13/09/2017 17h55
AS MULHERES POETAS...98ª POSTAGEM
WANDA MONTEIRO(19 ) poeta paraense, é advogada e escritora. Já foi revisora e produtora editorial. Divulgou seu trabalho em revistas, blogs e sites. Publicou O Beijo da Chuva, (2009), Anverso, (2011), Duas Mulheres Entardecendo, (2011) e Aquatempo – Sementes líricas ( 2016) no oráculo de brancas coxas a virgem desvela-se a castidade rubra rosa pecaminosa tomba !
a espada em silêncio e fé verga e rende-se
vencida pelo cansaço das veias
INTERDITO De mãos em punho O Passado Chega a cada instante E investe contra meu peito O Passado é o murro que me açoita A cada açoite A face do Presente evanesce O Futuro a recolhe Sorvendo-a Roubando-me o Meio O Tempo erra-me Decreta-me Interdito! Sou apenas um patético corpo Orgânico E hipotético de uma história inacabada Existência fadada à eternidade etérea da memória Povoada por fantasmas Eu perdi meu itinerário No interlúdio melancólico do Passado
NAUFRÁGIO o desejo de ti submerge
tudo é sede e fome dentes trincados fruto proibido
tudo é palavra calada nos lábios voz abortada no ventre
tudo é grito do que não disseram as palavras os olhares ausentes os gestos extintos
tudo é dor que sangra no fio da carne ávida do beijo estancado na boca
tudo é som desmedido pulsar sonora matéria que infere e fere um coração que chove água e sal
tudo é abismo dor escavada no peito coberta com migalhas de afeto misericordioso respeito
tudo é segredo desvelado
tudo é naufrágio mergulho cego fúria de marés
embriaguez turva de quase amor
o desejo de ti é naufrágio ...........................................................................................................
O meio é fenda Breu que guarda a luz De línguas cegas Em abissal mergulho de desejos
IARA CARVALHO(1980) poeta potiguar, é graduada em letras e mestra em Estudos da Linguagem, pela UFRN. Foi uma das fundadoras do Grupo Casarão de Poesia. Participou de diversas coletâneas de poesias e contos resultantes de premiações literárias. Lançou o seu primeiro livro de poemas, Milagreira, em 2011. O segundo, Saraivada, apareceu em 2015. SEGREDOS as operárias atravessam a rua com seus cabelos vermelhos.
disfarçam planos incendiários silêncios estratégicos sonhos verdejantes.
quando voltam pra casa, os companheiros permitem toda ausência e pudor.
o que as operárias guardam no fundo do formigueiro ninguém sabe,
mas é coisa muito grande:
um esqueleto,
uma flor
MEDIEVAL E SANTA Nos minérios de sua parede, há mistérios de fogo, sal e lenda.
(sinistras sendas segredadas em sonhos)
Para o encontro da botija, quebro os azulejos pintados pelas mãos de minha bisavó.
Ouro e prata azuleiam meu coração com dor vidrada e secreta.
Penso em sair correndo, mas meu corpo está fincado no chão da cozinha:
o ímã da terra me chama ao encanto das origens.
SARAIVADA apresso o passo, que lá vem o silêncio.
corra: ele consome suas melhores preces.
voar é grande — então voe.
exploda espalhe ecoe.
não recolha os cacos de memória e osso nem amacie o dorso ferido dos campos minados.
desfira um golpe misericordioso no corpo sem carne do silêncio.
e com o sangue escorrido escreva um livro.
DESFEITA cortei cabelo, unhas e todos os carboidratos.
os meus pulsos, porém, ainda estão intactos.
