Rubens Jardim

A poesia é uma necessidade concreta de todo ser humano.

Meu Diário
17/08/2010 14h39
não quero apenas escrever, mas ser o que escrevo. a poesia é a minha religião.
UMA POESIA FEITA DE PARADOXOS, TAPAS E BEIJOS ENTRE OPOSTOS.
EIS WALDO MOTTA, UM POETA MÍSTICO, ESCRACHADO, APOCALÍPTICO
Conheci o poeta Waldo Motta no 1º Encontro Literário de São Mateus, realizado em fins do mês de julho. Não foi preciso nem apresentação: algumas palavras foram suficientes para saber que dividíamos o mesmo entendimento a respeito de poetas e de poesia. Em suma, esse encontro teve muito mais um viés de reencontro.
Waldo Motta acha, por exemplo, que não se faz poesia com micagens e joguinhos verbais.“A poesia é a minha sacrossanta escritura, cruzada evangélica que deflagro deste púlpito. Só ela me salvará da goela do abismo. Já não digo como ponte que me religue a algum distante céu, mas como pinguela mesmo, elo entre alheios eus”
Embora tenha feito essa profissão de fé no poema Religião, uma espécie de auto retrato, Waldo Motta foi considerado um poeta desbocado, erótico-místico e obsceno. Segundo ele, por ter sempre misturado palavras difíceis e eruditas com palavras sujas, enlameadas e gosmentas. E por nunca ter negado a sua condição de homossexual, apesar de recusar o rótulo de autor gay.
“Minha poesia é uma síntese de meu projeto de vida, uma aventura em busca da Verdade, intuída como a ciência da restauração da condição divina (...). Não quero apenas escrever, mas também ser o que escrevo. Daí o entusiasmo e o tom solene, porque é algo sério; daí o caráter pregacional, mesmo que o meu discurso esteja ainda em construção.”
Autor de mais de uma dezena de livros de poemas publicados desde 1980, Waldo Motta ganhou notoriedade a partir da publicação de Bundo e outros poemas (1996), seu nono livro, publicado pela Editora da Unicamp, de Campinas. Foi aí que a irreverência do poeta capixaba atraiu a atenção da crítica e de diversos figurões das letras brasileiras.
Desde Bundo e outros poemas, rasgo os véus simbólicos, arranco a calcinha e a cueca de metáforas, alegorias, arquétipos e que tais, e mostro o que é o inefável, o sublime, o sagrado, a coisa etc. E faço tudo isso experimentando as mais variadas formas artísticas, e todos os registros, estilos, sem preconceito.
Esse livro mereceu artigos, resenhas e textos de pessoas como Ítalo Moriconi, Massao Ohno, Roberto Schwarz, Zé Celso Martinez Correa, João Silvério Trevisan, Lúcia Sá, Ricardo Aleixo, Jaguar, Fábio de Souza Andrade, José Carlos Barcellos, Célia Pedrosa, Candace Slater, Gilmar de Carvalho, Iumma Maria Simon e Gwen Kirkpatrick.
Mas vamos ao que caracteriza o trabalho poético desse sodomita místico do Espírito Santo-- termo empregado por Ítalo Moriconi. Antes de tudo é preciso destacar uma originalidade radical, transgressora, quase sem precedentes.Sua voz surpreende tanto pela articulação entre o erotismo e o sagrado, como pelo tratamento dado a opressão social, racial e sexual.
Tudo isso, aliado a uma riqueza e variedade formais, raras hoje em dia, revelam  um poeta audacioso, com dicção muito própria, que não deixa de ser lírico e inventivo. E que mesmo desconfiando de tudo, inclusive de mim, não para de ler e escrever em busca da palavra precisa e do apuramento expressivo e espiritual.
Sem fazer nenhum tipo de concessão, Waldo Motta acredita que o papel da poesia é desvelar a coisa, dizer o que não se diz, ensinar, orientar, ser a mensagem da salvação. Claro que isso pode soar antiquado e desatualizado. Mas como já disse o poeta Ferreira Gullar, escrever poesia é estar de mãos dadas com a humanidade, com a fraternidade, com o carinho, com a solidariedade.
Ou como disse o próprio Waldo em um poema: descobri em meu corpo a réplica do universo, o umbigo do ubíquo. No âmago do abismo encontrei o bem e o mal em comunhão. E nunca mais fiz perguntas.

