09/11/2016 13h16
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (83ª POSTAGEM)
ANA NEUSTEIN (1943) poeta mineira, cursou filosofia na PUC, em São Paulo, cidade onde vive há muitas décadas. Filha do poeta Dantas Motta, conviveu no meio intelectual, escreveu e guardou seus escritos por quase 50 anos. Só recentemente, seguindo sugestão de amigos, resolveu divulgar os seus escritos guardados. Eles foram selecionados e reunidos no livro Poemas(2012). ESPERANÇA A esperança é tirana Anda mal acompanhada Passeia com doenças e infortúnios Proíbe-nos de olhar o irreversível Adia os finais É brasa encoberta Cega suas vítimas É agente dupla Conhece técnicas de tortura Enfeita as dores Esconde a morte Promete o impossível Mas... é vital como o Ar É verde Esmeralda bruta e bela. VISITA Diga que sou bem-vinda e me ofereça um café Quando a colher girar na xícara Ela se transformará numa caixinha de música E a colher numa bailarina. NOITE A noite é casada Junção de fora com o dentro Do anjo e do demônio A noite tem seus sons e seus habitantes Estalidos, miados,passos e mistérios Está eternamente grávida E eternamente dando à luz A realidades sem nomes Que vivem perto do amanhecer. PERDA Você sabe? É claro que você sabe Toda perda é como um caroço de abacate. Não passa na garganta. Só resta colocá-los na água Pra ver se brota. FLÁVIA PEREZ (1968) poeta carioca, é formada em biologia, com mestrado em Microbiologia Agrícola. Vive em Campinas.Participou de várias antologias (Bar do Escritor Terceira Dose, Quinta Barnasiana, En la Otra Orilla del Silencio (Mexico, 2011), Vide-Verso. E publicou os livros Leoa ou Gazela, Todo Dia é Dia Dela(2009), Poesia se Escreve com T(2011) e AntropoFlágica. modos Na mesa e no meio das gentes, DROGA Essa paz de mãos dadas passeando na calçada que você espera, também quero.
Quando for velha!
Por ora dê-me o prometido pirâmides, xamãs, chamas, viagens de hipogrifos.
Indisciplina, dê-me agora que seu verbo absinto em mim arrepia e me desnorteia.
Quero você latejando no meu pulso, injetado na veia.
Dê-me logo essa droga de você! RHODES Ele é enorme e aperta o corpo -pedra- contra o meu. E me machuca. Ele abre o zíper e esse Colosso de pé na entrada da cidade assusta um pouco. Mas eu avanço. É que o gigante fala coisas no diminutivo (- bucetinha, bucetinha, bucetinha...) em meu ouvido. Então me rendo. -Acho que não sou boa da cabeça- ESPECIARIA À espera submarina do peixe-dos-terremotos, ela sonha seus versos toscos:
alegorias escondidas em margaridas sulferinas e antigos signos mortos.
Lá no fundo do barco, nos porões do que foi, estão seus olhos de ontem.
Esses velhos marinheiros repetem o fog sob os cílios.
Incrustados, não reconhecem cenário, pátria, ilha ou parada, nem quando veem os filhos.
Com lentidão de sereia, a mulher que desveste o espelho à boca soma acalantos.
E guarda que nela se afoguem outros lábios vermelhos, inchados de tanto prazer e pranto.
AUREOLADA Eu tão anjo tenho andado que em mim nasceram asas.
O que me perde pro céu é esse meu grande rabo endemoniado e minhas coxas grossas...
NÃO CULPEM NELSON Eu sou um INA 38 na sua gaveta embrulhado em lingerie de renda preta.
Sou puro sangue e desatino: Nelson Rodigues filmado por Tarantino. CYELLE CARMEM (1978) poeta paraibana, formou-se em Letras em 2003 e concluiu o mestrado em Literatura e. Cultura pela Universidade Federal da Paraíba em 2006. Lecionou lingua portuguesa em cursinhos preparatórios para concursos e trabalha, atualmente, como editora de uma revista acadêmica. Publicou Luzes de Labirinto(2010) e (Uni)verso (2012) DO SENTIDO O que sinto não precisa de permissão Não precisa de casa Não preciso de sopro ao ouvido.
O que sinto vive do ar da brisa distante. Vive de um retrato antigo Vive de uma palavra gasta.
O que sinto não precisa de estrada Seu atalho foi coberto pela mata Seu riacho há tempos está extinto.
Não precisa de papel contrato Não precisa de luzes acesas. Sobrevive do silêncio do escuro Da grade trancada a sete chaves.
O que sinto não precisa de autorização Sobrevive sem um pedaço de pão.
O que sinto não precisa de vida ou de morte Existe por si mesmo E escolhe o seu próprio norte. A EVA Castigada pelo pecado de Eva meu coração segue rasgado pela costela emprestada. Nasci marcada pela mordida venenosa levando nas costas e no peito a letra escarlate da culpa, da traição e do julgamento alheio.
Lembrança de um paraíso perdido minha sina é ser perdição dos desesperados e a salvação dos escolhidos.
Nasci de um engano das escrituras manipulação do Hades idealização de Zeus falha de planejamento: o homem será para sempre cobrado pela costela roubada. CARNE Não sou verdadeira comigo mesma Deturpo os indícios Saboto os ofícios Falsifico os compromissos.
A carne dessa dor da profundeza da alma não lateja apenas apodrece, contamina o que há de bom.
Essa carne é mordida de dentes sacola de restos esquecida num canto da sala.