BRUNA KALIL OTHERO (1995) poeta mineira, publicou seu primeiro livro, “POÉTIQUASE” em fins de 2015, quando tinha apenas 20 anos.Mas antes disso já havia participado da antologia Sarau Brasil(2014) e divulgado seus poemas em O Emplasto e na Germina.É estudante de letras na UFMG e empreende pesquisa sobre a presença do corpo na poesia atual escrita por mulheres. DELÍRICO Eu faço versos como quem morre. Manuel Bandeira escrevo poemas como quem bate na porta perguntando timidamente se pode entrar escrevo poemas como quem bate no peito tentando arrancar dali uma veia do coração sangue venenoso escrevo poemas como quem bate palmas estupefata de ver um filho meu grudado no papel e esse êxtase todo esse delírio me excitam quando rodo a maçaneta escrevo poemas como quem bate uma punheta
DE VERÃO nosso amor é um castelo de areia que nós persistentes munidos de pás e baldes plásticos lutamos pra construir no terreno movediço desta praia e ele fica lindo imponente com janelas grandes alas salões de festa bandeiras tudo isso pra no fim do dia o mar vir de inveja ou solidão e derrubá-lo no glamour aquático do caos o pouco que fica além da vaga memória arquitetônica é um grão de areia persistente na calcinha do meu biquíni
TEMPO vejo ao longe aquela mulher decadente com o rosto gasto as mãos gastas o pescoço e o ar de já foi bonita alcanço-a caminhamos lado a lado ela me olha fixa eu pisco passo na sua frente com o passo trêmulo consciente amanhã serei eu a decadência
CONFUSÃO MIMÉTICA eu não sou eu Sebastião Uchôa Leite este eu que está aí pomposo cheio de si se querendo todo achando que é o rei da cocada preta este eu não sou eu não viu? juro que eu – eu de verdade – eu sou ótima conversada despojada e no máximo princesa dessa cocada
JULIANA AMATO(19 ) poeta paulista, edita, traduz, revisa e escreve. Publicou Brevida (2011), diário aleatório – site/livro em parceria com Thany Sanches e Jezebel, ilustrado por Mariana Coan, integrando o projeto Boca Santa. Os poemas selecionados fazem parte de Correspondência, seu primeiro livro de poesia. Escreve há algum tempo no microclima, que está um pouco abandonado, mas pretende renascer dos escombros. agradeço sem palavras sua aparição a lembrança do meu nome agradeço as gravatas as admiráveis gravatas e lamento a sua ausência aqui tudo vai intranquilo mas me acalma o instante ver sua alma disposta ao vento que passa (sua alma nebulosa) é verão na borda do atlântico faz sol e mar mas não podemos não, não podemos agora
**************************************************************** hace um año que te fuiste tan pronto irás, una vez más neste exato momento me vejo num quarto fechado frestas abertas, a janela você ainda criança atrás da cortina observa você, observo seu olhar compreende: não existe mãe no brasil não existe casa, essa casa, aqui lá há o futuro e há tudo há milhares de rochas pedras pontiagudas traiçoeiras pensa na sua casa sua casa tão longe, aqui, uma pedra quente e lisa
de M. para F. inverno, 2011 assim recomeço depois da demora culpa do A aberto do caos, da casa do novo fôlego continuo longe as roupas estão no devido lugar (é possível sim dividir com estranhos, e sonhos, oui) no vagar, nunca fui a porto alegre sequer ao porto mas às montanhas ao novo ano ao branco puro aos amigos fui à irremediável fronteira da língua: randonné significa escalar a neve descobri a 2 mil metros do chão e alguma ideia na cabeça para um papel
DEZANOTAÇÕES SOBRE A POESIA assim recomeço, me perdi vi Baudelaire milimétrico, construído pela primeira vez pois bem há os que ganham por pontos os de nocaute e os momentos amargos que já passei projetos poéticos passam a perna p-p-p-p o projeto poético, um enganador eu, um muito menor (debutante no auge da hysteria – saltinhos) um projétil, nenhum rimbaud nem meio rilke muita potência, pouca questão as solas dos pés ardem no chão os olhos não estão prontos para rever o resto desse que se vai fica e lança um abraço demasiado apertado
Publicado por Rubens Jardim em 13/09/2017 às 17h55
24/08/2017 17h25
AS MULHERES POETAS...97ª POSTAGEM
VERA ALBUQUERQUE(19 ) poeta paranaense, é psicóloga, educadora e ativista cultural. É autora de livros infantis, consultora editorial, criadora de projetos de formação para professores em estados e municípios. Coordenadora interina do Fórum das Entidades Culturais de Curitiba .Publicou o livro de poemas Sozinhes CLÁSSICO Porque suas mãos me olham e seus olhos passeiam em mim... Quieta,sinto o que elas me dizem e, Meus olhos fechados, escutam seus dedos De pianista fazendo da minha pele o número 3 de Rachmaninoff.