Com a palavra o poeta:

O LABOR DISCRETO
As coisas não mudam assim
da noite para o dia, céleres.
Por isso, perdi a flama
que fazia de meus versos
uma tocha iracunda.
porque no final das contas
o importante é ter mudado
um pouco de mim, ao menos.
O cupim, no anonimato,
rói as vértebras deste tempo.
 
MOR ULTIMA RATIO
e não há razões para babaquices
metafísicas em cabeça a prêmio.
antes que se consuma a sentença
que se consuma a vida.
e que a morte seja humilde faxineira
 a recolher somente a sucata,
 o bagaço do que fomos, só os restos
da festa que se fez da vida inteira.

OBSESSÃO
Não posso esconder:
- Deus é um troço
que me incomoda,
inseto algures
na noite em claro,
inquieta pulga
que me passeia
fazendo cócegas.
Deus me aflige
como doença
que progredisse
secretamente.
Deus é um bicho
de estimação.
se o escorraço,
Deus me perdoa
e volta, à-toa.

ODE À IDA AO ID
Hás
 
 
 
 
de
 

 
 
 
ir
 
 
 
 
ao
 
 
 
 
Id
 
 
Hás
 
 
 
 
de
 
 
 
 
ir
 
 
 
 
ao
 
 
 
 
Hades
 
 
Hás
 
 
 
 
de
 
 
 
 
apegar
 
 
 
 
-te a
 
 
 
 
toda e qualquer
 
 
 
 
merda
 
 
 
 
neste
 
 
 
 
mar de
 
 
Hás de enfrentar
 
 
 
 
a nado
 
 
 
 
o nada
 
 
para enfim dar
 
 
 
 
a Lugarnenhum
 
 
 
 
 
Hás de ir ao Id,
hás de ir ao Hades,
apesar de Cérbero
a tudo atento
com seus mil ouvidos
e olhos cibernéticos,
apesar de toda a
hiperinfernália
de ritmos pânicos,
sabores e odores
e cores e sons
alucifeéricos
do Leviatan.
Hás de ir ao Id,
hás de ir ao Hades,
derrotar Satan
e as potestades.
 
 
AS BRINCADEIRAS SÉRIAS
Por amor, sou aio e amo 
De quem amo, e persigo,
 Me abomino na lama,
 Enfrento qualquer perigo.
 Se amo mesmo quem amo
 Sou meu próprio inimigo. 
 Pois matei o que morreu
 Em mim ao me dar sem dó
 À mó que moeu meu eu.
Só pode amar quem moeu 
Seu eu na amorosa mó 
E desse pó renasceu.
LIMIAR
 
 
As casas cochilam
ao longo da rua.
Silente e corcunda,
caminho a esmo.
Nos lábios da brisa,
surradas palavras
de encorajamento
que só me azucrinam
meus fudidos nervos.
Galos se esgoelam
que nem camelôs
da Vila Rubim
prescrevendo o ópio
das velhas manhãs.
Mas remédio algum
me cura de mim.
Recorte de sobra,
varo a madrugada.
Nada me consola
de ser miserável.
No entanto, algo,
algo inelutável
e indescritível
reboca meu corpo
rumo a mais um dia.

RUMO AO PARAÍSO

Milênios e milênios de luta
pela sobrevivência entre as espécies,
fizeram-nos assim tão animais
entre os nossos iguais, filhos da puta,
traidores, escrotos e que tais.
Deixai brincar as feras todas, presas
do primitivo instinto assassino.
Deixai brincar as feras, que o menino
nos conduza nos atos e palavras.
Retornemos, agora, ao paraíso
na plena comunhão dos animais.
Jamais exista algo de mais puro
do que nós dois juntinhos, de pau duro.
 
