06/03/2017 19h03
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (88ª POSTAGEM)
TERESA VIGNOLI(19 ) poeta carioca, já morou em Sampa, em Brasília, e agora está em Campinas. É psicoterapeuta desde 1980. Já foi professor e coordena oficinas de escrita criativa em encontros de psicologia, educação e criatividade. Integrante da geração mimeógrafo, década de 70, participou de diversas antologias ,Pega Gente e Po rretas a vida espera, silente.
a vida pede semente.
novas flores, novos tempos, urgente
POÉTICO PÓRTICO O silêncio espreita.
Espera o som
de nossa verdadeira voz.
ASAS tanto quanto a folha, a terra sonha.
tanto quanto o pássaro, a formiga voa.
SEMEADURAS Não querer o brilho de fora,
colher o trigo de ouro que nasce em campos vindouros.
Pois seja o futuro o agora, no brilho que vem de dentro, na luz que anuncia o vento, na voz que sussurra a aurora.
Seremos um dia um só povo a semear só alentos, a respirar novos pólens, a tocar em toda Terra.
Todo braço um só abraço a enfeitar-se com flores pra colheita de ternuras. NORMA DE SOUZA LOPES(1971) poeta mineira, autora do livro de poemas Borda (Patuá, 2014) . É professora em Belo Horizonte, fez pós-graduação em educação comunitária e pós-graduação em mídias na educação. Para ela . “escrever é essa costura cotidiana quando posso tecer e juntar as pontas soltas da memória.” Escreve no blogue Norma Din: SACODE mantenha escondidos os círculos marrons (dos bicos dos mamilos) a fenda funda (das nádegas) não queremos ofender a honra da família mineira
pura que pariu ser livre é mais uma besteira que inventaram para te fazer sofrer seja aceita minha nêga seja a seita fundada por machos que acham que mulher descoberta foi feita para se abusar
ou não
ou abra com os dedos os lábios da buceta da buceta como homem que sacode o saco quando quer xingar
OUTRA ESTAÇÃO no guichê em letras garrafais lê-se ESTAÇÃO DA POESIA PÓS-MODERNA a moça atrás do vidro anuncia está atrasada, senhora sem bilhete, não pode embarcar perco o trem
parada na plataforma o corpo trepida o som das rodas atritadas nos trilhos afasta-se ecoa entre o olho e o artelho signos tremem
em casa aves noturnas palavras não me deixam dormir na sala um tear fios de insônia bilros para bordar nova condução outra estação para lugar nenhum
MAMÃE TRAZIA LIXO NA BOLSA às quatro e meia ela chegava era gari se a casa não estivesse limpa apanhávamos
trazia lixo na bolsa comida revista livro se achasse cigarros fumava se achasse terço rezava
mamãe foi a primeira ambientalista que conheci
A OLHO NU nem morta volto atrás sem óculos coloridos
aquele passado do chão do banheiro da área de serviço era esquisito
a olho nu não há beleza em ler ou comer lixo POLLYANNA FURTADO (1981) poeta paranaense, vive no Amazonas, formou-se em letras e especializou-se em linguística pela UFAM. Fez mestrado e é professora. Publicou os livros de poemas: Fractais e à margem da luz(2007), ABC da Floresta Amazônica, em parceria com Thiago de Mello. SUBLIME A multiplicidade de imagens polissêmicas e aliterações não preenchem o vácuo da insignificância retórica de toda falácia que preenche os espaços dos jornais e revistas as inúmeras notícias contidas e contaminadas nas entranhas da opinião pública toda signifícância impregnada de sofisma deliberado mastigados e impulsionados pelas ondas dos satélites e a fugacidade das informações que não compete com as limitações do cérebro biológico e a seletividade da memória humana das pessoas que vivem em zonas urbanas e não sabem o que fazer com a caótica concatenação de imagens e sons dos meios de comunicação.
A PRAÇA Distribuição de indigentes ignorados pela intransigência. Ignota discrepância de uma singular civilização. Desmedidos, censurados em larga instância, de uma força dividida, em dissipação. Expressão desenganada e corrompida, de um povo desiludido pela ganância. No ácido da ferida, absorvidos pela ânsia. Jaz um grito: dissolvam-se os parâmetros, recomponha-se o veredicto.
NA PELE Escrevendo na pele o gosto da paixão, deixei derramar no meu ser muitos dos teus anseios. Mergulhaste fundo, minha boca entreaberta, um refluxo selvagem. Olhos de fenda, minha ardente ilusão. Envolvido pela ternura, desperta-me deste sonhoi de estar longe de ti iluminando as trevas dentro e fora de mim.
É MEU Do outro lado de mim, eu estou olhando. Num espelho cindido, meu rosto é múltiplo e dividido. Do meu lado, eu não vejo. Quem me vê é o Outro que eu escondo. E no encontro com imagens difusas, o Outro não pode enxergar, os seus olhos são virtuais e eu tenho a ilusão de ser observada. Eu não me vejo de imediato. Vejo o outro de mim que é cindido e é fingido e desmorona a cada dia. Caiu um pedaço do eu que é louco. Peguei o inverso desta parte e colei e deixei que os outros pedaços se juntassem sozinhos, sem desprezo em remontar as imagens do abismo.
