12/06/2017 23h31
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (93ª POSTAGEM)
ALÍCIA DUARTE PENNA (19 ) poeta mineira, é professora de arquitetura e urbanismo, na PUC mineira, crítica de arte, arquiteta e geógrafa. Em 2005, escreveu sobre a artista Rosângela Rennó, no livro Fotoportátil. Em 2012, publicou o livro de poesia Quarenta Poemas em Dez. AOS HOMENS DE PÉS BRANCOS I Há (talvez) uma escola daqueles homens que sempre avisto na rua, os pés firmes nas sandálias havaianas que os dedos tesos transformam em botas de passos urgentíssimos e retos, cobertos por um pó-branco: prumo-linha-esquadro-nível, dias-meses-anos, irredutíveis. II Serão necessários: a data de nascimento, o número da carteira de identidade, o número de projéteis cravados na carne, a hora da morte, os exatos finitos, para que: o médico legista conclua a autópsia, o juiz autorize o sepultamento, o cartório libere o atestado de óbito, a prefeitura conceda o serviço funerário gratuito, para que uma mulher, que espera, uma filha, que espera, possam se despedir daquele homem há dias atingido quantas, quantas vezes, na porta da casa que era a sua, na rua onde é difícil chegar água, luz e o carro de horrível nome rabecão. E, enquanto esperam, ninguém as ouve contar outra história (a do homem que ensinaria a outros homens as noções de prumo, alinhamento, esquadro e nível), nem supõe a fome que sentem, ali, e sozinhas. UM QUARTO DE SÉCULO Sofrer é pouco. Ser feliz é pouco. Quero o destino de volta! O tremendo destino que tinha aos quinze anos, o imperativo dedo de Deus apontando o absoluto: sim é Sim, não é Não. POBRES MOÇAS Por que se olham – chispas – como estranhas as moças? Curiosidade não têm uma pela outra? Sendo moças, que pouco viram, por que se desviam, contrariadas, daquela que é outra, mas si? Acaso desejariam pertencer a humanidade alguma? No temor da não-coisa, o olhar anoitecido, retêm suas sacolas junto ao peito: as coisas às coisas salvarão. Uma certa blusa, este cabelo, o ar e a invencibilidade, apostam (no encontro para o qual se preparam não se forma par: vencedor e vencido saem separados ao final). Desconhecem – desconhecerão sempre, sempre, até velhas, até depois de velhas?- os manuscritos, a revolução, a liberdade? Em linha marcham: dessemelhantes, desamorosas, ah, pobres moças. Mas eis que uma se desvia, oh, e amanhece! A UM PASSANTE Você não é belo ao passar. Pálido ou indesculpavelmente branco, cabelos recém-lavados, óculos espelhados, de corrida como os de um cavalo, o aro amarelo mal se equilibrando no rosto de ossos, civil, moderna, heroicamente feio. Traficante, dono da boca, do pedaço? Não sei, mas sabe você como haverão de saber outros. A caminho da favela, seus passos – planos – estão traçados, como os meus. Em círculos caminho, circunscrita, ou corro, presa da organização – outra? – de que preciso, ser-no-mundo vasto e sem solução. Raimundo poderia ser o seu nome quanto o meu, em letra somente para poucos decifrável, assinados em multidão. MARCELA MARIA AZEVEDO(19 ) poeta pernambucana, já morou no Pará e vive atualmente no Rio de Janeiro , onde faz doutorado na UFRJ e estuda as relações entre Poesia e Psicanálise. É mestre em psicologia, e está finalmente preparando o material para publicação de seu primeiro livro: todas as mães são tiranossauras. eu parti como se cada figura minha precisasse de abandono. saio de casa ao amanhecer de corpo mudo deixo minhas tralhas, lençóis, livros que há anos ardem em meu respirar e te renuncio cautelosa, além do horizonte matutino onde naturalmente as coisas se transformam e as memórias se desfiguram, ingênuas em nosso despertar. eu sinto muito, pai mas já não conseguia suportar minha outra mulher. AOS HOMENS QUE USAM ALGUNS GRAMAS DE ANALGÉSICO PARA FINGIR UMA ILUSÃO que colocam os quadros de família no centro da sala de estar junto de almofadas importadas e tapetes carregados com a poeira do século falam com as bocas cheias de nunca peço desculpas e derramam gordura nas toalhas de mesa de suas mães a vocês que nos tiram a presidência os ministérios os peitos caídos as bundas murchas e o nosso envelhecer eu ainda uso as mesmas roupas aqueles farrapos históricos que sobraram dos anos 80 cheios de rostos que são como cemitérios a sua dor de cabeça vem do centro de sua mãe e ela dói como dói uma mulher por sermos diariamente extintas e tiranossauras EXPLICAÇÕES SOBRE A BIOLUMINESCÊNCIA ou um ensaio sobre a saudade este poema começa com três palitos de fósforo e um cigarro perto da janela : fiat lux comunicação luminosa você na cadeira ao lado asmática em mil novecentos e noventa e seis - eleonora se foi - depois eu já não sei o que penso pensando em você todos os dias há manhãs que somos anne sexton suicidadas em nossa própria casa com um pouco de vodka e sylvia plath jornais acumulados isqueiros guardados na segunda gaveta meu útero podado há manhãs que tudo são fótons em ascensão e ascendência da chama que guardo inteira acesa com teu gosto e adeus. POR UM CONSENTIMENTO EVOCATIVO DE TERNURAS eu visitei o quarto de frida kahlo, sister vi mulheres de batons rubi com a mesma cara amarela da nossa mãe : a que ela usa nas fotografias dos álbuns de família e nas caixas deixadas ao avesso de qualquer solidão. don’t do that, woman let me get you another drink intervalo uma mulher uma qualquer dessas que existem num atlas de imagens invisíveis sentada num banquinho de 30cm de onde assiste o percurso do sol enquanto faz seu [crochê brincando de nostalgia com o toque da agulha que eventualmente perfura os seus dedos e lugarejando o mundo com um olhar marejado eu visitei o quarto de frida kahlo, irmã tinham potes de lágrimas junto à foto de diego e eu só conseguia dizer à minha mãe : please don’t do that, my woman let me get you another drink LUNA VITROLIRA(19 ) poeta pernambucana, declamadora, atriz e performer. Com seus espetáculos de récita performática, Não Os Queríamos Sagrados e Sala de Estar, Luna tem participado de importantes eventos literários como a Balada Literária/ SP; Festipoa Literária/RS; CLISERTÃO/ PE; Festival Internacional de Poesia do Recife/PE; Jornada Literária Portal do Sertão/PE; Bienal do Livro de Pernambuco/PE e outros. MARTELO O amor bate seu martelo sempre no mesmo prego até acertar o dedo HÁ DIAS Há dias em que necessito silêncio e não quero me mexer e não quero falar e não quero abrir os olhos nem sair de dentro de mim Há dias em que sou paz e guerra tumulto condensado em meu tumulo alguém que tenta ler o futuro no lodo das horas procurando sonhos dentro de um balde Há dias tenho sono vivo exausta da ignorância alheia E sinto saudade do pé de manga da minha rua onde eu empinava pedras e não pensava na morte O AMOR É feito bala perdida que acerta um desavisado ao cruzar a rua Ao dobrar a esquina Às vezes vem num soco Às vezes num grito O amor às vezes é isso Uma panela de água fervendo no rosto de alguém querido às vezes esmola às vezes migalha que se devolve com um tiro ou acaba em facada o amor tem medo da vida uma hora eleva na outra arrasta desconfia da sorte tem medo da falta O amor corresponde à entrega com uma rasteira e às vezes mata De tirania De asfixia de ciúme De raiva Como alguém que se alimenta e de repente engasga CREDO Eu acredito no amor de porta de banheiro de muro pichado de acento de ônibus de alto de prédios de orelhão quebrado