 

Publicado por Rubens Jardim em 17/08/2010 às 14h39
 
08/08/2010 20h07
O AMOR E A POESIA SÃO AS ÚLTIMAS TRINCHEIRAS CONTRA A ANESTESIA GERAL DAS CONSCIÊNCIAS E A DOMESTICAÇÃO
Ainda que pouca gente saiba, o amor e a poesia são as últimas trincheiras contra a mercantilização de tudo –inclusive das pessoas. Mas não é fácil visualizar com clareza essa questão. Afinal, existe toda uma orquestração que procura disfarçar o aspecto revolucionário do amor e da poesia.  E não adianta dizer que o amor é pros trouxas e pros otários e o sexo é pros espertos.
É preciso não esquecer que o amor proporciona um contato revitalizador entre as pessoas, potencialmente transformador, já que os apaixonados são desobedientes e menos susceptíveis às barganhas e às propostas de renúncia da liberdade em troca de segurança. Os apaixonados estão na chuva pra se molhar , pois o amor potencializa os amantes para a rebeldia e para a criação.
É nessa direção que o livro de André Gorz, Carta a D, História de um amor , abre um hiato, restabelecendo essa vibração afetiva, incontida, desmesurada. Algo que nos faz lembrar de Tristão e Isolda, matriz das histórias de amor em que os apaixonados se amam loucamente e morrem de amar, contra tudo e todos, contra o mundo.
O livro abre com estas palavras: você está para fazer oitenta e dois anos. Encolheu seis centímetros, não pesa mais do que quarenta e cinco quilos e continua bela, graciosa e desejável. Já faz cinqüenta e oito anos que vivemos juntos, e eu amo você mais do que nunca. De novo, carrego no fundo do meu peito um vazio devorador que somente o calor do seu corpo contra o meu é capaz de preencher.
Confesso jamais ter lido algo semelhante em toda a minha vida. Fiquei literalmente de ponta cabeça. Imediatamente lembrei de Alvaro de Campos(um dos heterônimos do Pessoa) ironizando: Todas as cartas de amor são ridículas. Não seriam cartas de amor se não fossem ridículas. Lembrei, também, do deplorável lugar reservado aos velhos em um mundo regido pelos princípios de eficiência, competência e disponibilidade para a diversão.
Desfilaram pela minha cabeça certas noções indissociáveis da velhice: doenças, 
solidão, desânimo, dependência, asilo, preconceito--e o banco preferencial no ônibus
. Mas os idosos, embora relegados, marginalizados e acusados de não entenderem nada, nao são refratários ao amor. E já foi provado:  não se verifica na velhice a suposta desistência da vida sexual e amorosa, pois  essas energias são pulsionais e, portanto, inesgotáveis.
Claro que uma declaração de amor aos 80 anos só pode provocar estranheza, admiração, perplexidade. Na verdade, fiquei estupefacto, encantado –e muito, muito emocionado.
O imperdível Carta a D, História de um amor, é o último livro de André Gorz(2006). Antes dele, nos anos de repressão da ditadura militar brasileira, quando a polícia fazia a devassa de materiais subversivos, ter na estante um livro de Gorz era considerado delito especial, que merecia pena especial -- conforme depoimento de Ecléa Bosi.
Mas vamos situar melhor este autor que sempre esteve envolvido com temas relevantes da teoria social e da política contemporânea. André Gorz foi filósofo, discípulo e amigo de Sartre, e atuou como jornalista em Le Temps Modernes e Le Nouvel Observateur. Foi considerado um dos principais inspiradores do movimento de Maio de 68 na França. E já nos anos 70 escreveu três livros e diversos artigos que se tornaram referência para os movimentos ecológicos. Isso sem falar da campanha que fez contra as usinas nucleares.
Apesar de tudo isso, do engajamento ideológico, da fama mundial e das proposições de políticas públicas que apontam uma solução radical para a crise social atual, André Gorz confessou desejar a morte dessa sociedade que agoniza para que uma outra  possa nascer de suas cinzas. Textualmente diz: é preciso aprender a enxergar , por detrás das resistências, das disfunções, dos impasses de que é feito o presente, os contornos de uma outra sociedade.
Voltando ao livro, Carta a D, História de um amor , veja o que o André Gorz diz: você foi a primeira mulher que consegui amar de corpo e alma, com quem eu me sentia em ressonância profunda: meu primeiro amor verdadeiro, para dizer tudo. Se eu fosse incapaz de amá-la de verdade, nunca poderia amar ninguém. Encontrei palavras que nunca soubera pronunciar: palavras para lhe dizer que eu queria que permanecêssemos juntos para sempre...
Não estávamos unidos apenas em nossa vida privada, mas também por uma atividade comum, na esfera pública...
Na primavera de 1950, quando os Citoyens du Monde me deixaram desempregado, você me disse, de maneira bem simples: A gente vai conseguir se virar sem eles. E, depois disso, encarou quase alegremente um longuíssimo ano de dureza. Você era o rochedo sobre o qual nós dois, nossa união podia ser construída...
Nosso espaço de vida em comum nunca tinha sido tão ampliado como passou a ser a partir da minha entrada nessa revista. Nós éramos complementares. Nós tínhamos , eu e você, adquirido a fama de inseparáveis obsessivamente dedicados um ao outro como escreveria Jean Daniel mais tarde.
Pra finalizar é necessário dizer que em torno da casa onde queria envelhecer com Dorine, Gorz plantou duzentas árvores. Aquela casa era mágica. Na primeira noite, nós  não dormimos. Um escutava a respiração do outro. Depois um rouxinol se pôs a cantar, e um segundo, mais longe, a lhe responder.
Tudo indicava uma velhice serena para os dois lutadores apaixonados. Mas uma doença, contraída por Dorine, atrapalha todos os planos e eles vivem anos a fio procurando vencer essa batalha. Gorz deixa o jornalismo, aprende a cozinhar e cuidar da casa. E em 22 de setembro de 2007, o suicídio de André Gorz e Dorine confirma que ele não seria capaz de viver um segundo sequer sem a presença dela.
 