Mas à noite ela cheira às vezes é aroma temperado de comida fresca outras é fedor de lama de feira onde não se sabe o que é do lixo ou da mesa. TRÊS LINHAS DE INFINITO Ser breve apesar da imensidão Ser rápida apesar da extensão Prolixo já não cabe. Há de ter conteúdo em três linhas de infinito. MEL DUARTE(1988) poeta paulistana, foi uma das atrações mais provocadoras do sarau que marcou a abertura da festa literária de Paraty, cujo vídeo viralizado foi compartilhado milhares de vezes. Faz parte do coletivo Poetas Ambulantes e é uma das organizadoras do Slam das Minas-SP, batalha de poesia para o gênero feminino . Já publicou dois livros de poemas:Fragmentos Dispersos(2013) e Negra Nua Crua (2016). Verdade seja dita Você que não mova sua pica pra impor respeito a mim. Seu discurso machista, machuca E a cada palavra falha Corta minhas iguais como navalha NINGUÉM MERECE SER ESTUPRADA! Violada, violentada Seja pelo abuso da farda Ou por trás de uma muralha Minha vagina não é lixão Pra dispensar as tuas tralhas
Canalha!
Tanta gente alienada Que reproduz seu discurso vazio E não adianta dizer que é só no Brasil Em todos os lugares do mundo, Mulheres sofrem com seres sujos Que utilizam da força quando não só, até em grupos! Praticando sessões de estupros que ficam sem justiça.
Carniça! Os teus restos nem pros urubus jogaria Pq animal é bicho sensível, E é capaz de dar reboliço num estômago já acostumado com tanto lixo
Até quando teremos que suportar? Mãos querendo nos apalpar? Olha bem pra mim? Pareço uma fruta? Onde na minha cara tá estampado: Me chupa?! Se seu músculo enrijece quando digo NÃO pra você Que vá procurar outro lugar onde o possa meter
Filhos dessa pátria , Mãe gentil? Enquanto ainda existirem Bolsonaros Eu continuo afirmando: Sou filha da luta, da puta A mesma que aduba esse solo fértil A mesma que te pariu! PRECIOSO Ele me quebra quando a fala sobra, quando o peito transborda e deixa a palavra vir à tona.
Na falta de flores e risos diurnos sobraram lembranças de afagos noturnos.
Estimulo, confesso- Criei um muso!
Não é seu… Nem meu Mas de quem souber fazer bom uso.
Gente que guarda dentro de si tanta beleza Sabe o jeito de nos invadir assim... Com sutileza. PAZ Necessitava de um simples agrado, Mal não faria em dizer Obrigado Difícil é viver sempre no passado, E se houvesse mais cordialidade, no meio dessa guerra de egos ninguém sairia machucado. NOTURNA Tua marca, fincada na minha carne nua. Teu desejo exposto numa face crua. Meu corpo, entregue a sorte tua. Num quarto baixo, num foco de luz, numa madrugada escura...
Publicado por Rubens Jardim em 09/11/2016 às 13h16
21/10/2016 16h29
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA--82ª POSTAGEM
MILENE SARQUISSIANO(19 ) poeta gaúcha, é jornalista formada pela Universidade Católica de Pelotas.Funcionária pública concursada trabalha há mais de 19 anos na Prefeitura local. Atua também como free-lance em rádio e tv a cabo. Começou a escrever em 2009 e publica seus poemas em blogs e sites da internet. EMBOSCADA não é na força bruta que se ganha a luta nessa guerra de arranha é preciso alguma manha um olhar de emboscada uma língua revirada destemida e servil que mire o inimigo e finja que não o viu pernas firmes e ligeiras deslizando sorrateiras frente à zona de perigo chamando pro combate sem direito de resgate lábios seios e umbigo e tudo mais que morra e mate VERSO ARRIADO Me arranha no rosto Me enreda na réstia Me enrola na marra Me amarra na manha Me arrasta no raso Me arrasa no resto Me arranca no tranco Me enrosca no tronco Me enrasca na garra Me arrisca na guerra Me arruma na linha Me arrola na rima Me arria no verso ALUADA NÓS Tu Baco Eu boca
Tu riso Eu rosa
Tu farto Eu forte
Tu leme Eu lume
Tu trova Eu trevo
Tu bronca Eu brinco
Tu atroz Eu atriz
Tu brisa Eu brasa
Tu gema Eu gomo
Tu figa Eu fogo
Tu tronco Eu trinca
Tu reta Eu rota
Tu tanto Eu tonta
Tu ramo Eu rima
Tu traço Eu troço
Tu nau Eu nua PAT LAU ( ) poeta paulistana, já foi Patrícia Laura Figueiredo e Patrícia Laura. Desde cedo dedicou-se à poesia e ao teatro. Publicou o livro Poemas Sem Nome (2011) em edição bilíngue português/francês, No Ritmo das Agulhas(2015) e Poemas Bebês(2016). Participou de várias antologias, no Brasil e na Alemanha, e também em diversas revistas digitais de literatura e poesia. nem os segredos do meu pai nem os teus nem os nossos
cultivo jardins secretos isolo acolho escondo e guardo
no buraco das folhas nos vermes que passam nas dores das cores me calo
alimento afago
a fuga do vermelho o silêncio do preto cada parte de sombra molhada
nem os segredos do meu pai nem os teus nem os nossos
no silêncio das flores maduras um rasgo DA VONTADE DE PAZ comecei tudo de novo porque é preciso recomeçar tudo de novo todos os dias não o -aqui e agora- mas o possível a cada segundo o imprevisto o que nunca será dito mas vivido intensamente no presente que recomeça reconstrói apaga e dói apaguei o que era certo e relido e selado na memória para sempre para me lembrar do instante celebrar o improviso a alegria do presente a possibilidade da paz a cada momento pois tudo recomeça de novo todos os dias o novo feito do que não pode ser esquecido a paz que inevitavelmente volta e nos acorda invadindo com a manhã nascendo com o dia a possibilidade do novo a cada manhã a cada novo dia que nasce cada vez que um olho abre a paz a vontade da paz ouvindo o barulho das guerras lá fora feito de outras historias chorando a dor das derrotas recomecei PANO escorre noite a dentro na borda da janela de madeira envelhecida
amanheço pano duro e seco dentro da própria vida