No amor que singra as pontes do Recife ao meio dia que corre pra cruzar a rua driblando buzina no meio da vida no amor que xinga e colhe uma flor corresponde um aceno
acredita em destino e acaso ama e odeia ao mesmo tempo Eu acredito no amor de Eurídice e Orfeu no amor que desce ao inferno e volta de mãos vazias no amor de Medéia, de julieta e no meu que não ultrapassa o clichê de um sonho de padaria
Eu acredito no amor de uma criança por seu cachorro e seu boneco sem fazer distinção de afeto, porque em ambos lhes cabe vida no amor pelo feio, pelo disforme, pelo que é ignorado no amor que zela e machuca com veneno e cuidado Eu acredito no amor de Nena por sua bodega
no de Deja por seu Jardim no de Seu Castelo por sapos
no de Dona Chocha pelas roupas e no de Angela por seus gatos acredito no amor que corre as ruas da minha infância no amor que dá bom dia que ajuda uma velha a segurar sacolas
ou no amor que empresta seu ombro como guia pra atravessar o delírios das horas mortas acredito no amor da minha mãe por mim e mais ainda pelo vício de cigarro com coca-cola no amor que acontece nos becos, as escuras, sobretudo e todo amor que nasce proibido e permanece clandestino a espreita pra quem sabe se tornar público no amor de duas vulvas no amor entre dois falos no amor que se embaraça e serena pra findar grisalho no amor que não tem número que geme, rosna e grita vulnerável, enciumada
infiel e homicida de posse e possessão
amor que supera as distâncias da convivência que muda de calçada nas brigas e se mostra mais amor em complacência e não sucumbe aos apelos da liberdade ou de uma prisão amor de banco de praça que desalinha
mas depois entrelaça amor que se despede se desespera se despedaça
amor que não cabe num ínfimo segundo em que a morte o assalta ADÉLIA DANIELLI(19 ) poeta potiguar, cursou letras e ciências sociais na UFRN. Divulga poemas na internet e participou de três publicações coletivas: o livro Por cada uma (2011) e os zines Entre Seios e Revoada. Seu primeiro livro solo, Bruta, foi lançado em maio de 2016, Numa sexta-feira 13. Minha anatomia minha autonomia à disposição da sua língua vadia .............................................................. No interior das coxas uma lambida e uma mordida mel e pão no café da manhã ...............................................................
venha me tomar de corpo e alma tomar meu ar meu café a poesia que paira sobre esse lugar que se instaura em cada coisa da sala nesse momento em minhas mãos em minha mente em mu coração venha me tomar absorer a canção do silêncio da fumaça saindo da bca da calmaria real desacelarada e presnete no momento presente sem lucidez ou utopia sem metafísica sem reparar nas horas sem saber qual é esse dia apenas venha me tome me absorva .........................................................
há uma linha tênue entre todas as músicas que mais amo e seu sorriso conversas sobre tempo e espaço não me resgatam do lugar em que me encontro apenas eu dançando pra você e o nada meu processo criativo está fascinado pelo jeito que você fala tem uma charla no discurso bem argumentado e os olhinhos que hora se apertam hora estão arregalados me perco nas ruas que ando todos os dias pego os mesmo ônibus errados uso pares de sapatos trocados porque eu não estou mais em mim
Publicado por Rubens Jardim em 12/06/2017 às 23h31
20/05/2017 21h19
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (92ª POSTAGEM)
GENI GUIMARÃES (1947) poeta paulista, iniciou a carreira literária publicando poemas em jornais no interior de São Paulo. O primeiro livro, Terceiro filho, foi lançado em 1979. Em 1980, aproximou-se do movimento negro e publicou mais 2 livros de poesia: Da flor o afeto, da pedra o protesto (1981)Balé das emoções (1993). Também publicou livros de contos e de literatura infantil. MINHA MÃE Gosto da inocência dela: Benze crianças, Faz simpatias, Reza sorrindo, Chora rezando.
Gosto da inocência dela: Apanha rosas, Poda os espinhos, Coloca nas mãos, De meninos branquinhos.
Gosto da inocência dela: Conta histórias longas, De negros perdidos, Nas matas cerradas, Dos chãos do país.
Ama a todo o mundo, Diz que a ida à lua, É conto de fada.
Gosto da inocência dela: Crê na independência, E é tanta a inocência, Que até hoje ela pensa, Que acabou a escravidão. … Inocência dela…
QUANDO ME VEM... Quando me vem oferecer uísque aproveita o dedo que segura a taça e me indica a porta, disfarçadamente. Eu consciente do direito a festas, (inclusive a comemorada no mês de maio) bebo. E não saio.
BICHO DA SEDA Nascia
Um belo dia, emoção forte me causou vertigem, mamei minha mãe na fonte de leite fiz um verso virgem.
Dos rios mastiguei os córregos dos sóis sorvi dourados bicos tomei do alfabeto, os símbolos com eles fiz um verso rico.
Mas, da primeira cobra armada em botes, aprendi as contorções molengas tomei da angustia, vida fluída ri um verso duro, capenga.
Sou hoje colheita descoberta dos amores de auroras nas fazendas, extração dos capitães de mato e dos de Areia do Jorge.
Explico então:
o poeta é um bicho de seda... que explode
INTEGRIDADE Ser negra Na intregridade Calma e morna dos dias
Ser negra De carrapinha, De dorso brilhante, De pés soltos nos caminhos Ser negra, De negras mãos, De negras mamas De negra alma
Ser negra, Nos traços, Nos passos, Na sensibilidade negra.
Ser negra, Do verso e reverso, De choro e riso, De verdades e mentiras, Como todos os seres que habitam terra.