FUGAZ “Coisas que duram bem menos do que a gente quer: viagem, dormir com chuva, uma dança bem dançada, um abraço apertado, uma conversa ao redor da mesa, os amigos e o alimento que tem nela, pessoas queridas que chegam de surpresa, a risada estampada no rosto de um filho e junto com isso a infância dele, a vida dos cães, a música preferida que de repente toca no rádio, o canto do sabiá no meio do trânsito barulhento (eu ouço), aquela voz tão esperada quando a ligação está ruim, uma trufa, flores quando a gente ganha e aquele olhar.
A SANGUE FRIO Quebrar todas as regras, desacreditar todos os anexins, viver sem um laivo de mágoa, porque quem espera, desespera e eu vivo todos os dias o fim.
A lâmina que seguro pelo fio Me corta a carne e rio. Rio, porque o rio em que navego Vai acabar no mar...e me deixo levar e Meu pensamento, como meu sangue escorre Arrebenta, ferve...queima... Como uma torturada que se conserva viva, Pra que fale, pra que escreva, pra que grite Antes que morra...
Antes que morra... se morta já estava, Porque a vida nada mais é do que sedução e miragens Cogitações, assombros, encantos fugazes. O sol que ilumina queima, o amor que incendeia É cinza no fim. Tudo nos escorre pelos dedos como água,
Por isso nada mais quero possuir, além de mim.
DESINSPIRAÇÃO Não! Não me ame. Não me ame por motivos que te fazem achar que me ama. As razões desse amor não estão em mim. E também não sei onde estão. Não me ame. Eu te imploro. NÃO ME AME. O amor que sente por mim é um fardo, um peso. Um muro no meu caminho que me faz parar. Como qualquer amor, não liberta. Então não me ame. Seremos dois não amados, mas livres. Eu prefiro...mil vezes eu prefiro. As rédeas brilhantes do amor cegam a visão, enganam os caminhantes e nos tiram a inspiração. Quero minha inspiração. Ela não vem desse amor. Ela vem do caos, das noites insones, ela vem da falta de amor...mas quando ela vem ela é plena, e me completa. Então não me ame. Mas se ainda assim me amar, não explique, nem justifique e Por deus – não me culpe. E por favor não me conte. Me ame em silêncio. É sublime e lírico...e me deixe ir. Porque por amor algum eu ficarei refém de nada, além de mim. E entenda enfim, que esse amor não existe. O amor só existe em si mesmo. Mas, se por desatenção ainda assim, quiser me amar, não ponha as razões da alma, não ponha as razões do corpo. Não fale dos motivos de Deus (estes ninguém explica). Não fale dos motivos meus (não existem). Se quiser me amar, me ame sem motivos. Não existem motivos no amor. Os motivos querem explicação. O amor ama. Os motivos não
HELENA ORTIZ(19 ) poeta gaúcha, é jornalista, contista e editora. Criou e dirigiu o projeto Panorama da Palavra, mostra semanal de poesia. Estreou em 1995 com “Pedaço de Mim”. Em seguida, vieram “Margaridas” (1997); “Azul e Sem Sapatos” (1997); “Em Par” (2001); “Sol Sobre o Dilúvio” (2005); “O silêncio das xícaras” (2009); “Alfinetes” (2012).
ESGOTAMENTO As palavras estão exaustas de escrever contra a guerra séculos e séculos O que temos hoje, sem nenhuma trégua? Guerras e guerras
As palavras estão cansadas Há que enterrá-las como enterramos os mortos. Há que esquecê-las até que chegue um tempo novo de verdade incólume e as palavras ressuscitem inocentes
SÉCULO XXI Uma estrela maldosa piscará uma única vez anunciando: O mundo acabará como o conhecemos Dominaremos terra céu e mar O ar, não – estará rarefeito Irrecuperável
A sede e a chuva ácida Nos transformarão em horrendas criaturas A rosnar e trucidar a carne
DILÚVIO as águas cobrem as ruas arrastando tudo
do outro lado junto ao muro minha mãe. só os olhos pedem que a recolha
tenho força de mil cavalos e aquela flor contra a corrente
tomo minha mãe nos braços ela se encolhe aqueço-a em meu colo e devolvo-lhe o leite
para sempre Argentina
com quantos mil lençóis amordaçaram a noite com quantos corpos cegos sangraram o mar quantas e quantas noites mal dormidas suportando passar os vendavais o último cigarro a espera o rio calçadas molhadas ossos frios reflexos nas poças os olhos de Borges bandoneón mar frio maldita dura
6 DE MAIO
MARIA BALÉ (19 ) poeta paulista, é pós-graduada em comunicação corporativa pela PUC - SP, produtora de textos publicitários, fotógrafa e autora de contos.Já foi premiada como escritora e como fotógrafa. É cronista do jornal eletrônico Algo a Dizer . Integra as antologias Damas de Ouro & Valetes Espada, Um e Dois, Sobre Lagartas e Borboletas e Hiperconexões, Realidade Expandida
ANIVERSÁRIO Ainda com a placenta nas mãos punhos marciais olhos de crepúsculo e voz de feitor a mãe diz:
É dada a luz Agora vá! Nascer é todo dia.