ÁDYLA MACIEL (1994) - poeta brasiliense, é microcroempresaria, produtora cultural e autora de dois livros Amin e os livros mágicos e Andar de passarinho. Também organizou a coletânea VOZ -poesia falada livro com a participação de 15 escritores de Brasília. VENTO DE AGOSTO A bruxa improvável que sou. Voa na fé de mim mesma Dirigindo numa vassoura A 200 kilometros por hora Se eu disser que vai chover A chuva cai. Se eu disse que vai nevar Se prepare para congelar Eu conheço bem o céu. E as minhas turbulências E antes de lutar com os inimigos Me primavero inteira Dou uma surra de pétalas Em quem não tiver perfume. Não sou anjo nem barata E vou voar assim mesmo Fora da asa.
REALIDADE Já amanheceu, vejo o sol pelo buraco da fechadura Mas não arrisco ver o dia de perto Abro a janela, e amarro as cortinas Meu quarto é o melhor lugar do mundo! Lá fora pode não ser tão ruim Mas o que eu vejo da janela do meu quarto Não é um sol no horizonte É um cenário ficcional Um carro capotado no gramado do congresso nacional Jovem e idoso assassinados na Ceilandia Crianças pedindo esmola por todas as bandas O que eu vejo da janela do meu quarto? óleos e poluentes vindo do Palácio do Planalto carnaval, sujeira, futebol, samba Bandidos fazendo famílias refém no Gama Adolescentes dando rolezinhos E mergulhando na falta de futuro Sem foco, na estrada sem caminho Os motivadores estão de greve E ninguém quer lutar Com medo de quebrar as pernas. Cadê aqueles que acreditam nas pessoas da quebrada Nas senhoras das favelas... Sou uma criança de colo O que pode me acontecer lá fora? Em Sobradinho BR020 caminhão capota Pessoas se afogam no viaduto da cidade Já amanheceu e tenho medo de acordar O que pode acontecer aqui dentro? Abro a porta, amarro as cortinas E com minhas luvas de boxe, entro na neblina.
ESP-HERANÇA O que nos acende e o que nos apaga São os nossos desejos e ideologias Ninguém está preparado pra nascer
Ninguém conhece o real segredo Do mistério indecifrável de nossa existência. Existe uma lei natural e inatingível
Mas se nesse momento você tiver audição Pare e ouça o assovio do vento É o cosmo paquerando sua vibração
Pega aquela concha antiga Pega aquela concha e põe perto do ouvido E Escuta o barulho do mar
O barulho do mar não é um barulho É um código, um dialeto. Como as cordas vocais dos elefantes
Comunique-se com o sol, com o vento Dance com as árvores Seja o que você quiser !
E quando sua carne apodrecer e desaparecer Feito um gambá atropelado na estrada Entregue sua caixinha de segredos para a humanidade
Lições, um punhado de amor, um legado de poesia e paz Quando morreres não se esqueça de ser eterno Eternize suas ideias influencie gerações
Como Drummond e Dumont voe em sua própria criação Comunique-se com as ondas, porque até a morte tem algo a nos dizer.
CHUVA DE RATOS Não sei se sobreviverei a essa chuva de ratos. Hoje levantei um guarda roupa com as mãos. Mudei meu sofá de lugar. Ontem a noite caí do beliche. Depois acordei na minha cama de casal vazia. Não sei se sobreviverei a essa chuva de ratos! Minha crise existencial é de uma delicadeza que dá nojo. E ninguém quer saber de delicadezas. E eu não gosto de palavras amontoados no lixo. Gosto de selecioná-las dentro de mim. Como quem cata os melhores feijões. Seleciono as melhores maçãs no pomar. E de tanto andar... Meus pés estão cremosos e sinto que pisei na lama. Não posso entrar no palácio com os pés sujos. E no laboratório da vida, me deparei com ratos de todas as espécies. Ratazanas e camundongos caindo do céu. E no escuro eu procuro o veneno para jogar no ninho das pragas. Como se fosse um pingo de água, senti o primeiro animal cair no meu rosto. E não sei como reagir ao chuvisco que já vem. Tenho mais que uma pedra no caminho. Perdi a chave de casa e tenho que enfrentar a chuva de ratos. Estou no relento.
Publicado por Rubens Jardim em 06/03/2017 às 19h03
17/02/2017 01h38
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(87 POSTAGEM)
ESTHER PROENÇA SOARES (1929) poeta paulistana, é formada em letras. Graduou-se também em artes cênicas na ECA e freqüentou aulas de dança com Klauss Vianna, Maria Duschenes e Ivaldo Bertazzo. Já trabalhou como arte-educadora, professora de etiqueta e expressão corporal. Seu primeiro livro de poemas, Disco de Cartolina foi publicado em dezembro de 2016. ALGORITMO Eu sou a soma do que sou mais o que não sou aniquila-me o deserto entre o meu ser e o meu não ser emparedado.