Negra Puro afro sangue negro, Saindo nos jorros Por todos os poros
HERCÍLIA FERNANDES (19 ) poeta potiguar, é professora da Universidade Federal de Campina Grande. É pesquisadora ligada aos estudos histórico-culturais e dispõe de artigos publicados em livros, periódicos e anais de congressos. Publicou o livro de poemas Nós em miúdos(2015). Pedagoga e mestra em educação está fazendo doutorado. E E quando a manhã chegar, faço-me Scarlett O’hara... levanto as sobrancelhas e convenço-me que é outro dia
E FOI não pronunciou nenhuma palavra
e foi como se dissesse tudo
no nada
CHEIAS queria não pensar em você montar acampamento em seu corpo
viveríamos sem terra, sem pressa, sem adornos
À AURORA DO CAMINHO tudo o que sonhamos, abandonamos à aurora do caminho:
a flor o orvalho o espinho
o agasalho fora do ninho.
LISA ALVES (1981) poeta mineira, é curadora da revista Mallarmargens e colunista da revista Elenismos. Têm poemas publicados nas revistas Incomunidade (Portugal), Zunai, Flaubert, Parênteses, Germina Literatura, Cronópios e Diversos Afins. Recentemente lançou seu primeiro livro de poemas Arame Farpado(2015). Vive em Brasília onde colabora com o fanzine feminista de Salto Alto. DECLARAÇÕES MORIBUNDAS ou como as coisas nunca mudam de fato. Éramos filhos de gerações – que não geravam ações, apenas a experiência de erros que não deveriam ser repetidos. Éramos muitos: fardados, naturalistas, modistas e contra tudo que fosse dito proibido. Éramos luz e trevas ao mesmo tempo – e ainda assim ajoelhávamos nas catedrais espirituais em busca de alguma salvação. Éramos príncipes, plebeus e as vezes democratas que sacudiam as ruas com placas e faixas reivindicando alguma mudança na consciência coletiva. Éramos trabalhadores e acreditávamos que a carga horária do dia nos tornaria a futura elite do país. Éramos bárbaros – matávamos por comida e por um pouco de fogo e sexo Éramos pré-colombianos, pré-greco-romanos, pré qualquer coisa escrita pela história oficial. – e ainda tiveram a ousadia de nos catequizar, estuprar e classificar nosso chão de Brasil Colônia. Éramos revolução industrial: fábricas, camponeses em áreas urbanas, favelas crescendo, densidade demográfica, fome, miséria e falta de saneamento básico. Éramos anarquistas, comunistas, populistas e fazíamos reuniões politico-intelectuais sem ao menos sentirmos no paladar o gosto do feijão requentado. (ou até a falta do mesmo) Éramos padres e madres – rezávamos antes mesmo do sucumbir do sol e em noites enluaradas éramos insistentemente perseguidos pela voz do Demônio da Luxúria. Éramos Ladys e gentlemans – freqüentávamos as melhores festas, fumávamos charutos contrabandeados e no final do mês nossos cheques especiais estavam estourados. Éramos artistas marginais – escultores, pintores, escritores e compositores. Até o dia em que a Industria Cultural levantou uma cerca e transformou as grandes obras em linhas de produção. Éramos leais militares – direita, esquerda, volver! Nossa marcha era conduzida pelo patriotismo, idiotismo e porquê não dizer: fascismo!? Éramos a pequena burguesia – cidadãos médios, assalariados, diplomados, comungados e porquê não dizer: conformados!? Éramos tudo isso – um bando de ações que mataram as gerações. FILHOS DE MADALENA Alastra-se um cobertor virótico neste solo. Quem dorme não terá mais chance de dizer: Bom dia! Fazemos nossa parte: vendemos nossas vidas. Hoje nossas genitálias rendem o prato do dia.
WOOLFS & STORNIS AQUI DENTRO Eu sou desordem. Exterminadora de Eus passados. Alma em cálice de vida. Corpo entregue à ruína. Eu sou canção do exílio – inteligência colonizada. Segredo para mais de 500 anos. Império de sem terras, de sem tetos e de sem vergonhas. Meu sexo é algema, mácula e saia longa. Meus olhos esperam o não sei o quê. Curso pontes e pinguelas desafiando Leis e o Reich da Gravidade.
CURTAS DE MEUS LONGAS II Sou a mesma figura que caminhou ao lado de ideais que sucumbiram ao tempo: assisti a Revolução Francesa apesar de ter nascido no Brasil de 1981. Fui agente comunista, embora nunca tenha comido criancinhas. E agora sou um fruto capitalista: apodrecido dentro do mercado.
CLARA BACCARIN(19 ) poeta paulista, formou-se em letras e fez mestrado pela UNESP (Araraquara). É autora do romance Castelos tropicais (2015), do livro de poemas Instruções para lavar a alma (2016) e do livro de crônicas Vibração e descompasso (2017). Escreve para diversos sites e em 2017 teve poemas gravados no CD Lavar a Alma. Morou na Austrália, Chile e Hungria. entre silêncios e entrelinhas entre peles e recantos entre vãos e desvios entre a coincidência dos olhares e a refração dos espelhos entre os escafandros e os nus em pelo Amar é sempre um tiro no escuro
DECEPADO ele me mandou uma foto do pinto um close do pinto um pinto ereto na minha tela sem pernas, sem corpo, sem mãos sem homem
um pinto sem história decepado e duro um falo que não fala e mesmo que falasse não me diria nada
um pinto solto que eu não conhecia e nem tinha imaginado um dia as formas, a potencia a essência a geometria
um pinto que não me excita antes me desanima pela falta de empatia com o universo feminino
ele me mandou a foto do pinto e eu que pensava no sorriso eu que pensava nas ruas que a gente andaria eu que sentia as conversas e os vinhos eu que via a companhia o abrigo, o carinho
vi o pinto um pinto imponente dominador furador de sonhos protagonizando a nossa história interrompida
LEGADO mulheres que faziam café vestiam os filhos dormindo colocavam para tomar sol o tio idoso e as roupas de inverno acompanhavam os maridos nas rezas da igreja e nas passeatas políticas
mulheres que tinham ajudantes desde a casa colonial que cuidavam das finanças das aparências e do destino de cada membro desse partido chamado família
mulheres que pariam com a força com que empurravam os dias sorriam para o gato brincavam com as crias quebravam o pescoço da galinha humanas e alienígenas
mães de gerações inteiras leitos de leite e de seiva humildes em suas redondezas que não ditavam mas conduziam
mulheres que carregavam mundos com o orgulho de um pavão sem plumas
À FLOR DA PELE a pele muito mais que casca, derme que adere à alma. a pele muito mais que veste, que protege e guarda. a pele alarga, a pele estica, a pele transcreve, transita, transcende as percepções da vida.
a pele é ponte entre as células do céu e as estrelas do ser. a pele arrepia, a pele abre, a pele dissocia, a pele extravasa.
a pele é passagem livre de energias. a pele ensina, aprende, se estende e se comprime.
a pele transparência das vísceras.