um poeta não é feito pra ser conhecido
é feito pra viver escondido
debaixo dum pé de mesa duma asa de xicara da parte da vela mais derretida
um poeta não é feito pra ser visto
é pra ser lido enfrentado dobrado marcado apagado e depois um grito
largado lá onde ele respira naquela sombra interna ausência inteira onde ele habita* MINHA CASA no nada ela se equilibrava minha casa as salas cada vez mais largas o quarto cada dia de um lado por cima e por baixo o jardim vagabunda na poesia era assim que eu vivia minha vida sem horizonte nenhum desde menina (me foi dado) como enterrado um tesouro a solidão toda em mim com ela refiz as salas quebrei as escadas por ela destampei bueiros inventei sementes perfumei venenos e enraizada cresci hoje em seu nome vivo ausente sem medo do presente nesse mesmo lugar confortavel onde jamais existi LUBI PRATES (1986) poeta paulistana, é graduada em psicologia com especialização em Reich.. Tem publicado o livro Coração na Boca (2012) e algumas participações em revistas e antologias literárias nacionais e internacionais. Escreve no blog coração na boca. Edita a Parênteses, revista literária virtual, e traduz. Vive em Curitiba. ATÉ SÓ RESTAR O DEPOIS sobre o dia 29 de abril de 2015, em Curitiba. pudesse, recordaria se havia sol antes daquela tarde quando tudo se resumiu a cinza:
fumaça, um quase
aquele estado de consciência frágil entre estar acordado & desmaiar.
pudesse, recordaria o cheiro antes daquela tarde quando tudo se confundiu a
gás pólvora sangue.
recordaria quais eram minhas atividades inúteis antes de acessar a internet& navegar entre as notícias
para descobrir o alvo dos helicópteros que sobrevoavam a cidade
destruindo destruindo destruindo
qualquer segundo de silêncio
inibindo os gritos
pudesse, eu recordaria o antes:
quando não havia escombros. SALAR DE UYUNI PARTICULAR nada que desfaça
nada que lave da minha boca o sal do seu corpo, esse gosto ruim
o sal do seu corpo ferindo meus lábios deixando-os sangrar
resultado de qualquer ousadia, pergunto ou lembrança
nada que desfaça
você sabe
nada que suavize a escuridão desse abismo: amor ou
seu contrário, mas que também penetra, invade
a estrutura do ser.
nada que te desfaça em mim. BOA VISTA descobri pelo google maps: da minha casa até seu ouvido são 4.654 quilômetros
implacáveis
distância que torna-se perto quando eu, encantada recordo seu rosto antes de despertar:
minha eterna boa vista. SOBRE MAR DE CARNE E OSSO ele contorna meu corpo com o seu por instantes é mar: água e sal - não só os olhos desse azul que acinzenta-se quando tempestades atrás de lentes escuras. vertigem e me entrego - sei a impossibilidade de avessar naturezas conturbadas: não há margem ou poro desafetado pela penetração perturbação de língua respiração e pelos ávidos por afogar sentimentos barriga dentro e fora então acredito em qualquer gota antes como prenúncio de essa inundação porque toda água nasce e vibra invasão apenas para após refluxo, a distância. RITA BARROS (19 ) poeta paulista, é revisora, tradutora e articuladora cultural. Tem poemas publicados em periódicos literários independentes, Zunái, Mallarmargens, Euonça jornal Ocicero. Autora do blog de poemas Sede de Pedra, também organiza o Sarau Dá Corda, voltado à cultura da diversidade. Publicou seu livro de estréia em 2015, na coleção Kraft AMOR FATI quebro portas e janelas todos os vidros da sua casa porque sou a dinamite e um destino vejo as vísceras espraiadas beijo a pólvora e o remorso: você está por toda parte colando os cacos cortando os dedos ferindo a boca com pregos interditando o caminho: você não me deixa entrar não me deixa entrar mas eu já entrei e agora não há lugar mais estreito que o Atlântico escute atentamente a sintaxe do martelo o uivo ao fundo o choro das crianças é a última ceia e o banquete é uma promessa: eu juro derreter as chaves atear fogo ao corpo e soprar minhas cinzas em seus cabelos apenas para lembrá-lo que o tempo é justo quando é seu servo e quando sou a dinamite e um destino ORQUESTRA PARA DANÇAS VIOLENTAS havia muito tempo numa noite [essa bandida essa bandida] e um drama estilhaçado no meio-fio between my dreams and the real things enquanto olhávamos nossos sapatos à cabeceira da pista
havia nesse drama uma cenografia íntima um país estrangeiro um sussurro rompendo a névoa rasgando o quadro rasgando nosso contorno liquefeito
pequenas dádivas
havia um deus sitiado nesse som 1. ANDE movo-me. meus olhos temporais destroem tudo ao redor do umbigo do mundo [nas bocas rasgadas um retumbar de gemidos] cega a cordilheira me lambe morde mastiga engole o tempo a cólera e os cartões-postais ASSULA STUDIUM quebra-se a primeira taça da casa esquecem que já foram taça Publicado por Rubens Jardim em 21/10/2016 às 16h29
03/10/2016 00h47
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (81ª POSTAGEM)
FIDÉLIA CASSANDRA(1962) poeta paraibana, é escritora, cantora, compositora, jornalista e professora. Trabalhou na TV Borborema, na Rádio Campina FM e no Paraíba online. Publicou os livros Amora(2002). Plumagem (2008). Cartas de Penélope, (2010.) e Melikraton (2013). Tem alguns CDs gravados, com show em diversas cidades do Nordeste. POÉTICA X Poesia É chuva Que se desmancha na terra, Um suspiro na boca. Poesia É tempestade Que desmancha a terra. Procela, procela. Poesia É água Cristalina, de beber. Pingo no vidro da janela. LADO DE DENTRO O amor não cabe no cotidiano E sim na lágrima, na gotícula, No abismo. O amor não cabe no poema. Ele é a metáfora, o véu, a ostra. Tudo o que se acha e se perde Num mesmo instante!