 

Publicado por Rubens Jardim em 08/08/2010 às 20h07
 
02/08/2010 11h31
Vista geral do encontro,Josmari, Francisco, Affonso Romano, Jardim, Luiz Costa e Waldo Motta
SÓ A LEITURA MELHORA A SOCIEDADE.O VERDADEIRO PRÉ-SAL É A CULTURA.PALAVRAS DO AFFONSO ROMANO NA ABERTURA DO 1º ENCONTRO LLITERÁRIO DE SÃO MATEUS, NO ESPÍRITO SANTO

O 1° Encontro Literário de São Mateus, Elisama, que aconteceu na semana passada, dias 26 a 29 de julho, no SESC, Centro de Atividades Mesquita Neto, recebeu varios autores capixabas e de outros Estados, além de um bom público que pode adquirir obras autografadas e conhecer os escritores. Ao todo, foram 14 lançamentos de livros.
Na segunda-feira, (dia 26), o evento recebeu a visita do poeta Affonso Romano de Sant’Anna que autografou seu livro QUE PAIS É ESTE,  publicado há trinta anos e que chega agora na 6ª edição –coisa rara nestas bandas onde os livros agonizam em três meses. Após o lançamento, o poeta proferiu palestra abordando questões relativas a arte de ler e o estímulo à imaginação
Affonso Romano sustentou que só a leitura melhora a sociedade. Leitura não é só leitura. É mais. É um processo de transformação. E acrescentou que petróleo não significa necessariamente riqueza e cultura. Quase sempre é dinheiro na mão de meia dúzia de pessoas. E citou exemplos de países ricos e desenvovidos que não possuem jazidas de petróleo, casos de Japão e Alemanha. E lamentou que há muitos países produtores do ouro negro que vivem na miséria.
E disse mais: verdadeiro pré-sal é a cultura. Não existe pais desenvolvido que não tenha investido na cultura.Enquanto o Brasil luta para ter uma biblioteca pública em cada município, a Suécia possui uma biblioteca em cada bairro. E elogiou o atual programa do governo federal --os mediadores de cultura--que atuam montados em bicicletas carregando consigo pequenas bibliotecas móveis.
No dia seguinte, (27), foi a vez da escritora capixaba Josmari Araújo dos Santos, muito conhecida por trabalhos voltados para deficientes auditivos e visuais. Josmari, que tem cinco livros publicados, foi à única escritora da última edição da Bienal Capixaba do Livro, em Vitória, e da Bienal Rubem Braga, em Cachoeiro de Itapemirim, a lançar obras em braile e libras.
Já na quarta-feira, (28), a palestra de abertura foi com o presidente da Academia Espírito Santense de Letras, Francisco Aurélio Ribeiro, que iniciou o dia traçando um passeio pela literatura capixaba. Apontou os principais autores como Elisa Lucinda, Waldo Motta, Viviane Mosé, Reinaldo Santos Neves e Bernadete Lyra e fez uma advertência: talvez existam hoje mais pessoas produzindo do que lendo. Há uma grande dversidade e uma grande produção, mas há pouca circulação porque esse material não circula. Será que um poeta lê o livro de outro poeta?   
Mais tarde, quem conduziu o público em uma incursão pela poesia foi o escritor mateense Waldo Motta, excelente poeta autor de Transpaixão, livro lançado em 2008, que já foi contemplado com bolsa na Alemanha e participou do programa literário writer-in-residence na Universidade da Califórnia. Poeta, escritor, dramaturgo e um monte de coisas que não poderia enumerar, Waldo Motta é daqueles poetas radicais que acreditam piamente no poder transformador da palavra poética. E disse entre outras coisas que só com micagens e joquinhos verbais não temos poesia, mas tão somente poema, simples artefato, coisa.  
Na quinta-feira, (29), data de encerramento do Encontro, foi a vez dos lançamentos de livros de Beatriz Barbosa de Aguiar, Menina do Cricaré: Folhas Soltas ao Vento; de Salomão da Silva Pinto, Sedutora Paixão; e de Rubens Jardim, Cantares da Paixão. O encontro foi encerrado com uma palestra que abordou a questão da poesia como fator de transformação social.
Incumbido dessa tarefa, o poeta Rubens Jardim, que fez parte da Catequese Poética, movimento pioneiro que trouxe a poesia e a arte para as ruas, praças e espaços públicos nos anos 60, afirmou que não dá para ignorar que a palavra está associada à vida, à experiência, à vivência e à convivência. E não se esqueçam que a palavra é um objeto perigoso que pode induzir à subversão e ao encantamento. Acho que poesia é mesmo a mais terrível inocência e quem sabe, a mais temível curiosidade. Algo que nos remete sempre ao inaugural e ao desconcertante.
Segundo uma das organizadores do evento, Beatriz Barbosa Pirola, no próximo ano, São Mateus vai contar novamente com o Elisama. “Está sendo uma grande satisfação ajudar a proporcionar cultura para o nosso município. Queremos resgatar a literatura da nossa cidade e assim criar quem sabe, novos escritores”.
O 1º Encontro Literário de São Mateus foi uma realização da prefeitura de São Mateus, através da Secretaria de Cultura e da Biblioteca Municipal.