Publicado por Rubens Jardim em 20/05/2017 às 21h19
02/05/2017 14h40
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (91ª POSTAGEM)
CONCEIÇÃO EVARISTO(1946) poeta mineira, fez mestrado e doutorado em literatura. Começou a publicar na década de 1980 poemas, contos, ensaios e romances. Militante do movimento negro, nasceu em uma favela em Belo Horizonte. Poemas da Recordação e Outros Movimentos (2008) é seu último livro de poemas. RECORDAR É PRECISO O mar vagueia onduloso sob os meus pensamentos. A memória bravia lança o leme: Recordar é preciso. O movimento de vaivém nas águas-lembranças dos meus marejados olhos transborda-me a vida, salgando-me o rosto e o gosto. Sou eternamente náufraga. Mas os fundos oceanos não me amedrontam nem me imobilizam. Uma paixão profunda é a bóia que me emerge. Sei que o mistério subsiste além das águas DO FOGO QUE EM MIM ARDE DA CALMA E DO SILÊNCIO FILHOS DA RUA MARIANA DE ALMEIDA(19 ) poeta paulista, nascida em São Bernardo do Campo, é formada em Letras, e escreve no blog Diário Balzaquiano denunciando as dores e delícias de uma mulher que vive nos tempos atuais . É redatora e editora da página Casa da Poesia. Vive em Sorocaba. AS NOITES NA CIDADE As noites no centro das cidades São sempre tristes com suas ruas sujas Poças d’água encardidas de carbono Lama, cuspe, mijo e burocracias Do dia que passou. Não me iludo, as noites daqui São tão sujas quantos as de Paris, Nova Iorque, Marrakech e Milão. Noites que fedem a perfume barato, Cigarros, bebidas, catarro e sexo.
As putas do centro da cidade São exatamente as mesmas De qualquer lugar do mundo A maioria delas é filha de alguém E a maioria delas é mãe de alguém E a maioria delas é mulher de alguém E a maioria delas paga contas ao amanhecer E a maioria delas toma café e porrada Num bar miserável da cidade. É preciso sempre encarar a volta Algum buraco do mundo deve ser sua casa Algum buraco do mundo guarda suas histórias Algum buraco do mundo esconde toda a verdade. Eu nessa hora de insônia
Penso nas putas da General Carneiro Penso nas putas da Paulista, da Tijuca De Manhattan e de New Orleans Gostaria que elas soubessem Que alguém desse planeta absurdo Está pensando nelas.... No frio, No açoite, na coca, no medo, nos caras que chegam. Jogo minha bituca pela janela Observo a brasa se despedaçar ao chão Não sinto culpa, ajudo foder o mundo Denuncio nossa maldade Traduzo para você O que a noite não revelou. DE TODAS AS MULHERES De todas as mulheres do mundo Eu já fui todas De menina e santa Casta e puritana À sacana e insana Aquela que engana Em troca de qualquer aliança Já fui inocente como nova Já fui coerente como velha Já fui linda como a lua cheia Já fui feia como areia seca do sertão Já disse sim e já disse não Já entrei em templos e igrejas Já dancei com as bruxas sob o clarão Da imensidão da lua sobre o chão Já entornei o vinho, o lírio, a papoula Já mastiguei a hóstia, o pão e o sermão Já vomitei em latrinas de ouro Já comi em pratos de papelão Já fui feliz ao pisar na terra com pés descalços Já amei na beira do mar enquanto a água salgada Molhava meu vestido de flor Já chorei sozinha em rodovias desertas Sem carona, sem carinho, sem deus. De todas as mulheres do mundo Carrego cada uma delas no meu olhar. WILD SIDE O rasgar das roupas Das peles e da moral Adoro o instinto As vontades Que invadem Obedeço à elas Como escrava;
Desordem total Na manhã seguinte Cabelos desvairados Devagar recolho o que sobrou Volto para o mundo de óculos escuros Para as dores do corpo: Dipirona Para as dores psíquicas: Cafeína
Caço um cigarro pela casa Muitas gavetas cheias de nada Junto os trocados para ir à padaria Me perguntam quantos pães vou querer - Nenhum, obrigada. Só um expresso mesmo E um maço de Marlboro , light. GOSTO Um palpite, um poema ou uma taça de vinho Que pode ser a minha ruína Ou a minha fortuna; Ah, eu invisto mesmo para perder O que se guarda se morre sem nascer Eu aposto sob a luz da lua E faço vingar sob a pele O único sentido dessa vida. MARIANA BASÍLIO(1989) poeta paulista, é pedagoga e mestre em educação. Autora dos livros Nepente (2015) e Sombras & Luzes (2016), Prepara atualmente os dois próximos livros, Tríptico Vital (3º lugar ProAC 2016) e Megalômana. Possui poemas e entrevistas publicadas em revistas e fanzines de Portugal e Brasil. À memória de Allen Ginsberg O peso do mundo é o peso do sonho. Sob o fardo do amor, Sob o feitio da ilusão. O peso do mundo é um fator irreal. Sob o feitiço do perverso, Sob a finura do convexo. Mas quem de nós poderá negá-lo? Se a leveza é invenção abstrata. Se a natureza é limite brutal. Paraísos movem-se mais adentro. Peregrinos progressos rarefeitos. Moléculas de uma frágil história. Em céus que desabam, petrificados. Pois nenhuma elucidação, América, Há de salvar-nos. Nenhuma religião, Kaddish, Será poesia. Nenhuma dor, atemporal. I Se me disseres, amor, sou teu sonho. Dir-te-ei, rema, ardor, entre os olhos. Pois o canto que cantas é efêmero. E o que sou é estandarte do sol. A crescer frágil e rígido. A rasgar os votos sagrados. Entre a ruptura dos galhos. Repara no que te digo. Se me disseres: voa, sou teu laço. Fugirei hoje mesmo, desertora. Pois onde amo, não caibo. Pois onde vivo, não meço. Vaga, eu te vago. Vaso do vazio. Pureza do perene. Um adeus inerente. II São hemisférios os meus olhos. Ainda que crepitem os séculos. Ainda que naufraguem no presente. E não posso adiar o amor que sinto. O amor suporta o peso corpóreo. Atravessa a pobreza, o ódio, o abandono. Abraça o que se renega. Conduz o que não se mede. À sombra de uma árvore, resistimos. O amor e eu. No coração que é vertigem. Em vias remotas e poeiras estelares. Tudo é afinal, indiferente. Porque não posso adiar a vida. III Divino Nada. Toca-me o espírito. Como o fugaz sopro da morte. Como se o tempo fosse vida. E o futuro, minha sorte. Apresenta-me: desfecho. A inacabada via. Oferenda terrena. Inevitável meio. Divino Nada. Salva-me o corpo Em linhas versais. Sela os segredos Fluindo silêncios, Abismos minerais. Preposições são cantares, No princípio da imagem. Tu, fascínio em milagre. Por campos lacunares. O vasto total. Amiúde, o haver nos restará. O haver em branca transparência. Construções em pás de silício. Gravuras que se entrelaçam. O oco fundo, Divino Nada. NANDA PRIETTO(1998). Poeta mineira, é guitarrista da banda “Macacos & Donzelas”.Autora do livro de poemas Princesa mas peçonhenta (ainda inédito). Mora com os pais em Poços de Caldas/MG. É fanática por Rimbaud ("Uma Temporada no Inferno é minha bíblia") e adora Drummond e Kurt Cobain. Logo que li num site humanitário Que crianças cambojanas ganham Duzentos cents/semana Trabalhando quinze horas/dia Em fábricas da Nike, Arranquei meus tênis e os atirei Pela janela do meu quarto. Acertei os fios elétricos E causei um blackout no bairro. KAHLO Um trem de ferro que Me entra pela pélvis. Mas me distraio das fraturas Tendo orgasmos. Pintando frascos de fetos alados De anjos de asas mutiladas. Fazendo a autopsia De minha natureza viva.