É imensa a minha sede mas o cantil está furado
RECEITA Para fazer um poema não basta empilhar versos resgatar um sentimento ou lamento
Para fazer um poema seduzo incoerências o jogo de sombra e luz cadência desarmonia malemolência das rimas o verso longo e o curto ritmo e melodia
Para fazer um poema invoco transgressões abraço o caos das palavras o desafio das formas ebulição visceral me paramento provoco o sequestro da alma em seminal quietude e o menos que é mais e o demais que é essência é chuva sideral Fazer um poema é epifania trabalho transpiração velas acesas estado de graça braços, abraços
Fazer um poema é celebração DOIS TONS Há luzes sempre acesas em quartos de hospitais e choros tristes de crianças dentro da noite --bem sei Há putas tristes debaixo de lampiões e poetas famintos aos pés delas --bem sei Há cânceres minando fígados e mentes e cárceres formando mentes dementes --bem sei mas nada é mais triste agora do que esta negra madrugada entre as quatro paredes brancas do meu quarto BÁLSAMO Eu ando agora a cultivar poemas palavras lindas que me assaltam com doçura Mesmo cruéis trazem o som da realidade me envolvem com ternura
Eu faço amor com elas e engravido-as fazemos filhos puros e amorosos, imaculados versos que me devolvem o passado envolto em fantasia quando os releio
Sinto que a barca se aproxima e a Amiga me convida cantando docemente voz de sereia que me embala e cala minhas dores e saudades
Preparo-me tranqüila e enquanto ela não chega e eu não embarco escrevo estes poemas estas falas de amor e gratidão
Enquanto há vida nos meus tempos e momentos me aninho nas palavras das poesias nos poetas que um dia me encantaram e ainda calam minhas dores e tristezas
Vocês, o’ meus amados, sempre ao meu lado, abençoados são e serão sempre. ESMERALDA RIBEIRO (1958 ) poeta paulistana, é escritora afro-brasileira, jornalista e faz parte do Quilombhoje desde 1982. Tem atuado nos movimentos de combate ao racismo e na construção de uma literatura Negra. Publicou poemas na revista Cadernos Negros. VOZES-MULHERES A voz da minha bisavó ecoou criança nos porões do navio. Ecoou lamentos de uma infância perdida. A voz de minha avó ecoou obediência aos brancos-donos de tudo. A voz de minha mãe ecoou baixinho revolta no fundo das cozinhas alheias debaixo das trouxas roupagens sujas dos brancos pelo caminho empoeirado rumo à favela. A minha voz ainda ecoa versos perplexos com rimas de sangue e fome. A voz de minha filha recolhe todas as nossas vozes recolhe em si as vozes mudas caladas engasgadas nas gargantas. A voz de minha filha recolhe em si a fala e o ato. O ontem- o hoje- o agora. Na voz de minha filha Se fará ouvir a ressonância o eco da vida-liberdade. E AGORA NOSSA GUERREIRA Em memória da tia Vanda Lopes dos Santos Quem em sã rebeldia tira a máscara esculpida na ilusão de ser outro e não ser ninguém
Quem em sã consciência joga fora o veneno guardado no pote da vida, sem derramar uma gota no copo da gente
Quem inteira, completa deixa a poção afrodisíaca untar o céu dos lábios sem medo de heresias
Agora mãinha quem olha no olho da noite à procura dos filhos como as mães da Praça de Maio No apogeu da madrugada
os frutos do exemplo são verdes na hora da solidão a gente te aguarda no portão
Ninguém vai pra Bahia desfazer a nossa desunião nem vai a roça cultivar a nossa cor
E agora Ekédi de Oxalá quem enxuga o nosso rosto quem ampara o nosso tombo quem vem nos abraçar. OLHAR NEGRO Naufragam fragmentos de mim sob o poente mas, vou me recompondo com o Sol nascente,
Tem Pe Da Ços
mas, diante da vítrea lâmina do espelho, vou refazendo em mim o que é belo
Naufragam fragmentos de mim na coca mas, junto os cacos, reinvento sinto o perfume de um novo tempo,
Fragmentos de mim diluem-se na cachaça mas, pouco a pouco, me refaço e me afasto do danoso líquido venenoso
Tem Pe Da Ços
tem empilhados nas prisões, mas vou determinando meus passos para sair dos porões
tem fragmentos no feminismo procurando meu próprio olhar, mas vou seguindo com a certeza de sempre ser mulher
Tem Pe Da Ços
Mas não desisto vou atravessando o meu oceano vou navegando vou buscando meu olhar negro perdido no azul do tempo vou vôo ENSINAMENTOS ser invisível quando não se quer ser é ser mágico nato
não se ensina, não se pratica, mas se aprende no primeiro dia de aula aprende-se que é uma ciência exata
o invisível exercita o ser “zero à esquerda” o invisível não exercita cidadania as aulas de emprego, casa e comida são excluídas do currículo da vida
ser invisível quando não se quer ser é ser um fantasma que não assusta ninguém quando se é invisível sem querer ninguém conta até dez ninguém tapa ou fecha os olhos a brincadeira agora é outra os outros brincam de não nos ver