Publicado por Rubens Jardim em 02/08/2010 às 11h31
 
10/07/2010 19h35
ROBERTO PIVA: O POETA QUE JOGOU TODAS AS FICHAS NA POESIA !
Não me lembro quem falou isso, mas cada poeta, vivo ou morto, é inigualável. E Roberto Piva, um dos mais radicais e rebeldes poetas da minha geração, foi o mais flagrante exemplo disso. Exilado em sua própria pátria, sua poesia sempre foi vulcânica, magmática –percorrendo o inframundo, as florestas, os mares, as montanhas e os céus. Mas foi em São Paulo, nessa paulicéia desvairada, que ele nasceu, cresceu, viveu  e publicou seus poemas.
“Em todos os meus escritos procurei, de uma forma blasfematória, ou numa contemplação além do bem & do mal a La Nietzsche, explicitar minha revolta & ajudar muitos a superar esta Tristeza Bíblica de todos nós, absortos num Paraíso Desumanizado, reprimido aqui & agora.”
Piva dizia que “qualquer metrópole não passa de uma necrópole”  e que “é impossível ter inspiração nesta merda de cidade”. No entanto, seu livro primeiro livro, Paranóia,(1963) além de uma estréia explosiva que quebrou uma porção de paradigmas, é uma celebração da cidade de São Paulo dos anos sessenta: os bares da av. São Luís, o Parque Shanghai, o Jardim da Luz, av. Rio Branco, a Praça da República.
De São Paulo, tudo o que eu quero é que a onça pintada volte a andar pela avenida São João” É com essa visão original que encharca seus versos que ele restabelece o signo de liberdade e de transgressão. Para Piva, muito mais que um instrumento, a linguagem era uma paixão. Muito mais que um propósito de comunicação, a poesia era uma fonte inesgotável de conhecimento, de revelação, de jogo e tragédia.
Nenhum dos poetas da chamada geração de 60 assumiu com tanta coragem as contradições e os conflitos da nossa época. Piva era monarquista e reacionário e se achava um bárbaro, uma força arcaica. Não admitia sininhos no pescoço e transitava na contramão de tudo: família, igreja, estado, sociedade, moral, etc.
Segundo suas próprias palavras, “não sou um homem normal, isto é, um racista, um colonialista.” E advertia com seu ar de autêntico poeta maldito: ” os poetas brasileiros têm de deixar de ser broxas para serem bruxos”.
Acreditava na inspiração e um dos motes de sua atitude transgressiva era este:" só acredito em poeta experimental que tenha vida experimental”. Piva repudiava a pilatização, essa constante cerimônia de lavar as mãos. Ele tinha um compromisso radical com a vida. E sempre esteve empenhado em destruir tudo aquilo que impede o homem de viver plenamente a condição humana.
Ele queria “a destruição de tudo que é frágil: cristãos fábricas palácios juízes patrões e operários.”
E manteve a postura de rebelde mesmo dentro do hospital. Segundo um amigo, “há dez dias, ele tentou fugir do hospital. Arrancou as sondas, estava bravo e queria sair fora. Ele detestava hospital, achava que era tudo magia negra.”
 