Diego me queria Mulherzinha. Calcinha mínima. Echarpe. Pulseiras e colares. Cinta-liga. Mas calcei o meu strap-on E me fui À caça de seu sono. Ao acordar, ele: “Sonhei que Deus me Queria Parir menina”.
Então o vento que sou Capaz de exalar Ondula, belamente, os meus cabelos. Sou Eva, Lilith e todas As diabas vira-latas. Vingativa dos adultérios, Corto meus cabelos. Sementes de serpentes. Ordeno-lhes: “Entrem Pela uretra de Rivera”. RITUAL Que você está vendo. Meus cabelos exalam Gafanhotos e outras pragas.
Para a missa, entro nua De bíblia em punho.
Enquanto “eles” bebem, Em torno do altar do holocausto, As vísceras do crucificado mais recente, Recolho, um a um, os sêmens Dos cordeiros primogênitos.
Na rua, minha nudez é O que você está vendo: Câncer no coração. Vermes nos olhos. Lepra na genitália. A nudez é o que Você vê? Eu, nua Sob a burka. Democra$ia! Simulacros de intestinos que bebemos Exercitando Nossa ilusão de livre-arbítrio.
masoquista pusilânime Nunca senti saudade. Exceto Quando o céu e o chão fugiram Quando você Se foi cantando, Se metamorfoseando Em pássaro voando Para longe, para sempre, Para fora do alcance Das minhas unhas, das minhas pedras, da minha gaiola para serpentes. MELANCIA Minha boca, nossas bocas, Escorrendo. Biquínis. Umbigos. Tatuagens. Piercings. Vulvas.
Comemos o verão todo Besuntando de água a sede Uma da outra.
Febre úmida. Satélite. Abelha. O açúcar de teus segredos. Língua. Gilete. Vulva. Ânus. Stacy Martin. Lisbeth Salander.
Strapon não me expurga. (Prefiro dedos. Boca. Seios. Ânus. Vulva.)
Nós. Duas amantes púberes de Klimt. Duas de Les Demoiselles d’Avignon. Santas Teresas cantando baise-moi. Ombros desnudos propondo travessias. Risinhos de êxtases vespertinos. E quem olhasse veria apenas Duas crianças comendo melancia.
Publicado por Rubens Jardim em 02/05/2017 às 14h40
10/04/2017 20h26
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (90ª POSTAGEM)
ZULMIRA RIBEIRO TAVARES(1930) poeta paulistana, estreou com o premiado Termos de Comparação(1974) livro onde mistura contos, ensaios e poemas. Publicou vários livros de ficção como O nome do bispo (1985), prêmio Mercedes-Benz de literatura, O mandril (1988) e Joias de família (1990), prêmio Jabuti de romance. Vesúvio(2011) é seu primeiro livro só de poemas. VIDA: OBJETO DE DESEJO Nós desejamos pinguins. Não os de geladeira com seu peso fixo de massa pintada sua estatuária de cozinha sem nenhum sopro de da Vinci.
Nós desejamos pinguins. Não os das geleiras que nos esfriam os dedos ao toque de suas penas firmes. Frios são os caminhos que a morte nos envia.
Desejamos os pinguins de nosso assombro fechados dentro de nós no desejo como pérolas nas ostras. Ostras não sabem das pérolas que engendram e trazem consigo. E nós que os formamos do escuro, deles só temos o rastro, pinguins, com seu brilho de nácar. LEITURAS Minhas leituras memoráveis são aquelas quando à noite cabeceio na leitura.
Diante do livro aberto eu persigo o friso das palavras que prosseguem pelo vão das pálpebras.
Há sentido,
que passa despercebido mas que me resguarda.
Pela manhã quando desperto desprezo o livro ao lado e observo no alto o teto liso.
O teto narra esplêndidas histórias na superfície branca de páginas não impressas.
Nelas acredito. CÉU Pelo cemitério. Menino nanico e os pais indo à frente. Ele — arrastando os passos, um pé mais o outro. Os mortos eram deles, pais, não os havia conhecido, nada lhes devia. A certo momento parou e pensou na excursão como plano fechado, para a hora. Subiria no túmulo mais baixo. Em mais um, e mais um acima. Os mortos seriam de outros, pisaria suas cabeças prensadas pela vida que lhes pesava por cima, fechadas no silêncio do escuro sob a pedra. De cada pedra fazer um degrau para o alto. No último túmulo aspirar fundo e dar o impulso escorado por algum braço de mármore, algum ângulo de cruz polida com arestas de navalha. Sem raspar o cimento com as pontas do calçado no impulso passaria em voo sobre o muro, tombando no terreno vizinho onde meninos livres e terríveis brincam sem trégua de tudo que lhes é proibido chutando bolas murchas e cacos de garrafa, dando os gritos agudos dos cantores e dos bichos no meio do terreno baldio do outro lado do muro. No centro do céu. PASSAROCO o nome esquecido da melancolia Quero me ir devagarinho como iria um passarinho.
Mas como iria um passarinho? Já vi passarinho morto. Passando a morto não vi.
Mas passarinho e vagarinho soam parelhos à vida que vai no compasso igual dos relógios tiquetaque que já não são deste mundo
e só fazem ruído por dentro naqueles que hoje morrendo vieram de tempos passados dos relógios com alarido.
Tenho pena de mim que não tenho penas de passarinho
que se soltam dos ninhos e com o vento formam redemoinho
erguendo uma ponte aérea entre a terra e o céu dos homens
onde só nascem árvores que nunca perdem as folhas.