PUPA Vestida de cápsula gesto-me no tempo
sem pressa
nas vésperas do voo teço tramas
serei asas
CLOSET Como uma roupa de festa cuidadosamente guardada cultua a delicadeza enquanto a força costura seus dias
MADRIGAL SEM BANDEIRA O que mais amo em ti não é o que pensa luz que se traduz o que fala brisa que refresca O que mais amo em ti não é o olhar remanso para minha culpa Os braços prenhes de abraços O que mais amo em ti não é o que pulsa expulsa, exorciza O que mais amo em ti não é a boca de beijos férteis gozo, inundação fecundação O que mais amo em ti é o renascer de mim na saliva da tua alma.
BIANKA DE ANDRADE(1985) poeta mineira, é graduada em letras e mestranda em teoria da literatura pela UFMG. Já publicou poemas em algumas revistas digitais. Seu livro de estréia é Desejada Dor(2013)
BUMERANGUE As palavras, lancei-as ao mundo.
O vento, agressivo, trouxe-os de volta.
Me golpearam!
AMOR IDEAL Convergimo-nos irresistivelmente um para o outro.
Todo o resto é divergência insuperável.
FANTASIA Eu não quis a minissaia da vitrine. Eu a quis em meu corpo.
Agora que a tenho, quero suas duas mãos em toque firme pressionando minha pele, em movimento unidirecional, desde os pés até as curvas da minha bunda.
Desse exato ponto, quero senti-las vorazes me puxando até que nossos corpos estejam efusivamente em contato.
JOGO DE PREFIXOS Quero unir o inútil ao agradável.
Os que desejam o útil
fiquem também com o desagradável. Publicado por Rubens Jardim em 24/08/2017 às 17h25
07/08/2017 12h50
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (96ª POSTAGEM)
BEATRIZ AZEVEDO(19 ) poeta paulistana, cantora, compositora, estudou dramaturgia e é mestre em literatura pela USP. Possui carreira internacional, com discos lançados no Brasil, Europa e Japão. Assina parcerias com Augusto de Campos e Hilda Hilst .Publicou dois livros de poemas: Peripatéticos(1996) e Idade da Pedra(2002). EU SOU A BEATRIZ eu sou a beatriz sem dentes eu sou a beatriz dândi abundante eu sou a beatriz estridente gigante eu não sou mais a beatriz de Dante
A FLOR AZUL DO SILÊNCIO apaixonar-se por uma puta ter o abismo nos olhos revoltar-se contra a banalidade dos manuais amar os poetas que se odeiam sobretudo aqueles que se insultam mutuamente nas rodas literárias não pertencer a panelinhas cozinhar as tripas da poesia no caldeirão dos bruxos namorar o crepúsculo trair o espelho e o tempo casar-se com o sol colher no asfalto a flor azul do silêncio depois da passagem apocalíptica do caminhão de lixo perder o trem perder a hora perder a conta perder o amigo e a piada mas não perder a esperança nem o humor não perder a paciência nem a suprema soberania do amor
O MAR o poeta nada merece o mar nenhuma palavra desmerece o mar o homem nada não conhece o mar mergulha na água sua cabeça não entende o mar a água do seu corpo não navega o mar o barco a vela não acende o mar ninguém nada reconhece o mar só o mar sabe nadar o homem no mar imenso nada penso o poeta no mar nada no imenso o mundo nada mesmo a mulher nada se oferece ao mar o mar desconhece o mar o homem nada se assemelha ao mar o homem nada nada nada nada nada nada nada nada não alcança o mar