saiba que nos tornamos invisíveis sem truques, sem mágicas, ser invisível é uma ciência exata mas o invisível é visto no mundo financeiro é visto para apanhar da polícia é visto na época das eleições é visto para acertar as contas com o leão para pagar prestações e mais prestações é tanto zero à esquerda que o invisível na levada da vida soma-se a outros tantos zeros à esquerda para assim construir-se humano. LENITA ESTRELA DE SÁ(19 ) poeta maranhense, é graduada em letras e direito, com pós-graduação em linguística aplicada ao ensino de línguas materna e estrangeira. É também romancista, contista, dramaturga e roteirista. Publicou varios livros premiados. Em poesia, o último foi Pincelada de Dalí e outros poemas(2015) Prêmio Sousândrade. SOBRADO DA RUA DO TRAPICHE Nem o musgo é capaz de trespassar a angústia que os cômodos vazios exalam ou mesmo as roupas penduradas na sacada disputando luz com insetos e lamúrias. Ali as horas se encantam em fermentar o ócio de tudo o que se move e ainda pulsa. A vida só espera um pouco nos meninos que soltam papagaios. FLUXO Sobre os telhados, quase tudo passa soprado feito folha para o esquecimento júbilo e pesar, tristeza e gozo a palavra nunca encontrada para dizer à exaustão a dor que carregamos. Só a possibilidade do amor não envelhece porque atravessa o limo, desconhece o tempo e tinge de encanto o que supomos morto. FILOGENIA Vestígio de avós, enigmas de renda Colares de contas, bilros, bordados Mar que se cruza, adivinhação. Não sei fazer doce de espécie Pago impostos, reclamo direitos Não nasci em Itabira, mas luto com palavras Não tive ouro, não tive gado, não tive fazendas E, vez por outra, preciso ser dura, de mármore Sensível ao mais ingênuo risco. CRIADA Na sala da repartição a meu alcance uma caixa de clipes, processos em pilha ofícios, relógios, olhar que flutua. Se o chefe saísse, talvez um verso brejeiro entrasse pela porta um verso gaiato, que me seduzisse logo no primeiro sopro e fosse ganhando o papel com o pedantismo de sempre. Mas o verso não entra, ao contrário, prefere espalhar-se pelas bananeiras, pelos varais carregados de camisas cáquis dos vigias noturnos do bairro acinzentado visto da janela. Vício que esse verso tem de me atormentar para depois de muito persegui-lo, encantada e servil, me ordenar que lhe dê vida. KARIN KROGH (1972) poeta paulista, é formada em farmácia e fez mestrado e doutorado em biologia molecular na USP. Já viveu em Diamantina, São Luiz e Ribeirão Preto. Atualmente mora em São Paulo, tornou-se contadora de histórias e publicou seu primeiro livro infantil Dondila e Jurema (2014). Insídia (2016) é seu primeiro livro de poemas. INFANTE Aconteceu bem antes da Luciferase, quando o vagalume acendia a bunda e iluminava a infância; aconteceu bem antes do arranjo A,C,T,G em dupla hélice, quando eu havia puxado os olhos do meu pai; aconteceu bem antes do Rivotril, quando o coração acelerado era paixão escancarada; aconteceu bem antes da bateria de Lithium, quando eu corria pelas ladeiras de Diamantina; aconteceu bem antes do Protex, quando lavava as feridas com água e sal; aconteceu bem antes do Prozac, quando permitia sentir a mornura das lágrimas. POEMA DO ÚNICO DONO O suor dedilha minhas costas. Pequenas patas de besouro. Débil na escalada dos alpes de minhas nádegas, ele retorna e encontra suas mãos sujas de tinta óleo. Na inércia do pós-êxtase seus cabelos de nanquim formam caminhos no travesseiro florido. Sigo com os olhos cada um deles até encontrar a paleta de cores Seu corpo A ARTE DO SUFODCAMENTO Tomei posse do seu pescoço. Colar de palmos. Gargantilha de dedos. Hipertrofia dos meus bíceps na sua carne. Rios e seus afluentes enchem de vermelho a sua esclerótica. Agora é só minha luz na sua pupila. Atravessa o cristalino em impulsos eletroquímicos. Somente minha imagem navega até suas células cerebrais. Nesta fração de segundo, sinto o tremor que me negou durante o gozo. Rigor mortis. O TEU TRAVESSEIRO A teia negra dos teus cabelos contrasta o branco da falta O cheiro vencido do xampu se une as marcas rançosas de sua baba Respiras pela boca como se quisesse engolir o mundo Toca a maciez do algodão egípcio com seus ouvidos como se ouvisse o detrás da porta Marca o peso de tua cabeça carregada de fardos O amarelo do teu suor abandona-se na antes alvura Dorme o sono tranquilo da tarja preta com álcool.
Publicado por Rubens Jardim em 17/02/2017 às 01h38
24/01/2017 23h38
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (86ª POSTAGEM)
ELISANGELA BRAGHINI (1972) poeta paranaense, nascida em Brasilândia do Sul, é formada em direito e advoga há mais de 20 anos. Já morou em Ariquemes (Rondônia),Maringá, Curitiba e atualmente vive em João Pessoa. Fez pós-graduação na ESMAT 13, Escola Superior da Magistratura Trabalhista da Paraíba. DESPEJO Dissipo-me dos trajes que ontem usei no circo Meu humor mudou-se com eles
fora de mim não minto nem faço rir enxergo a nudez apática que soa sátira mas é dor
Limpando a falsa lágrima maquiadamente escrevo livro-me em público - entre as capas entre aspas que não me contém
andando leio o livro com outra face
enquanto aguardo - absolvo-me no cálice e não calo - o poeta livre andar errante educadamente a arder-me os olhos queimar-me a pele cremar-me a carne incinerar-me os ossos a pó
calcificar-me em lava ou lavrar-me após a chuva ácida as páginas em branco
LAPIDANDO Esse homem virgem às vezes me sorri em verso Devorando-me em vertigem
No novo universo em voo liberto como sempre quis sussurro em meu canto!
Em tudo o que diz Mina raro o amor em inesgotável fonte um lapidado diamante...
Ele, intransigente Intransitivo Indireto verbo de um tempo que não existe: Deixa passar! Deixa pra depois! Espera o olhar por nós dois...