Piva morreu na tarde de sábado, dia 3 de julho, de falência múltipla dos órgãos. Estava internado no InCor (Instituto do Coração), em São Paulo, desde o dia 13 de maio. O poeta sofria de mal de Parkinson há cerca de dez anos e descobriu um câncer na próstata, em metástase, durante a internação.

Selecionei alguns versos para que os  leitores possam avaliar as imagens delirantes, a irreverência e a virulência crítica de sua poesia. E não se esqueçam que boa parte destes versos foram escritos e publicados nos anos 60. 
 
“a epopéia do amor começa na cama com os lençóis desarrumados feito um campo de batalha”
“este é o banquete do poeta sempre querendo penetrar no caroço da verdade”
“mestre Murilo Mendes tua poesia são os sapatos de abóboras que eu calço nestes dias de verão”
“vou incinerar teu coração de carne & de tuas cinzas vou fabricar a substância enlouquecida das cartas de amor”
“abandonar tudo. Conhecer praias, amores novos. Poesia em cascatas floridas”
“todo trabalhador é escravo. Toda autoridade é cômica.”
“sou um navio lançado ao alto-mar das futuras combinações”
O arco-íris é o colar do feiticeiro”
“poesia é desatino abrindo a noite ao excesso do dia”
‘amo os garotos que cospem o sangue das amoras”
“que você conheça esse relógio sem nuvens chamado morte”
“anjos de Rilke dando o cu nos mictórios”
"Praça da república dos meus sonhos onde tudo se fez febre e pombas crucificadas
“os telefones anunciam a dissolução de todas as coisas”
 “as senhoras católicas são piedosas,os comunistas são piedosos, os comerciantes são piedosos, so eu não sou piedoso”
“como teus olhos crescem na paisagem Jorge de Lima e como tua boca palpita nos boulevares oxidados pela névoa”
“teu nome deve estar como um talismã nos lábios de todos os meninos”
“eu queria ser um anjo de Piero della Francesca
Beatriz esfaqueada num beco escuro
Dante tocando piano ao crepúsculo”

 
“basta de poesia ou religião que não conduza ao êxtase”

“eu sou a pomba-gira do absoluto”

ONDE ACESSAR TEXTOS E VÍDEOS SOBRE ROBERTO PIVA


TriploV
Cronópios
Germina Literatura
Revista Zunái
Sempre um papo
Unisex
You Tube
Jornal de Poesia
Revista Agulha


Publicado por Rubens Jardim em 10/07/2010 às 19h35
 
12/06/2010 19h34
No lançamento de meu livro,Cantares da Paixão, eu, Zuleika, Eunice Arruda, Massao e Álvaro Alves de Faria
MORREU O MAIS IMPORTANTE EDITOR DE POESIA DO BRASIL

Músicos, poetas, pintores, artistas, no geral e no particular, insurgi-vos! O mundo não é apenas um vasto circo de variedades, de consumo frenético. Viver é um ato prodigioso, uma dádiva a ser desfrutada, segundo a segundo, até a finitude." (Massao Ohno (1936-2010) ´