E sim na asa, no fogo, no vento... Nas folhas exangues perdidas no ar. O amor não cabe no vermelho do tijolo. Cabe na desconstrução do verso, Nas ruínas, nas ranhuras, nos sulcos do tempo. O amor não cabe em si. Ele é o outro, o próximo. Aquele que mora do lado de dentro. CARTA I Tear tear tear tear – Arremates... Nós... Noites a fio, eu, mulher de Odisseu, Teço sobre as ondas minha Mortalha de murmúrios – Ânsia, agonia, mãos, agulha, linha... Doem-me os dedos – suas feridas sangram... Lenta é a espera. Odisseu, o que nunca volta! BOCEJO Macunaimamente preguiçoso, Entediado. Ler Chaucer, Shakespeare, Dá-me cansaço! Ahhh! Que delícia essa redinha! Abre o seu corpo para mim. Aí, fico enfadado...bocejando... Aliviadoooo...uma lerdezaaaa... Sonhando que estou cochilando no capim. Que delícia essa espreguiçadeira! Huuummmmmmmmmm! Uma leseiraaaaa...! Controle remoto, escada-rolante, fraldas descartáveis, Botões coloridos, lava-louças – Claro que da Brastemp. Tudo pronto num abrir e fechar de embalagens. Não é preciso nem mastigar! Aahhhh! Que canseira! Como é pesada essa vidinha maneira, Não levanto nem pra mijar! MARINA MARA(1979) poeta brasiliense, é publicitária, jornalista, ativista cultural, atriz, roteirista, designer gráfico, consultora de projetos poéticos e literários. Atua pelo Brasil desde 2006 com projetos multimídia. Seu primeiro livro, Sarau Sanitário.com, (2010)é parte de um projeto homônimo que distribuiu poesia por banheiros públicos e pelo mundo virtual. CAFUNÉ trocaria litros de café pelo seu cafuné e noites de boemia pelo seu bom dia O MCDONALD´S ME COMEU hoje comi mcdonald´s. pedi meu castigo pelo número e mesmo sabendo ser efêmero, fui fast e me food. por favor, uma promoção: um combinada de raiva com molho de autoflagelação. senhora: esse item está em falta mas se quiser, temos molho alienante que acompanha suas idéias... fritas. eram mordidas crocantes como isopor croq! dando à consciência um sumiço visual colorido, como você pode supor ah... como não-amo-muito-tudo-isso. foi como se pichasse meu próprio muro que há décadas mantinha-se casto mas foi um castigo aplicado com juro e hoje, senti-me mais uma no pasto. era como se cupuaçu, guaraná e guarani fossem algo ilusório, não poderia estar ali e viva o país contaraditório! o mais belo, o mais livre o que mais insiste em se diminuir. e hoje, antes de dormir, pedirei perdão à amazônia, a mim mesma e à nação por, triste, achar que o bem morreu mas, “amanhã vai ser outro dia” melhor que esse, no qual o mcdonald´s me comeu. SÃO SETE Ele mora nas sete cores E ao som das sete notas Engana os pecados capitais Um a cada dia da semana Acertando os sete erros E vivendo suas sete vidas Todas de uma só vez POMBAGIRA Não depile meus pelos Com seus apelos estéticos Depile seu preconceito Com argumentos éticos Não julgue minhas Intenções pelo tamanho De minha saia E na próxima estação Troque seu machismo Por um belo Tomara-que-caia E que o seu desamor Não desperte minha ira Pois fada madrinha É para os fracos Eu tenho é pombagira AMANDA BRUNO(19 ) poeta mineira, é graduada em Letras pela UFMG, com um semestre de intercâmbio na Université Charles-de-Gaulle - Lille 3. Publicou no jornal Letras, Desfaces e zines como o Amendoim e o Barkaça. É autora do livro Por Aqui (2013) e foi incluída na coleção Leve um Livro com a seleção de poemas Pó de Asfalto(2016). a menina ve TV e repete a palavra até perder sentido
em breve irá repetir o mundo e esperar que faça sentido TOMEI CORAGEM tomei coragem me chamei para sair
comi pizza à luz de velas
bebi vinho e relaxei
comprei um doce no café ao lado
dei uma volta na lagoa
me fudi a noite toda pro Leopardi parece:
melhor que viajar é arrumar a mala
melhor que o fato é a imaginação melhor que a data é a véspera
melhor que o orgasmo é o tesão
seja como for,
a poesia é melhor que o amor pro Teus não tenho ponto de vista que ponto não tem tamanho
nem linha de raciocínio que linha é só num plano
tenho é plano pro mundo e nem é cartesiano
levo tudo na flauta que toco no último volume LAURA LIUZZI(1985) poeta carioca, participou da abertura da última Flip, ocasião em que leu e ironizou um poema bem ruim de Michel Temer. Trabalhou com o documentarista Eduardo Coutinho, como assistente de direção, nos filmes Um Dia na Vida, As Canções e Últimas Conversas. Publicou os livros de poemas: Calcanhar(2010) e Desalinho(2015). INSTANTE Existe um curto espaço de tempo um pequeno buraco negro que engole todas as grandes certezas. Entre o dedo no gatilho e uma bala disparada abre-se uma imensa fenda onde a entrada da razão é terminantemente proibida. Entre o último pulso do coração e o seu repouso, o tempo se dilata milimetricamente e mergulha as memórias no fundo do mar lá longe da terra lá onde nunca dá pé. Nesses curtos espaços nós não pisamos porque não cabemos. São tão curtos que talvez nem existam. AUTORRETRATO Como pode água nascer de pedra como pode, posso eu também ter matéria grave e intransponível conjugada a esta outra transparente, irrepresável.