ARANHA FUNÂMBULA aranha funâmbula tece seu arame fio de aço com finíssima argamassa de pétala linha de pluma aranha astronauta flutua e salta estranha entranha de traços aranha pendurada prumo pêndulo rasante sem asa guindaste de ar e nadas enquanto eu construía a casa areia tijolo cimento e sol ela desenhava suas mandalas se apossava dos cantos vãos quinas esquinas me olhava com as patas e desprezava aranha, fala : pra que tanta tralha ? com quase nada a aranha criava sua rede de seda e arte porque sabe – cedo ou tarde – parte-se ROZA MONCAYO ( 1954 ) poeta goiana é também artista plástica. Vive desde os 5 anos em São Paulo. Fez curso de história da arte no MASP, bacharelou-se em letras e ciências sociais pela USP e foi educadora em escolas públicas. Em 1988 foi para Bélgica, ficou um ano, e quando voltou decidiu abandonar o ensino e dedicar-se inteiramente à arte. Seus poemas já foram publicados pela revista CULT, em abril de 2010. Publicou seu primeiro livro de poemas - Labirintos da Alma, em 2014, pela editora Patuá. ORIGEM Estourar os tímpanos e libertar a alma.
Ouvir com o corpo inteiro o grito das entranhas.
Misturar-se aos sons perfurantes do encontro absoluto da baqueta e do couro.
Defrontar-se com o início de tudo, e sentir-se nascendo do berro e da luz que te joga no mundo.
Ritual de iniciação, de resistência ---- o som primordial.
Resistir, resistir desde antes.
SERIA MAIS FELIZ? E se eu rasgasse a carne o ventre os versos? Assumisse de vez o incontrolável o intolerável o inadmissível?
Sonhos jorrando do êxtase a noite virada dia sexo todo dia e os versos? os versos na carne nos ossos no sangue da língua no sabor quente do suor na exaustão do viver assim entre versos e berros estradas escarpadas e ranhuras no céu.
Se eu assumisse este horror seria mais feliz?
NOMEAR Nome.... nome do homem nome das coisas nome ar.
Ar tem nome? Tem nome sim o ar. Respiração: o homem na ação de existir de respirar.
Fôlego para correr ficar para suportar.
Nome do homem para se identificar. Quem sou? Sou... sou João sou Maria não não sei quem sou. O nome só me nomeia não diz afinal quem sou.
Ah! que confusão Quero voltar para o ventre lá, onde latente sou. Onde o nome não existe assim falado concreto na boca de todo mundo. Onde o que sou está livre da dúvida porque ainda não se nomeou.
Deve haver um lugar um lugar só meu sem precisar nomear.
UNÍSSONO Súbita solidão soluça silenciosamente no cio sem solução sem sol ----unção.
CÁSSIA JANEIRO(1964) poeta paulistana, é formada em filosofia e serviço social. Foi professora universitária e consultora da UNESCO. É secretária-geral da União Brasileira dos Escritores (UBE) Ganhou o Prêmio Mundial de Poesia Nósside (2014)e participou de várias antologias. Publicou Poemas de Janeiro(1999) e Tijolos de Veneza(2004) e A Pérola e a Ostra(2007) finalista do prêmio Jabuti em 2008. O QUE SOBROU (Para Antonio Candido) O que sobrou de você neste Apartamento Foram as suas roupas, Que logo vão ser dadas, Os seus livros, Alguns dos quais serão meus, Aqueles que compramos juntos, As lembranças. O que sobrou foram seus retratos e, Quando vi uma foto sua, sorridente e saudável, Lembrei-me de que não me preparei Para a sua vinda, Mas pude me preparar para a sua ida. Mas quando você foi, Ah, meu Deus! O que sobrou? O que sobrou Fui eu.
FLOR DE CAMINHO Há de nascer uma flor de lótus No meio Do caminho.
Há de nascer uma flor de lótus Permanente Para que a gente suporte, Para que a gente se importe Com o que está à nossa frente.
Há de nascer uma flor de lótus Permanente Para que a gente suporte, Para que a gente se importe Com o que está escondido, Longe do nosso umbigo, Calado numa noite quente.