PORTA-RETRATO Ao amor não assiste perguntas ou respostas
de joelhos agradeço mendigo palavras que auroram poesia
engasga-se revelando-me o futuro seu silêncio místico...
linguagem de sinais copio incompreendido nas mensagens o socorro garrafas lançadas ao mar naves sem rumo
em desconhecidas órbitas sigo (estrelas que não existem)
enquanto a ampulheta traga o deserto de rosas
na praia o milagre do tempo espero sem medo revolto o mar navego
repousa tranquilo em meu colo autorretrato vitrificado o desejo explícito seu olhar salgado
COMBATES Travo guerras amorfas não sangram jornais antes rasgam palavras
silenciadas distantes telas bloqueio - as pálpebras no cristal
óleo de peroba derrete-se nas caras de pau nas peles - arranco dos cordeiros que uivam - verão aquecem meu inverno
Crio nos amores que invento belos/deliciosos/sevados os sirvo à ceia que sacia
digiro-os enquanto sonho à aurora descarto-os na descarga
doida raiz aprisiona-me refém do silêncio abusa-me! JULIANNA MOTTER (19 ) poeta brasiliense, é jornalista e estudante de filosofia. Colabora com os sites Entre-Vistas, Homo Literatus e também participa do coletivo de poetas Ex-estranhos. Mantém desde 2007, o blog http://comascartasnamesa.blogspot.com. Publicou o livro de poemas De carne e concreto (20 ). 3 Foi bom e foi lindo desejei eterno foi suave então pesou e revelou-se findo. Finalmente, te esqueci. Antes tarde do que nunca. O precisar esquecer é um relembrar constante. Mas se antes arde, depois nunca 17 fica um borrão uma lembrança os resquícios uma fotografia desfeita em pó de um gosto bom fica a caneca a xícara o copo que seja um objeto ainda quente como um espaço uns lençóis suados na cama o cheiro nos lábios entre os dentes pintado na língua na ponta dos dedos a presença feita ausência de um amor requentado que nem café
POESIA URBANA te reconheço na rua te recomeço na cama A CURA DURA DURARÁ ser presença onde a ausência te emudeceu
abraço apertado na noite fria abraço calado na cama vazia
silêncio e pó
silêncio e só
juntos justos tão apertados que é preciso prender o ar para caber que é preciso ficar sem ar para soltar
ser colo ser céu e ser seu
ser chão onde os pés lhe faltarão
a cura dura durará
a carne fraca nos sustentará CARINA CARVALHO(1989) poeta paulistana, participou da antologia poética É que os hussardos chegam hoje (2014) Seus textos estão em algumas revistas digitais . Publicou seu primeiro livro de poemas Marambaia em 2013 e foi uma das selecionadas na categoria de poesia do II Prêmio Ufes de Literatura (Edufes, 2014) O PORO A PELE antigo afeto que lhe ofereça toques moles, comedimento nas conversas, um afago cru . mas não, jamais quis morar em peito tão vago e sem janelas abertas fazer barulho raspando o fundo levar do doce o que lhe é mais íntimo; degustá-lo nu DO ESPANTO esquecer conceitos num branco total: do que falas é o que menos escuto só me fixo em ignorância e sorrio, sorrio
[havia uma canoa de carcaça gasta à margem, um cão cinzento ao lado de sua base e vários mosquitinhos fazendo dança acima do focinho pintado. ele farejava o camarão, mas os grandes olhos mantinham-se vidrados na ronda de insetos pairando]
os grandes olhos... os teus são miúdos, tão escuros
espantada percebo que perdi o discurso e te sorrio de novo para prosseguir caçando pérolas aos poucos ........................................................................ diz o musgo: nunca, nunca se arrisque em trilhas isso de cutucar vespeiros vai empolar tua vida na volta
ir falando (muito eloquente) de litorais, espantar moscas com as braçadas mais notáveis e cuidar para não chorar baixinho a ardência da pele quando cair a noite
um minuto que fraquejei e me botaram num escafandro sem espaço pros braços QUE PERMEIA UM CASULO a casa é que estala tardes longas de azul pálido na mudez do corpo estendidas – as tardes – num varal que zumbe, por exemplo, o som vago da carne, desse pouco que é o corpo. que é o corpo? . outro dia uma movimentação tão fluida escorria (não estalava nem estendia), escorria uma movimentação tão fluida outro dia, que, meu amor, o sentido de tanta moradia não escapou por pouco KAREN DEBÉRTOLIS (19 ) poeta paranaense, escritora, jornalista e performer. Gravou o cd de poesia “A Mulher das palavras” (2009) que deu origem a um espetáculo que tem circulado desde 2009 por vários espaços púbicos. Publicou: Guardados(2003) A Estalagem das Almas (2006) e Prosa de Palavras (2012). a falsidade causa transtornos indesejáveis a falsidade causa acidez no estômago a falsidade causa um rombo na alma a falsidade causa calafrios de assombro a falsidade é desonesta a falsidade é a antítese do amor a falsidade é muito mais que o ódio a falsidade, cheia de empáfia, vaga pelas ruas a falsidade, arrogante, abarrota os auditórios a falsidade, ignorante, disfarça-se com seu pince-nez a falsidade, amável e sedutora, deita-se ao seu lado a falsidade, chama pelo seu nome e dorme o sono dos justos DESAPARECIDO sou o seu duplo o invisível nos escombros do self a sombra por detrás dos espelhos o desapercebido que passa como um vulto uma sensação apenas um frio na espinha
silenciosamente
esgueira-se pelas beiradas confunde-se com os restos de papelão em frente às lojas de departamento recosta-se nas colunas das marquises com medo e frio e observa o mundo com a lucidez da realidade
solitariamente
ALICE E O ESPELHO Ontem de manhã quebrei o espelho e Alice foi embora pelo vão da árvore como não era de costume e antes que sem Alice eu me acostume disse hoje de manhã não compro outro espelho
TRATADO SOBRE O SILÊNCIO O silêncio dói muito mais na pele do inimigo que o grito. Pousa, assim, cálido, como uma resposta sem pontuação. Deita suave nas concavidades do ouvido. Desconserta. Hospeda pulgas atrás da orelha. Arma afiada Toque lancinante Estratégia zen Linguagem dos deuses da arte da guerra Publicado por Rubens Jardim em 24/01/2017 às 23h38
19/12/2016 20h48
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (85ª POSTAGEM)
RAQUEL GAIO(19 ) poeta carioca, é atriz, bacharel em letras e performer. Em 2011 lançou o livro de poemas O Exercício no Mundo com Luis Alexandre Louzada e Denise Fraga. Foi publicada nas revistas Um Conto, Diversos Afins, Estrelas Vagabundas e Zebra, estas duas últimas pela UFRJ. eu, novamente, preparo o café da manhã enquanto você arranca meus cílios. vou me desfiando falando pra você não correr assim tão depressa sobre o meu deslize. você ignora meus ruídos e arranca uma flor do meu ventre.