Basta um olhar à fotografia – o bebê no colo o papel envelhecido. Ao mesmo tempo que um avança somando anos o outro recua, mais antigo.
Quando as tardes pareciam maiores quando o fim do dia era o fim do dia quando tatuagens não eram para sempre.
O tapete da sala era branco e peludo, parecia um bicho depois da ração diária. O sol entrava geométrico e, espremendo-se entre as grades desenhava escarpas onde eu me deitava junto ao bicho. Eu fechava os olhos para ver as cores no escuro.
Só o que morria era inseto.
Sorrir nunca foi fácil. Cresço com a boca miúda e ainda não gosto de piadas.
Conservo a interrogação quando de frente ao espelho: como pode ser tão diferente o frontal do perfil? E me pergunto, desde lá se todos enxergamos as mesmas coisas se a língua não é tão só um mesmo código para coisas distintas se entre mim e você não há um abismo sem solução.
O que sei é o que não sei sobre projetos de futuro.
E mesmo assim escrevo cartas (funcionam melhor que espelhos) para meu próprio endereço. Me respondo como se já tivesse arquivado toda a memória e pudesse confortar confrontar o porvir.
Quando escrevo me passo a limpo sem riscar as imperfeições.
A infância ainda gravita em mim. Não só a minha, mas outras que vêm com músicas sub-reptícias, por um atalho por onde atravessam com a velocidade incalculável do tempo.
Dar nome às coisas: primeiro passo torto até que se deseje as coisas puras sem auxílio de som -- a rosa única a pedra que se sabe pedra. Segundo passo, falho: inominar.
Nos retratos guardamos nos olhos o vidro dos olhos do gato a cama ainda desfeita a última tempestade e o escuro do que virá.
[Colher nas mãos o que das mesmas mãos se extinguiu: pedra papel tesoura.] ORQUESTRA Não há cortina para esconder os músicos nem mesmo a música se esconde nos instrumentos.
Está tudo aos olhos da platéia porque a sinfonia não se pode ver senão nos gestos do maestro.
À minha frente, antes do primeiro comando, pode estar o violoncelista em terno preto, como muitos ouvintes.
Quando se sentam os músicos cada um em seu tempo afina seu instrumento e acerta a folha da primeira sinfonia: confusa algaravia.
Então vem o regente sob uma saraivada de palmas com sua vara de condão.
Os músicos ajeitam a coluna alisam os traços do rosto e encaram o maestro
que, com dois olhos apenas cruza com todos que têm nele a mira buscando a confirmação de que pode começar.
Tão logo soerga a batuta e soe o primeiro acorde ouve-se, milagrosamente, o silêncio. ARQUITETURA com o pensamento em Franz Kafka Encapsular o inferno Auscultar o pântano Inventar entradas falsas Alcançar o fio cego do horizonte
Publicado por Rubens Jardim em 03/10/2016 às 00h47
09/09/2016 01h04
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (80ª POSTAGEM)
ANA GUADALUPE (1985) poeta paranaense, já foi professora de inglês, fez tradução e estágio em biblioteca pública. Atualmente trabalha como redatora de conteúdo para internet, em São Paulo. Publicou os livros O relógio de pulso (2011) e Não conheço ninguém que não seja artista(2015). VUPT só leu um livro na vida que falava sobre o vento com voz fina
se lhe escrevo um verso e leio em voz alta não vê graça
não sabe ouvir pausas como as minhas nossas idas e voltas
agora não adivinha que carrego um poema pra entregar antes que vá embora junto com a ventania MAPA DO TESOURO menino vestido de pirata eu sei que os carnavais têm sua graça
por isso eu respiro engraçado
quanto te vejo sinto meus braços
acenando para navios parados VOCÊ NAS ALTURAS você nas alturas no prédio mais antigo da cidade onde o vento deve te incomodar à noite e onde eu só entro com documentos você no alto de uma torre da idade média sob a proteção de um exército que não me quer por perto por mais de meia hora você voando pela plataforma bidimensional da minha vida acumulando anéis de presente pra outras companhias usando códigos pra chegar sem arranhões ao final você no podium de um campeonato esportivo que desconheço na lua que é uma imagem difícil pra um poema numa foto escondida na estante da sala nos sambaquis da praia na parte de cima do beliche num cipó sobre nossas cabeças no barco viking enquanto te fotografo apertando botões e puxando cordas todos os dias nas alturas e eu te chamando pra descer um pouco na quarta-feira GUERRA tique nervoso à espera de alguém que venha
beber água desabotoar as calças jogar bola
atirar no macio arrancar os músculos acumular fôlego
pra sufocar com o próprio peso o peso do outro:
