Janeiro, num rito iniciático  que separa, para  sempre, Riobaldo do regaço materno da Bigri  e o enlaça, também para sempre , nos enigmáticos  meandros dos olhos verdes do Menino.   
Riobaldo se encanta e se deixa fascinar pelo feminino em Diadorim, cuja sensualidade o lança nas veredas do desejo impossível  e do pesadelo  assombrado. Este amor-natureza, irrompe como magma no seio da terra, inundando, levando consigo tudo. Esse amor  é sentido como “coisa do  demo”. Amor como feitiço,“coisa  feita”. Riobaldo oscila , entre o amor  imaculado de Otacília e o amor condenado, diabólico por Diadorim. Riobaldo se debate junto ao desafio da entrega, entre o “chamado” e o “ recuo “ frente àquela  “beleza  verde” pela qual  se sentia ameaçado. “ Olhos  verdes....das  compridas  pestanas”. O  verde ensombrado de Diadorim significando o que está oculto, envolto em mistério , forte na sua presença,  hipnótico no seu chamado . Não são olhos que permitem que nos espelhemos neles, reconhecendo-nos no outro. Antes, são olhos que pertencem ao absolutamente Outro, que tem aquilo que não temos, que são aquilo que não somos . Estes olhos não espelham, apenas contrastam e atraem com a marca do imprevisível. Diadorim envolve Riobaldo suavemente como a neblina, impedindo-o de ver o que está mais adiante. A neblina, no seu paradoxo, acolhe, protege , e também tolhe, cerceia . Nada em Diadorim é tranqüilo, nem o amor sexual nem o sublime .
Diadorim encantador, apaixonante e apaixonado, andrógino e terrível como os Anjos, infunde em Riobaldo uma paixão equívoca,  próxima do estado de encantamento atribuído ao Maligno. Em Diadorim se  constela o paradoxo da ternura materna e o arrebatamento vulcânico do erotismo, que  tomando Riobaldo num redemoinho de afetos, o fazem “ viver os seus avessos” . Enquanto refém destes sentimentos, ele jamais  consegue romper as águas caudalosas destes amores . Ele permanece à margem, perplexo  no  impasse,  no paradoxo  .    
Para Áurea, Diadorim representa a imagem arquetípica do grande amor.
 


Publicado por Rubens Jardim em 31/08/2010 às 19h48



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