(-você não ouve minhas pernas- e seu jejum rapta meu sono)
Tenho nas manhãs em que passo com você, uma imprecisão na medida do café. .................................................................................................................. tem um rinoceronte no meu pátio que me flameja toda noite
não há metáfora que sustente meu quadril dolo encardido que ensurdece os ossos como uma mancha. tenho entre os dedos um crucifixo pagão que me faz sangrar como eu sempre quis. novena que entorpece.
as horas no meu corpo são como escombros, altares perdidos no oceano. .................................................................................................................. como uma faca que abre a manhã tenho os órgãos completos de anoitecimentos. borboletas jantam minha boca espessa e me abrem com pedidos graves.
inauguro leitos e esquinas e guardo no sutiã um discurso escuro. meus seios se esgarçam se esquivando do cheiro que ficou encarnado, mas encontram quinas. então o músculo a noite escorre como grade nas palavras que parecem ter a potências das pedras.
recosturo o mamilo com a mesma faca que abre a manhã e a reinvento flor fome demência e me danço e me acho no dentro de uma borboleta ensopada .................................................................................................................. o odor entre minhas pernas , meu diálogo mais esquizofrênico, denuncia minhas velhas pegadas. uma alcova fertilizando promessas uma altura encardindo meus excessos . o óleo que produzo rasga minha língua e mancha a memória dos meus tornozelos. ando manca pelas redomas de tua igreja, pelas profecias atônitas de uma virgem. o sangue que me jorra me reduz a um beijo pontiagudo. escombros em precipício. carne que não envelhece. teu tempo é grave e minhas pernas querem deter tua fuga. nuvem cigana. alçar voos de serpente lambuzar esse fingido diálogo beber nosso líquido numa catedral sem deuses.
costura de uma noite pagã.
MICHELLE C BUSS (19 ) poeta gaúcha, nascida em Jaguari, interior do Rio Grande do Sul, vive em Porto Alegre desde 2007. É graduada em comunicação social pela PUCRS e atualmente faz o curso de letras na UFRGS. Começou a escrever poemas ainda quando criança. Publicou os livros Mosaicos (2014) e Sal, topázio e mercúrio ( 2015) Há coisas que não cabem em um poema: a suave ondulação que se desenha na superfície da água quando a cigarra gentil se molha. ................................................................................... Percorro ....................................................................... Quando os doze livros forem escritos vinte e duas de minhas vidas serão mortas. E a força titânica que me prende a roda romperá. Eu serei fagulha dourada, leve entre constelações o céu, azul profundo, molhará minhas mãos e pintará meu rosto. Conexões e fluxos. As mãos da tecelã divina voltarão. Silenciarei Serei silêncio Energia cálida que pulsa ascende essência. BALADA DAS DUAS DA MANHÃ entre eu e você já nasci estragada estrela contrária madrepérola de sal havana capitalizada
não importa o que eu faça o que mude ou a música que cante pra você algo sempre falta em mim
cafe moído com açucar demais o certo na hora errada grão de milho extraviado na caatinga muito sono pra pouca noite a verdade que ainda não é verdade coração que não bate amor
não importa o que eu faço o que eu sou
nunca boa o suficiente suficientemente desamada desarmada entre sorrisos bobos amanhecendo longe...
longe não importa JÚLIA DE CARVALHO HANSEN(1984) poeta paulistana, graduou-se em letras pela USP e é mestre em estudos portugueses pela Universidade nova de Lisboa. Seu primeiro livro , Cantos de Estima, (2009) teve duas edições de materiais, tamanhos e tiragens diferentes. Publicou também Alforria Blues ou Poemas do Destino do Mar,(2013 ) e O túnel e o acordeom (2013) Temes a noite onde os nomes não se registram nos radares e as palavras como joelhos afastados pela mão de outro são caixas-pretas boiando no mais marinho dos oceanos.
Um avião cruza os ares em direção a um batizado. É o seu eco que cola as sílabas umas as outras rejuntes de significado, amálgamas do esquecimento.
Se só pensas em assentar as mais corretas, maneiras de permanecer, feito cal, espalhado pelas espáduas trêmulo cimentado teu coração, um canteiro de plantio para as alfaces – soníferas e insípidas – do cotidiano. De ti, só poderei aceitar atrelar-me, como um mexilhão.