Todos nós –ex-jovens poetas dos anos 60 –estamos de luto. Morreu na madrugada de sexta para sábado, de câncer do pulmão, aos 74 anos, Massao Ohno, o editor de poesia, responsável pelo aparecimento de uma porção de autores desconhecidos, que ocupam hoje, lugar de destaque dentro da poesia contemporânea do Brasil.
Nomes como Lindolf Bell , Álvaro Alves de Faria, Paulo Marcos del Greco, Roberto Piva, Claudio Willer, Renata Pallottini, Carlos Felipe Moisés, Eduardo Alves da Costa, Hilda Hilst, Celso Luiz Paulini, Carlos Vogt e muitos outros não existiriam sem a colaboração e a paixão deste guru-zen, chamado também de editor da esperança.
Sem Massao Ohno a poesia novíssima não se teria editado, como não teria vindo à luz, pode-se dizer, grande parte da produção inicial dos jovens poetas de São Paulo nos últimos 30 anos", afirma o poeta Antonio Fernando De Franceschi.
Trabalhador do invisível, luminoso nissei, esbelto que, nas horas vagas, seduzia as poetas da nossa juven­tude, bebedor de uísque e filósofo oriental, escreve Renata Pallottini.
 Para Carlos Vogt, é talvez o maior editor desorganizado que melhor contribuiu para orga­nizar a poesia brasileira jovem durante pelo menos três décadas”.
E até o grande amante dos livros, José Mindlin assina e dá fé, com sua experiência de empresário:ele terá sido um dos poucos que, ao decidir uma edição, não levava em conta se ela seria vendável ou não. (…) Sua obra editorial, no entanto, permanecerá”.
E o poeta Cláudio Willer diz mesmo, até hoje: Não sei como teria saído o meu livro Anotações para o apocalipse, em 1964, se não fosse a iniciativa dele.
Já o poeta Álvaro Alves de Faria acha que só é possível falar de Massao na linguagem da poesia: é um poeta dos livros, um monge que dedi­cou sua vida a isto. Publicou a Antologia dos novíssimos, em 1960, na velha prensa da rua Vergueiro. Ele está aí nesse meio como um Dom Quixote a combater a miséria de um tempo feito quase só de angús­tias.
Infelizmente não há um catálogo de tudo que ele editou, algo que já se faz necessário para que as novas gerações saibam quantos novos autores foram editados por esse construtor que, se não construiu catedrais, deixou ao menos inúmeros castelos, diz outro editor, Plinio Martins Filho.
Apreciador de Jorge de Lima, João Cabral e Cecília Meirelles cultivou também os espanhóis do chamado século de ouro (passagem do XVI para o XVII), dominado por nomes como Cervantes, Lope de Vega e Góngora. Foi ouvinte devoto de Mo­zart, Bach e Beethoven, além de jazz, que é o supra-sumo da criação. Por isso sabia do que estava falando quando exigia rigor dos seus edita­dos, orientando-os no sentido de melhorar os textos. “Alguns deixei quase perfeitos”, orgulha-se.
Casado cin­co vezes, teve quatro filhos e sete netos. Militou na AP (Ação Popular), mais no plano das idéias do que no prático, foi mui­to vigiado-- mas não chegou a ser preso. Massao começou editando apostilas e livros didáticos em meados dos anos 50. Mas logo descobriu que a sua vocação era outra: editar poesia –e com grande apuro gráfico. Para isso convocou os amigos, Manabu Mabe, Ciro del Nero e Tide Hellmeister que logo passaram a colaborar nos projetos gráficos dos livros. Também foi coprodutor de filmes como O Bandido da Luz Vermelha (1968), de Rogério Sganzerla.

“Gostaria de deixar bem claro que minha atividade é maravilhosa e faria tudo de novo”, Acredi­ta: alguma coisa deve restar de tudo isso.

Recebi da amiga jornalista, Jezebel Salem, uma mensagem que expressa fielmente esse sentimento de angústia .Transcrevo porque ela conseguiu uma expressão legítima, adequada, bela e justa. Vai literal:  Obrigada Rubão pela homenagem merecida ao querido Massao Ohno.Só fico triste porque é um a menos. Estamos ficando cada vez mais sós e minguados, mas, talvez, reduzidos às "letras poéticas", que afinal foi o sumo e a razão que moveu o Massao, e move a todos nós, seus companheiros de espanto, perplexidades e idiossincrasias e deslumbramentos... É disso que é feito esse inspirar e expirar chamado vida. Obrigada de novo Rubens, pela dedicada homenagem e ainda nos dar espaço para nossas saudades e outras breves poeiras...ou palavras. E o que mais poderiamos fazer?

Publicado por Rubens Jardim em 12/06/2010 às 19h34



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