Para elas queria ir chegando com ares de passarinho
levando bagagem pequena com certo acento de voo
e uma tristeza branda com a qual se forram nos ninhos
o travesseiro daqueles que a chamam melancolia
e eu diria passaroco. CLAUDIA MANZOLILLO(19 ) poeta carioca, escreve contos e ensaios. É mestre em literatura brasileira pela UFRJ e professora de língua e literatura do Colégio Pedro II. Publicou o livro de poemas A dona das palavras(2015). SINA Assim o mar se fez em mim concha, ostra, sereia, me navego e me transbordo. No começo de mim, era a água. Mar, córrego ou rio, é nela que me recolho e me refaço enfim. Navegar é sina de imigrantes. Eu me navego, imigrante de mim. ............................................................................... Disperso entre coisas e casos, o caos. Recolhidos os cacos, pedaços, refazem-se traços e passos. Restaurado o rosto, compostos sulcos e linhas, resgatada a palavra, anima mea, conduzo o corpo ao leito e dispo o que me pesa. Durmo com os anjos. AZUL REAL LAVÁVEL Para meu pai Como o sangue corria-lhe nas veias a tinta enchia-lhe as folhas caligrafia indelével pingava sobre o branco perfeita combinação nenhum traço nenhum senão. Me coloria os dias o conteúdo do pote nada detinha a letra no linho, no algodão floria a pétala azul nenhum borrão nenhuma mácula ardia. A pena corria leve sem rasuras rumo à folha coisa viva aquela tinta que lhe escorria das mãos. ESTOU DE RETIRO Estou de retiro de tudo que não vale a pena. Estou de retiro do que me aparta de mim mesma. Estou de retiro da inutilidade das coisas e do excesso de etiquetas. E eu retiro todas elas do meu saco. Joguei-as fora pedras palavras atos e atas inúteis cangalharias enfeitando enfeando a cara limpa. Estou de retiro e, nesse retiro, tiro e ponho coisas e gente no seu devido lugar. Eremita, vou lapidando o dentro. aprendendo silêncios. Quem sabe o menos é mais nessa contagem particular? MICHELLE FERRET(19 ) poeta potiguar, é jornalista, professora da Universidade Potiguar e professora substituta na UFRN. Tem publicado poemas em diversas coletâneas. Atuou no grupo Poesias e Flores em Caixas e atualmente é componente dos Insurgentes. Seu primeiro livro, Febre ,deve sair em breve. CASA vivo pra morrer de saudade e todas as noites parecem pardas quase incendiárias com seus ocres e mel escorridos pelas paredes das calçadas
Adoçam o céu invertem as incertezas desnuda vulcões e trazem as erupções para dentro do outro lado
Quase sempre a mesma calçada na beira dessa casa em que ninguém se muda PÁSSARO FEITO DE EFÊMERO Vivo para inventar planos de fuga E todas as noites Gaiolas inteiras se abrem por dentro A matéria prima Escolhida ao acaso Une silêncio, dorzinhas, arames cortados e um pouco de solidão Disso tudo se faz portinhas infinitas A passagem é o lugar O vôo consequencia Asas pequenas ou grandes Miragens Feito desertos inteiros dentro da gente Não se apagam nunca Vive-se para inventar planos de fuga E todas as noites as janelas se fecham para a vida São pequenas as mortes de dentro Imagens deitadas de inventos Vivemos para desenhar planos de fuga E todos os dias A passagem é o passageiro Entre o ir e vir de grades grandes ou pequenas Ficar é apenas consequência… ........................................................................................................... A vida não perdoa Ninguém Tampouco sua falta de sorte e o ritmo acelerado dos pés em fuga retornados feitos curupira sem cabelos a vida não perdoa sua falta de coragem em acordar de novo num barulho ensurdecido em ser gente grande não perdoa o caderno esquecido com todas as memórias nem fotografias nunca reveladas de antes nos filmes preto e branco da kodak tudo extinto A vida não perdoa ela não sabe o que é isso sobreviventes de estratosferas tsunamis, espermas essa corrida diária nos lembra o primeiro passo o óvulo já sangrado a vida não perdoa o sangue derramado já seco coagulado nas manhãs mornas de setembro em plena primavera A vida não perdoa os cacos nem a superbond já espremida feito vidas em trens apertados lotações esgotadas validades vencidas A vida não perdoa a palavra, o gesto, a saliva desmedida e franca como um tiro certo ao contrário do peito aberto exposto A vida não perdoa o instinto enfraquecido pelo cheiro do perfume francês e do lenço umedecido A vida não quer perdão nem tampouco validade ela quer como disse o Rosa Coragem E isso também está no fim do frasco da garganta no cantinho do olho vivo. ........................................................................................ Tenho por mania Distorcer a visão amanhecida para ver o outro lado do que for Mania de desvirar tapetes, calçados com medo de morrer cedo por medo de estar viva sem o frio na barriga as sopas feitas frias no dia anterior Mania de roer as unhas mesmo sabendo das bactérias das artérias entupidas e a possibilidade de comer mais manteiga, óleo diesel e refrigerante rodas sem amortecimento esmagando as formigas no asfalto das esquinas, das estradas de dentro de mim mania de salvá-las desviando a atenção necessária das coisas que deveriam importar e nada importa importo o sabor da comida com o sal do himalaia rosa, endurecido, pedrificado atravessado de oceano até chegar na saliva e no sangue acesos e espirrados mania de se apegar a coisas mínimas bolinhas de encher para fazer enfeite poeiras debaixo do tapete e o medo de mudar de margem de marcha de vida jogar tudo pro alto coragem em falta nesses dias de desligamento da tv, do celular, do cabo do wi-fi do vizinho mania de desejar ilhas de desordem como queria Brecht e acertar outra areia movediça deslocada e amassada para fazer bonecos na neve imaginária em pleno sol a pino dessa vida interminável. MARINA RABELO(1981) poeta cearense, foi criada em Natal e se considera potiguar. É engeneira química e também dramaturga. Publicou três livros de poesia: Por Cada Uma (2011), em parceria com quatro outras poetas potiguares; Livro de Sete Cabeças (2016); e Das Coisas Que Larguei na Calçada (2016). NÃO LIMPE OS PÉS ANTES DE ENTRAR Entre com a lama, a grama, a poeira e a areia do mar.
Entre com o barulho das ruas, do samba e dos versos do poeta de mesa de bar.
Entre com o cheiro do asfalto, do ônibus lotado e do pastel de carne com suco de maracujá.
A porta está aberta, pode entrar:Eu quero minha alma suja e feliz. ORIGAMI nem sempre somos o que queremos ser.
um dia, pássaros. um dia, papel amassado no chão.