uma bigorna um piano um travesseiro. LUCIANA QUEIROZ (1976) poeta paraibana, é mestre em letras e professora de literatura brasileira. Militante feminista, luta cotidianamente pelos direitos de todas as mulheres e acredita que o mundo só será melhor quando mulheres e meninas forem livres. Desde os 30 anos é mãe e Nua sob Escamas (2016) é o seu primeiro livro. PEDRA Sou pedra E de rocha é feita toda a minha alma de mulher. Reclino-me no chão do sertão quente E lá fico Parada À mercê de chuva e vento Porque deles se faz minha erosão voluntária. Me desgasto, me esfarelo E cada partícula de areia que sai de mim Compõe o mundo inteiro Sofro, me dilacero Mas sei que só assim faço parte de tudo isso. A cada chuva, A cada ventania, A cada casal que pinta de branco seus nomes de amor em mim, Me faz mais pedra Me faz mais rocha, Pois sei que a cada erosão Me lapido mais É de natureza minha alma polida E cada vez que mais redonda fico Mais me faço eu, Mais me faço mulher, redonda e minha VOLTA Largas de vaidades já sei tudo de tua vida: que tens outras e que não queres ser de ninguém. Teu trânsito de corpo em corpo não me atrapalha a alma. Quero você, seus significados, sua conotação escancarada em minha língua. CACO DE VIDRO És caco de vidro Lâmina afiada que nenhum amolador Imola em pedra Ponta quebradiça Que fere e inflama Mulher de requebrado incerto Virulenta peste de minha vigília diurna À POESIA Poesia é minh’alma espichada no varal em dia de sol. Letra por letra salgada à pinça, pinga a salmoura dos dias depois da retirada de cada fatia. Viva e contumaz, teima em me fazer paladar. MÁRCIA PFLEGER (19 )poeta paranaense, é jornalista e escritora. Publicou seu primeiro livro de poemas, Caneca de Café com Versos, no ano passado, pela Editora 7Letras. É autora dos blogs Unha que risca a lousa (poemas) e Prosálias in vitro (prosa poética). Vive em Curitiba. MOÇA DO BRINCO DE PÉROLA talvez eu brinque de você com suave ironia e um cachecol no pescoço
deixe você ficar no sofá com um violão vira-latas desde que não roa meus sapatos
aqui é tudo apertado, quarto conjugado, quisera loft numa garagem velha
não tenho paisagem marítima da janela mas a gente pode ver a lua afundando num aquário DESÍGNIO E a Mão que me desenhou um dia, entregou-me o lápis para que escrevesse minha história antes que minha própria mão tombasse fria...
Mas, o que sei eu desse desígnio? se não rabiscar, com torta caligrafia, um diário, por vezes, inverossímil...
Por isso, com humildade Te peço, como se voltasse a ser menina: Senhor, não consigo sozinha... Segura a minha mão e me ensina. POR UMA MEGERA INDOMADA algo de mistério – pra não dizer sacana, nisso tudo. – sua poesia não veio? – indaga o anfitrião en garde com a piteira. – está indisposta hoje – respondo com falsa galhofa no baile de máscaras. mordeu uma fruta marrenta sorveu a água de todas as palavras deixou-as secas ao lado de pernilongos mortos. por isso não veio. por isso retirou-se da penteadeira despiu-se no escuro deu manhas de frígida quando tentei apalpar seus seios às cegas. mesmo em horas mais ditosas é uma vagaba que nunca se entrega por inteiro. (trago rosas e doçuras que tanto aprecia) há sempre incompletude no abraço da poesia. sou amante de uma vênus de milo... não é possível um asfalto mais áspero do que este silêncio onde caio de joelhos. CONTRARIANDO Contrariando a regra Não corro atrás do que destino nega Mas lanço-me na onda que o mar me entrega
Contrariando o estatuto Prefiro o amor próprio ou o respeito mútuo à puxação de saco que ceva o mau fruto
Contrariando a expectativa Vês? Pra teu governo eu continuo altiva Apesar do veneno da tua saliva
Contrariando o estilo Minha alma, de sementes é um silo Por isso escrevo de forma vária Contrariando Quem me chamou de pária LUCILA DE JESUS(19 ) poeta paulistana, é psicóloga com mestrado em Saúde Pública pela USP. É membro Departamento de Psicanálise da Criança do Instituto Sedes Sapientiae e do subnúcleo Psicologia e Povos Indígenas do Núcleo Terra, Raça e Etnia do Conselho Regional de Psicologia/SP. Publicou o livro de poemas para atravessar(2012) HILÉTICA Tudo o que sei sei sem saber.
Não aprendi, só encontrei.
É que nasci com os tendões hiperextendidos. PARADÍLIA (para adília lopes)
Perdi o sono depois que encontrei Adília.
Adília Adília ficou batendo dentro.
Porque também sou feia e louca e ninguém me quer casar.
Adilha e Lucilha
rimam em arquipélago, isolado inacessível e triste. CONTORNO Tocar a coisa dói. Toda vez que conto um segredo perco a pele. É terrível. As veias ficam expostas a qualquer contato mais bruto vazam, transbordam.
Nessa hora é urgente um abraço. O corpo do outro recolhe o derramamento coloca tudo no lugar e milagre, faz a pele regenerar.
Mas tem que ser em silêncio. É DO BURACO QUE NASCE O CORAÇÃO para juliano pessanha A palavra também tem braço.
Pega no colo, faz cafuné e põe pra dormir .