Agora sou na tua rocha. E de mim se aproxima outro, que os passageiros não alcançarão. Age antes de querer com todos os olhos de quem nunca tinha tocado bivalves sem enciclopédia ou Discovery Channel feito um miúdo se maravilha, ama as pérolas, sabe bem mastigá-las com os dentes até parti-las.
Como eu, um dia, também contigo, tentei. POEMA DO DESTINO DO MAR Acordei em Lisboa com o barulho de abrirem um lençol molhado no céu e tentavam arrastar as colinas para o rio. Ao meu lado desenhavas as linhas de um mar apavorado mas grande demais para fugir.
Guardo junto a outros. Tudo o que me importa. Há uma caixa ali, do lado esquerdo de quem está comigo, onde estão aos quantos instantes iguais gravados nas milhares de fotografias digitais pelos turistas no mundo agora e eu. Tão madura, tão rude, inconstante cinqüenta mil doçuras que te apavoram cinqüenta mais cinqüenta mil e duas paisagens com uma pessoa em frente ícone, um totem do igual queimado pelo vermelho do sol.
Ou que quer dizer isso? Esse lugar que desaparece com uma chuva-fria os quatro dias dados aos combatentes do entretenimento seus pés que incham, desacostumados a andar e clicam. Para a tia que ainda existe, uma empregada atenta tua mão distraidamente na varanda da minha mão. Como o vento grava em uma roupa um alvo é só um vulto. Que quer dizer isso? Um beijo dado mais tarde. .......................................................................................................... Tenho sido entregue às mais escuras das noites mudas. Que posso eu? No entre desses espinhos? Ando tão baixo quanto as formigas mas se arbusto não sou por que tenho vivido eu coberta de espinhos? Da queda fez-se um ninho maceradas folhas de sombra abrigam o meu corpo. É o esquecimento da terra. Mas por que, por que vesti-me de espinhos? Si soy el temblor, o lugar onde o trovão diz EU é o meu peito alargado. .................................................................................................................. tá, me deixa mas vou te falar uma coisa bem sincera já que o nosso amor vem de outra era a baliza desta é a espera tá bom o vínculo deixa eu te dizer vou ser bem sincera não, não é a primavera eu ligada assim em você é que não existe mais nesta esfera o que eu procure de nós dois nada nada a temer não tema que ainda sobre que ainda falte que ainda haja o que dizer que ainda se elabore o ainda a minha fera é tigrada fingida a minha bala migrada eu atingida sou um espelho que se espelha em cacos de um espelho espelhado migrarei para dentro do espelho e vou renascer em lago eu não consigo te dizer o que estou procurando dizer em ti um alicate uma tesoura um nunca mais por favor não diz nada que me meta objetivamente numa coisa objetiva o objetivo o objeto o obtido o bocejo sim eu estou por todo o lado e por todos os lados eu estou sem você BÁRBARA BENTO(1993) poeta alagoana, é formada em magistério e é bacharel em serviço social pela Universidade Federal de Alagoas. Atualmente publica periodicamente na revista Alagunas e em sua página do facebook que tem por título Doce Intuição de Vênus. Vive em União dos Palmares, terra natal de Jorge de Lima e de Zumbi. O SILÊNCIO O silêncio é a descoberta, O silêncio é um corte, O silêncio é uma ferida aberta É a afta na ponta da língua, É o veneno guardado na cauda, É o passo sorrateiro, É uma garganta inflamada É o afago do incompreensível, É a agonia do doente, É a paz pra muita gente, É a rebeldia na tortura, É um coágulo no corpo, É a inibição da tolice, É a resposta inteligente, É o medo da mesmice, É o ápice da coerência, É a falta de vontade É o alarme pra desgraça É a armada da usura, É quem mais diz quando não fala. PALAVRÃO A palavra é uma dor no nervo ciático, É um tiro de raspão, Que fere, mas não mata A palavra é hepática, Causa pena e comoção, É um pensamento ricocheteado, Que cai na boca do mundo Ora como riso, ora como choro A palavra é dona do próprio nariz E sai agalopada de um coração venenoso Mas no último suspiro é só ela que salva, Ainda bem que os mudos também falam. Palavra é um desejo despercebido, um sentimento desavisado, É um cisto que precisa ser retirado, senão incomoda, que nem cisco em lente de contato. INVERNO Na vida, o risco Na boca o grito No olho, um cisco No quarto, suspiro A noite, chuvisco. CORPO VIOLADO A letra morta A voz, Atroz, Feroz E o gosto embebecido A mosca que voa frenética, A ferida enrijecida O cheiro desavisado Os passos de bota O sangue vivo A carne exposta Bate com força e mata As esperanças As paredes A lâmina em vermelho vivo Como os lábios escarlates E a lingerie violada Tem cera de vela na mesa E no chão a moça morta. Publicado por Rubens Jardim em 19/12/2016 às 20h48
29/11/2016 00h57
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (84ª POSTAGEM)
KÁTIA BENTO (1941) poeta capixaba, cursou enfermagem no Rio e fez parte do grupo AdVersos até meados de 1972. Participou da antologia Las Voces Solidárias, Buenos Aires (1978) e conquistou destaque com vários poemas-postais. Publicou: O azul das montanhas ao longe(1968), Principalmente Etc(1972), Contrafala(1980) e Romanceiro de Amuia(1980). NOSSA SENHORA DA TELEVISÃO Esta imagem entronizada na sala manda que cales.
Com sortilégios lança quebrantos - luzes que tonto comes e bebes.