[somos as dobraduras da vida] A POESIA (MENTE) A poesia está na sala. Nos restos em cima da mesa. Inquieta e sedutoramente viva.
A poesia está no quarto. Na poeira debaixo da cama. Tranquila e assustadoramente só.
A poesia sorri, Debocha e diz: — A poesia não está.
E assim a poesia descaradamente é. REVOLTO preciso do caos da desordem dos sentimentos de um soco no estômago seguido de um beijo um lamber de feridas para amaciar a dor preciso da confusão de ser o que for
Publicado por Rubens Jardim em 10/04/2017 às 20h26
25/03/2017 17h15
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (89ª POSTAGEM)
MARIAJOSÉ DE CARVALHO( 1919-1995) poeta paulistana, foi atriz, diretora, cantora, pianista, professora de dicção e tradutora de clássicos. Deu aulas na Escola de Arte Dramática(EAD), envolveu-se em movimentos de renovação cultural. Alguns livros de sua lavra poética: Poemas da noite amarga (1950), Aurum et Niger (1966 ), Neomenia (1968), Lunalunarium (1976). que ânsia imemorial atrai os corpos de ambarina e amavios impregnados ossos tendões e carne e sangue nervos? que impacto os enlouquece tange anula? que plectro ou lançadeira ou sábia lâmina? e exangues ao cansaço os abandona? phallus vulva os seios mãos e boca e a pele esse tecido permeável são instrumentos de urdir tecer e a estrutura imantada aniquilada é deliquo amplo voo queda a pique num abismo do fogo gelo e nada
VIII do sardo mar por águas lavrado em sal conservado dentre jóias moedas armas de submerso acervo a mim vieste aro de bronze a mim viúva e nesta herança de remoto pacto em meu dedo estás arcaica aliança O INICIADO que nome te dar
na faca e no gume na lima e no lume na lama dos limos na lança no laço na trança no traço na trama dos limbos
que névoa te envolve e densa turva teu sacro perfil se destravando a treva emerso a iluminaste e na dança do templo que o corpo enlaça a pupila embaça o passo trava e o sangue desata em salva de prata contido o lábio na doce taça
que nome te dar
que medo te impele que tolhida asa o vôo te impede que secreta chaga de ferida pluma te enluta o âmago
e que maga imagem te dispara a seta que o peito afeta em bruma e arfagem ó iniciado
que êxtase nos espera que ardente dardo através da estirpe de transe e treva a dor extirpa o ir é nosso rio ao bramir do touro o ouro de teu corpo ao sol o manso bezerro o túrgido úbere a plúmbea ave o fruto maduro lança e raiz o chão e o sal tua urdidura são ao sol posto evocamos a chaga que a taça embaça e o violáceo laço de obscura trama nesta agosto deposto nos envolve o rosto a palavra o chá TRILOGIA DAS AMOROSAS I Sóror Mariana de Alcoforado que mão ardilosa tece o rumo das amorosas ardendo em paixão constante vorazes em seu anseio verazes no seu amar tenazes em sua sina que frágil tecido o seu que as torna tão vulneráveis que sólida trama a sua que as faz tão impenetráveis que estranha sua urdidura que armadilha suas entranhas e a violenta mordedura das presas do seu veneno que rara essência as perfuma que licor denso ou que vinho corre em suas veia e artérias que pátera ou que cratera as embriaga e afoga que cimento ou que argamassa constrói a sua ossatura que flava flama ou que rio as consome ou as arrasta que sede e que fome atroz alimentam sua busca que nem torres e muralhas afugentam seu assédio e as vias mais tortuosas as sendas mais pedregosas não intimidam seus passos e a noite mais tenebrosa incita a sua coragem que misteriosa estrutura sustenta a sua conduta o fio do seu novelo a linha de sua estirpe que ígneo astro as habita que negro sol as concita que maciez pisa fino em sua pata felina que aço mais temperado em sua fala ferina vem de longe a sua linhagem em viagem ininterrupta e mesmo partido o leme rotos cordoalha e velame prosseguem em seu caminho ADELAIDE IVÁNOVA(1982) poeta pernambucana, é jornalista, fotógrafa e vive e trabalha entre Colônia e Berlim, na Alemanha. Lançou os livros Autotomia (fotografia), Polaróides (2014) e O Martelo(2016). Tem trabalhos fotográficos publicados por diversas revistas internacionais. GAIA CIÊNCIA é proibido cuspir no prato
é proibido dormir no asfalto
é proibido trepar no mato
é permitido açoitar as massas
é permitido erigir as farsas
é permitido morrer às traças (paremos, portanto, de fingir que Nietzsche estava errado quando enlouqueceu às portas de explicar esse caralho) A PORCA a escrivã é uma pessoa e está curiosa como são curiosas as pessoas pergunta-me por que bebi tanto não respondi mas sei que a gente bebe pra morrer sem ter que morrer muito pergunta-me por que não gritei já que não estava amordaçada não respondi mas sei que já se nasce com a mordaça a escrivã de camisa branca engomada é excelente funcionária e datilógrafa me lembra muito uma música um animal não lembro qual. O CAVALO “I look at you and I would rather look at you than all the portraits in the world except possibly for the Polish Rider” Frank O’Hara menino há dias tento desenrolar esse fio esse laço desatar essa corda do meu pescoço e escrever essas mal domadas linhas ofertá-las a ti menino e potro surgido nesta estepe sem ferradura e assilvestrado tirando os cowboys da sela e do sério: tu menino poeta cavalo
e eu repetitiva nos poemas obcecada na vida me embaralho feito cego em faroeste ofereço-te meu açúcar meus torrões mais pra pangaré ou mula que pra égua e relincho, amolestada e paleolítica, ao sacudir do teu galope e ao balanço da tua crina
em repouso do topo da tua cabeça à minha há um côvado de distância já em galope gallardo é inútil a antropometria pois da tua glande a meu chanfro de equina não há côvado que nos meça yoctômetros talvez aquela medida imaginária que nunca foi usada pois mede lonjuras que não existem de tão mínimas
escrever um poema pra ti é domar um mustang de santuário quando pra mim santo és tu menino vishnu que me batizas de aminoácidos, precário e matutino, potro poeta e menino a quem dedico horas de trabalhos não-forçados: pousar a fuça exausta em tua soldra, levemente triste
de não poder ver tua cara enquanto gozas na minha para depois admirar tuas quartelas bordo e casco, tuas estrias no lombo de potro bem alimentado crescido mais rápido que o previsto. pulaste as cercas do estábulo para chegar, poeta e cavalo, nestas paragens onde me encontras pronta de sela, esporas postas
para mais uma doma nesta sodoma aos avessos sem cabresto nem gamarra deito-me devota em teu garrote de puro-sangue belga e muda diante dos músculos do teu costado aguardo bridão e tala e entendo o poema alemão que diz: toda a sorte que há no mundo vem no lombo de um cavalo. PARA LAURA em 1998 quando encontraram o corpo gay de matthew shepard sua cara tinha sangue por todo lado menos duas listras perpendiculares que era por onde suas lágrimas haviam escorrido naquele dia o ciclista que o encontrou não ligou para polícia logo que o viu porque o corpo de matthew estava tão deformado que o ciclista achou ter visto um espantalho
sábado passado em são paulo a polícia matou laura não sem antes torturá-la laura foi filmada ainda viva por outro sujeito que em vez de ajudá-la postou no youtube o vídeo d’uma laura desorientada e quem não estaria tendo sangue na boca e na parte de trás do vestido
laura tem um corpo e um nome que lhe pertencem laura de vermont presente! foi assassinada pela nossa indiferença e pela polícia brasileira tinha 18 anos sábado passado. JENYFFER NASCIMENTO (1984) poeta pernambucana, é feminista, produtora e apreciadora de arte, além de frequentadora de saraus da periferia da zona sul de São Paulo. Publicou poemas em duas antologias: Sarau do Binho, e Pretextos de Mulheres Negras. Seu primeiro trabalho autoral foi a obra poética Terra Fértil(2014). ANTÍTESE Pediram um corpo escultural Eu não tinha.