Publicado por Rubens Jardim em 09/09/2016 às 01h04
18/08/2016 14h06
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (79ª POSTAGEM)
NIL KREMER (1980) poeta gaúcha, formada em letras, é atriz, arte educadora e estudante. Já passeou pela dança, teatro, cinema, circo, música. Participou da coletânea Sobre Lagartas e Borboletas e do Projeto Sete Luas . Tem poemas publicados nas revistas Plural, Mallarmargens, Limbo, O Emplasto e DiversosAfins. Publicou o livro Kamikaze(2016) A idade não vem sozinha Vizinha de chagas Pragas que batem e voltam
A idade não dá folga Rouba toga, melindres Perdoa deslizes Dá o troco em doces
A idade é generosa Vem em prosa ou desalinho Como vinho bom Ou sermão de mãe nervosa
Esta menina levada Amarrota a pele E passa a limpo nossa ficha KAMIKAZE Uma mulher traz areia nas mãos vento nas veias e uma ampulheta implacável tatuada na pele uma mulher traz centelhas nas mãos vento nas veias no sótão imagens em super oito de 0 a 10 de uma vida uma mulher traz doces nas mãos vento nas veias no corpo travessuras e fantasias uma mulher traz miragens nas mãos vento na veias um punhado de seitas receitas de cura uma mulher peito prosa camufla vulcões nos olhos artérias feita de fé mesma matéria miséria das santas em procissão QUIROMANCIA Pediu que eu cortasse o baralho falou do peito vago do último estrago feito do moreno que me deitaria os olhos de santos que cruzam depois da primeira dança de heranças pendentes e tequilas comungadas
Ela deflagrou minhas encruzilhadas e previu os abismos sísmicos sinais delatados em cartas cruzadas
Fechou com o enforcado um bocado de pendências alternância de suspiros e cheiro de alecrim
Quanto a mim? continuo girando na contramão da terra Quando penso encontrar eixo a sorte me erra AUTO RETRATO tenho esta espera estampada no rosto um lusco fusco na voz martírio de inquietos fechadura conferida mil vezes praga que não se entrega
sou o que fica a tiririca na grama o acordo necessário o voluntário das palavras a larva dos dias a agonia sabor chocolate que late late e abocanha vazios
sou o cio em carne promessas descumpridas feridas cicatrizadas desvarios MARIA CAROLINA DE BONIS (1982) poeta paulistana, é formada em Letras pela PUC-SP e leciona língua portuguesa e literatura. Passos ao redor do teu canto é seu primeiro livro de poemas e integra a Coleção Patuscada, projeto premiado com o ProAC – Programa de Ação Cultural do Governo do Estado de São Paulo. PASSOS AO REDOR DO TEU CANTO Não, caminhava pelo gelo Com medo de reaver escorregadias Espécies de perdas secretas. Só sabia da pedra esverdeada do olhar Que em mim diriam: forneça as provas.
Não, seria essa ou aquela, mas Sei que pareço a mulher de todas as noites em insônia Em cima do palco decifrando um vocabulário estrangeiro As mulheres que sonhavam em outra língua.
Pelo olhar do Imperador As solas secas dos pés rabiscando Os territórios da volta, Voltaríamos para a casa seguros. Voltaríamos para a casa seguros? Haveria volta nessa mesma hora Haveria casa nessa mesma hora.
Enquanto um grupo numa sala vazia Fornece provas sobre O turismo das regiões terrestres Fazem cálculos, desenham mapas O que movimenta as mãos como uma continuidade Do pensamento preferiria os lados orientais De uma certa cultura De panos coloridos para cobrir Nas rendas os tons fortes desenhados.
Dizem outras palavras, eu acho, A mesma mulher me olhará de soslaio Qualquer vista que preencha o vazio Entre a saída e a entrada de alguma passagem Do aeroporto internacional Embriões do mundo.
Dizem, ainda temos a lua, E me demoro a decorar o passado Onde toca a agulha A alma e o bisturi. Nossos passos, Movediços em água, Sangue e areias exiladas, Se insinuam a estar entre dois polos. DOIS, REVERSO Ser não mais o corpo, mas a encenação Dos primeiros toques em desvãos aquáticos Em si a diluir a primeira cena: Correr pelos vegetais Pelas árvores de uma floresta Que não lhe amam E as sombras que caíssem Fossem em si uma direção Para as margens do que fora:
Submersas – de uma coisa saberia Do amor aos extremos Dos fios que se perdem dos fios Que se atam. DECOMPOR A fruta apodrece (não que eu assim quisesse) como vão de escada e escuridão. Vivo onde as moscas contornam minha ausência. Faço de mim escambo com o vento. Estaria a dois passos do que tem sido. Desfaço na estrada e vou fincando em cada poste abandonado em cada curva desvio a voz que em mim fala para decair na tarde verde vegetal e não querer mais nada da vida. Se assim se mostra no que decompõe a essência, deixo ao que o coração abra em tempo do que regressa o sumo maduro a colher o sêmen entrar dentro da ferida das coisas saber de que material são feitas e conter sua substância - expor sua ferida em um trauma aberto lá onde dói a fibra do fino fio corrói-se a essência sem luz. OS LIMITES DA VOLTA Tentávamos demarcar os limites da volta com a ponta dos dedos Necessário retorno do delírio. Não, nunca será como abrir O vento com as mãos, girar a manivela do saber A vestir couraça medieval ao coração. E quando O canto cicatriza as feridas Expõe os fatos do nada Ser um dia sem cumprimentos Da flor que se abre na superfície do tédio. O enigma não se desfaz ao avesso. Como uma Montanha englobo a outra e a outra sucessivamente Para que seja nesse automóvel ao horizonte que atraca Somente a névoa ou o som do rádio que antevê As colheitas dos frutos da boa estação Talvez