Ela decide teus gestos, dita o prato do dia - te veste e doma
:esta imagem fria da redoma.
LINHA DA VIDA A vida se desenrola no dia a dia entre os dedos - meada frágil/arisca fio que mal contido/à mão se solta/esvoaça.
Então se converte em calos o ato de reavê-la - dias a fio enrolá-la, fina linha em carretel. Retê-la, no incessante gesto que vinca a pele.
Então se converte em luta o jogo de atar à palma da mão, a linha da vida - entre a tatuagem do corpo e o sopro vário do vento.
VERBO SONEGAR Na declaração de bens ninguém conta a árvore que tem.
No imposto de cada ano se escreve a casa, o terreno.
mas fica em claro o espaço da flora que não se declara -
omissa a linha vaga da árvore que se sonega.
Na folha do documento não se lê flor galho tronco -
o amorável bem imóvel se oculta em silêncio e trinco.
Homem de bem, ninguém, ao fisco, preto no branco,
põe esse verde a limpo.
O VENTILADOR Com todas as letras espalha-se o vento.
e se pronuncia sutil movimento
:cabelos flutuam papéis esvoaçam
as coisas em leque dançam no espaço
Mas vem uma pausa na eletricidade
e o sopro suave já nada ventila.
E a dor outra vez é a súbita sílaba
que pousa na pele se finca e fica. SILVIA ROCHA(1958) poeta paulistana, é formada em jornalismo e mestre em comunicação social pela ECA. Praticante do haikai, participou de antologias e já venceu o concurso de poesia falada da revista escrita(1987). Ministra oficinas de haikai e já publicou Estação Haikai(1988) e Gestação Haikai(1990). sem ninguém sem vintém como ser zen? ...................................................................... flores de maio no meu quintal lavado gotas de orvalho .................................................................. solidão não te come não te mata te retrata ....................................................... meus guias do além me guiam além ........................................................... sopro de vela me leva me vela .............................................................. curta a vida é curta .............................................................................. crescer dói não crescer destrói LÁZARA PAPANDREA (1965), poeta mineira, é formada em história e pós graduada em teoria literária. Coordenou até 2011 o grupo Café com Poesia e Arte, que ainda faz apresentações regulares no Museu de Arte Moderna Murilo Mendes. Publicou o livro de poemasa Tudo é Beija - Flor(2016) Vive atualmente em Juiz de Fora. Amo absurdamente O chão sobre a casa O telhado dos dias escassos Enterrado a sete palmos Rasos. Quando encero meus olhos Ainda ouço passos. Os fantasmas agora me amam Também absurdamente. E me chamam. E me chamo sarcasmo.
NOS CONTORNOS DA MÃO no contorno das mãos um destes silêncios não gestados
nos dedos cerrados imprestáveis girassóis emprestados à manhã que tarda a esconder o sol
aprendo a me esquivar dos boatos [com os gatos]
amuo amo amuados miados
meus punhos tão fechados!
CRISE HÍDRICA seco o corpo o copo o vento o medo a rua o alento. secura de não dar enredo de não poder poesia de não saber candura. seco feito placa dura de cimento num esquecimento de séculos. seco, e nossos dedos rígidos de pecado e dádivas. ............................................................................... você me diz que a morte é regra nem me despedaço! não acredito não quero. se essa for a grande verdade me cego me chago me sangro me esmero para não acreditar. não será essa a cilada. não será esse o tango a dançar. não agora nem nesse lugar de demoras no seu quadril.
MELINA FLYNN (19 ) poeta japonesa, nasceu em Myioshi, Japão, mas passou a maior parte de sua vida no Brasil. É atriz, escritora e tradutora. Gosta de cinema, fotografia, música, literatura e escrita. Canceriana é descrente de signos, novelas, futebol e religião. Explica o escrever como o expectorar. Não escreve para que se entenda e sim para que se sinta. Publicou o livro Amores Brutos (2011)
Não se iluda não que eu te fascino pra te ter depois te engulo e te cuspo porque não quero mal pro meu corpo viro bicho boca vermelha olhos negros eu quero tudo que me faça mais forte felina ferina fera se digo que sou tua é pra fazer pose não sou moça não tenho postura sou vaidosa eu não sumo eu somo me lanço avanço em ti provoco em mim uma revolução pra depois contar história ter as marcas e os gostos os sotaques e os trijeitos pra ser várias até achar uma que me convença
NADA Estou descalça taça na mão e uma gota de vinho em meu seio. A cidade me estupra e por dentro me soa um alarme: ou me salvo ou morro. MISÉRIA As gentes me ferem quando falam de si e eu me ponho em soluços porque sou demais minha e sei tanto de mim que é como labirinto: já não tenho saída. A suficiência não está em se pintar por fora pra se fingir por dentro assim estou crua de pés pelados arranquei a roupa da vontade e me coloquei pra descansar entre lençóis brancos sentindo teu cheiro de chuva pedi antes que me levasse pra casa me desse um filho e três dias te olhando de graça. Acabei entreaberta me esfregando na saudade.
DESLINDAR são quatro e trinta da manhã sozinha dez horas o sol me esmurra a cara sozinha café ração para o gato banho jornal sozinha um pouco de fome e náusea migalhas na mesa cabelo esvoaçado (me dá a tua mão) triste é me ver assim e nem vejo mais não passo pelo espelho não lembro mas me arrepiam os poros quando penso sozinha: escrevo só pra te tocar. Publicado por Rubens Jardim em 29/11/2016 às 00h57
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