Quiseram uma mulher ignorante eu já tinha lido o suficiente pra me proteger.
Sugeriram que não opinasse em assuntos de homem Eu nunca consenti em calar.
Disseram que eu fosse esposa Eu não quis casar.
Discursaram que as mulheres são frágeis Eu não tive tempo de exercitar fragilidades.
Orientaram que não freqüentasse bares Eu não pude negar as esquinas.
Quiseram controlar meu jeito de vestir e falar Eu não vi sentido em deixar de seguir minhas vontades.
Apostaram que eu teria um subemprego Eu vislumbrei ir mais distante.
Transaram comigo e depois fingiram não me conhecer Eu aprendi a ignorar os imbecis.
Disseram que eu não amamentasse para o peito não cair Eu amamentei até cair.
Submeteram meu corpo e meu psicológico à violência Eu me juntei a outras como eu para superar.
Compraram vaidades para que eu me adequasse Eu envaideci aprendendo palavras de ordem na luta.
Exigiram fidelidade e submissão Eu rompi por amor próprio.
Cagaram mil e uma regras de conduta Eu mandei pra puta que pariu E sorri, feliz. DESENSINAMENTOS Estão a moldar nossos pensamentos, A roubar nossa autoestima.
Nos ensinaram um andar cabisbaixo. Corpos curvados encaram o chão Como se olhar o céu ou o front Não fosse algo permitido para negras Lavadeiras, cozinheiras, professoras, Balconistas, cabeleireiras e universitárias Como nós.
Nos ensinaram que somos feias. As capas de revistas não nos querem. Os garotos nas escolas não nos querem. Os cargos executivos não nos querem. Os maridos não nos querem. Reparem bem no que dizem. Está tudo assim desproporcional, Grande demais ou escuro demais. Pelo menos ajeitem esses cabelos.
Ensinaram a moldar nossos corpos, A tirar nossa expressividade.
Nos ensinaram coreografias pré-moldadas, Em que o balanço e a espontaneidade não cabem, E assim, pouco a pouco deixamos de dançar. Somos corpos reprimidos que pairam Por medo de errar a coreografia, De errar a medida, de errar… Corpos doentes. Corpos endurecidos. Corpos infelizes.
Estão a moldar nossos sentimentos, A negligenciar nosso sentir.
Nos ensinaram a ser fortes. Aguentar o sol forte queimando na cara Ao carregar a lata d´água na cabeça, A aceitar humilhação da patroa, A parir sem gritar ou gemer, A criar os filhos sozinhas. A esconder o choro de solidão, A não pedir ajuda a ninguém, A esquecer de si mesma.
Nos ensinaram a calar. A não dizer o que sentimos, nem o que pensamos. As coisas são como são e ponto. Tá entendido?! Na prática ninguém costuma mesmo Dar ouvidos a uma mulher, a uma negra. Que diferença faz o que você disser? Quantas vezes adiantou falar? Eles sempre dirão “Você só fica bonitinha assim, calada” Aprender a calar antes que te calem. (…) Então um dia Outras mulheres negras Das mesmas fileiras que nós Nos ensinaram que tudo que tínhamos aprendido Era uma grande farsa.
Foi quando aprendemos a lutar. DESPEDIDA É madrugada Ouço vozes, Num programa de TV As evidências denunciam Esse grampo colorido na penteadeira O leite estragado na geladeira Previa o gosto da despedida. A inevitável conversa acontece Com justificativas vãs que toda mulher Eu odeio frases feitas. Disfarço aquela inevitável vontade de chorar Até parece que o amor não deu. Engraçado, você é cheio de manias. Parece que é só no fim Eu vou sentir saudades Das conversas filosóficas Eu já tinha até escolhido O seu presente de Natal. Eu vou e deixo pra trás As incertezas das minhas poesias O começo se parece com o fim. Quando nos olhamos e Da porta pra fora. ................................................................................................... Quem me fode e me beija a boca às 5 da manhã Se tem coisa que odeio é esse bando de gente descolada Juro que não queria ser tão mal-agradecida Quem me come e me cospe às 6 da manhã Eu tô na merda e não é de hoje Mas eu é que não vou passar invisível Quem me domina e me chupa às 7 da manhã Sem um teco, uma raspa, um pico, uma baforada E os dias continuam a passar Muito além da Avenida Paulista com a Brigadeiro São Paulo metrópole arranha céu De luzes acesas Clandestina AMANDA VITAL (1995) poeta mineira, cursa letras na Universidade Federal de Minas Gerais, em Belo Horizonte cidade onde reside desde 2017. Participa do grupo Aedos de declamação, apresentando-se em saraus, lançamentos de livros e outros eventos. “Lux” (2015) é seu livro de estreia, que conta com a apresentação de 3 importantes poetas: Lau Siqueira, Marcelo Adifa e Sérgio de Castro Pinto. não dá pra notar sou sem costura, ................................................. meu trevo tem três folhas meu olho grego está míope minha figa tem mão aberta
toda sorte desse mundo nunca é certa. ...................................................... à noite todos os homens são pardos todos os drinques são dardos e todos os bêbados são bardos. BRUXA MODERNA A bruxa moderna tem um gato preto entre as pernas
e uma estante cheia de poções literárias das mais ponderosas
pó de Beauvoir sementes de ruiz asas de liria porto
e magia negra de elisa Lucinda
ninguém a queima em fogueira alguma
ela é o próprio fogo da revolução
cozinhando versos -seus maiores feitiços- em um calderião
Publicado por Rubens Jardim em 25/03/2017 às 17h15
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