ouvisse, colheria outras noites de neons, epigramas rosas Segredos das bocas apertadas e não desatadas E nada. Essa estrada vai pelos vales do vazio indefinível Dos conselhos ou até uma vaga euforia na dança sorrateira. Pensei muito, talvez dissolvesse a superfície do pó Pensei muito tudo sendo uma espera para novamente E nunca se demarcar os limites na senda Do horizonte, sempre em frente a fenda Da fruta mordida. Avistava colheitas em madureza. Mulher. Coral. Geografias da memória as rezas do vento. Anotava a história original. Um homem era visto vestido de sonhos Em camisa azul ao meio-dia em plena praça central uma estátua De delírios se abre em real o concreto de nossos pensamentos. ANNA APOLINÁRIO (1986) poeta paraibana, participou de várias antologias nacionais. Foi premiada no VI Festival de Poesia Encenada do Sesc Paraíba, em 2010 . No mesmo ano publicou seu primeiro livro, Solfejo de Eros, Na sequência, vieram Mistrais(2014) e Zarabatana(2016) CORPOESIA Escrevo para derrubar paredes Cegar tua íris Apunhalar as veias
Atear delírios Traduzir-me em sílabas Queimando dentro de ti O QUARTO Lúmen de livros
Arena antiga
As fábulas esfaqueadas pela chuva
Aquoso pacto de corpos
É líquido o amor EPIFANIA Grafito em tua alma Um verso vermelho Serpe sibilina Estilhaço de estrela Tatuo em tua boca Que mordo com rimas A flauta de fogo Da minha poesia SYLVIA QUEIMA Vênus da alcova, Sílfide messalina Viciada em adesivos de nicotina Insone & neurastênica, dopada e deprimida Permita-me lamber sua iconoclastia Mariposa de danças noturnas Fênix feérica, Noiva da Morte Godiva Camélia rubra, jorrando seu perfume que asfixia. Me põe nos lábios o vinho docemente nínfico Teus versos são belos crimes Sinfonia de gozos e guizos Teu punhal de palavras Fogo que dança pelo meu corpo. ELIZANDRA SOUZA(19 ) poeta, jornalista, editora da Agenda Cultural da Periferia, locutora da Rádio Comunitária Heliópolis. Co-organizadora da Antologia Pretextos de Mulheres Negras com Carmen Faustino e textos de 20 poetisas negras. Publicou o livro de poemas Águas da Cabaça(2012) e foi incluida em algumas antologias como Cadernos Negros, Negrafias, entre outras. ESTOU AVISANDO, VAI MUDAR O PLACAR.... Já estou vendo nos varais os testículos dos homens que não sabem se comportar Lembra da Cabeleireira que mataram outro dia? E as pilhas de denuncias não atendidas Que a notícia virou novela e impunidade É mulher morta nos quatro cantos da cidade...
Estou avisando, vai mudar o placar... A manchete de amanhã terá uma mulher de cabeça erguida dizendo: - Matei! E não me arrependo! Quando o apresentador questiona-lá ela simplesmente retocará a maquiagem. Não quer estar feia quando a câmera retornar e focar em seus olhos, em seus lábios...
Estou avisando, vai mudar o placar... Se a justiça é cega, o rasgo na retina pode ser acidental Afinal, jogar um carro na represa deve ser normal... Jogar a carne para os cachorros procedimento casual... Estou avisando, vai mudar o placar... Se existe algo que mulher sabe fazer é vingar Talvez ela não mate com as mãos mais mande matar.. Talvez ela não atire, mas sabe como envenenar... Talvez ela não arranque os olhos, mas sabe como cegar...
Só estou avisando, vai mudar o placar... GAMELEIRA “Seja em qual circunstância for É em legitima defesa O escravo que mata seu senhor” Assim, Gama defendia os seus Advogado por si mesmo Autodidata das leis... No esquecimento das páginas Oficiais de nossa história Luiz Gama -um guerreiro - sem memória De filho liberto a escravo Vendido pelo próprio pai Lutador por um país sem rei Trinta anos antes da mentirosa abolição Pedia dinheiro na rua - contribuição Para a compra das alforrias dos irmãos Insubmissão, herdada de Luiza Mahin Sua majestosa mãe que deixou a Bahia Temida pelos senhores – Malês, Levante!!! Avante, não deixou legado financeiro, Mas eis aqui conselho para Benedito seu herdeiro: “Crê, que o estudo é o melhor entretenimento” “E o livro o melhor amigo” “Desconfie sempre dos poderosos” Gama, Gama, Gama Gameleira de raízes profundas Agarre-se a um dos seus galhos e não se descuida! A diabete matou esse homem, mas não a essência dos seus ideais... “Seja em qual circunstância for É em legitima defesa O escravo que mata seu senhor” Matamos nossos senhores Quando pegamos em canetas O estudo é um tiro certeiro... Modernas cartas de alforrias Vamos nos defender Seja na palavra escrita ou na falada Poesia ou embolada... Beba na gamela da fonte de Luiz Gama. Gameleira de raízes profundas e profanas. ENSAIO SOBRE NÓS Nossas afinidades Tardes de preciosidades suco de cacau com graviola um samba de Cartola ele fumaça, eu incenso ele melodia, eu silêncio Nossas contendas Resolvemos com oferendas Ervas de benzedura Mordida na cintura Lambida no pescoço Esquecemos do almoço Somos estações do ano Periodos de estiagem Épocas de chuva Uma manhã ele me seduz Uma noite ele me ama Entre maracatus e blues... MULHERES CAMPESINAS No meio da noite, mãos de foice Pra lavoura de pragas, mulheres gafanhotos Noticie a invasão, nosso nome é ocupação Para germinar capital estéril, Sangue nosso não regará solo infértil Antes que o planeta seja vento e poeira Guardamos sementes boas nas carapinhas Espalharemos nos milharais nossas bandeiras Mulheres em luta, escrito nas muralhas e nas veias
Publicado por Rubens Jardim em 18/08/2016 às 14h06
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