Há de nascer uma flor de lótus que nos lembre: O caminho do meio não é O meio do caminho.
ABANDONO Elas esbarram em nós Com seus chocolates, balas, truques E limpam nossos para-brisas nos faróis. Sua infância escorre como aquela Água suja que vejo no vidro. Uma moeda qualquer É a medida do seu valor. São crianças sem dúvidas poéticas Ou filosóficas. Não há Hamlets entre elas. Não estão entre o ser e o não ser. Não são.
PÉS Sob meus pés, Nada – E esse nada me Sustém GABRIELA SILVA(1978 ) poeta paulistana, deixou São Paulo há muito tempo e vive em Porto Alegre. Formada em letras, é mestre e doutora em teoria da literatura na PUCRS. Professora universitária já ministrou oficinas de criação literária e foi uma das coordenadoras da Breviário cursos, em Porto Alegre. Publicou seu primeiro livro de poemas Ainda é Céu em 2015. A MÁQUINA QUE SOMOS Somos essa máquina de carne, amorzinho, pernas e braços articulados.
Ossos de bom material. Viscosos, certos líquidos nos lubrificam, às vezes nos inundam.
Somos essa máquina de reproduzir o mundo, ou de povoá-lo.
Nossas almas, se enguiçarem, mandamos a Deus: o criador.
Carcaças, ferimos a memória, dos que fingem não saber que somos arremedos de qualquer coisa.
Somos essa máquina de torpor, de ânsia, amor, tédio, ódio.
Todas as nossas peças se encaixam em comovente perfeição.
E por coração chamamos essa bomba monocórdica que nos confunde e mantém.
DESVÃOS Perdemo-nos entre os vãos úmidos de nossos dedos.
Escapamos pela nossas pernas longas quase velozes.
Cegamo-nos em nossos olhos exaustos do mundo.
Encontramo-nos no nosso riso em vias confusas, arcaicas.
Atravessamos nossos corpos tão paredes entre nós mesmos.
É MENTIRA QUE FOMOS FEITOS PARA AMAR Ainda é céu
Que já são horas de sonhar! disseram-me.
Que já é tempo de despertar sussurraram-me.
Por ventura perdi-me olhando o céu.
De nuvens sob um fundo azul passei às estrelas.
Por descuido Distraí-me Do inferno.
Ninguém me disse: Ainda é céu pra se alcançar.
Mas eu sei que sem despertar não perco o caminho até lá.
OUROBOROS Se eu te perguntar agora o que amaste em mim que poderias me dizer?
“Amei o que de ti podia ter em tempos de guerra e fome. Amei cada palavra dita todos os regalos: noite e dia. Amei o que em ti completava o ausente em mim mesmo.”
Então incomodada com os tempos verbais, perguntei por que não me amas mais?
“Por que me completaste e não sou mais enigma. Por que não és mais o silêncio da palavra esquecida. Por que te tornaste eu quando eu queria ser tu”
Já virando o rosto perguntei com medo e podes me amar ainda?
“Amarei o que em ti eu sou: nós. Amarei o que posso ter tudo e nada ao mesmo tempo Amo o que em ti é mais vivo: eu.” Publicado por Rubens Jardim em 07/08/2017 às 12h50
18/07/2017 23h38
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (95ª POSTAGEM)
FERNANDA CRUZ FILHA (1967) poeta goiana, é psicóloga, mestranda em Performances Culturais pela Universidade Federal de Goiås. Publicou os livros de poesia: Regatos do Instante (2007 )e O ar mais próximo, (2012). Antes de enveredar pelos caminhos da poesia, atuou em artes cênicas e também como cantora de mpb e música edudita. ELO (a Carlos Rodrigues Brandão) abraço o que passa e perpassa os teus ais A SE DAR o silêncio aberto e minhas mãos percorrem no tempo tudo vai e vem a unir a aparência nas coisas não revela entre a flor e a raiz há um leve traço ESTÁTUA sublime linguagem da estátua muda ALGUNS SILÊNCIOS Alguns silêncios com que nos acostumamos
dos livros
Uma imagem fecunda uma vida e quem dera no que a tempos se diz primavera ADRIANA GODOY(19 ) poeta mineira, é formada em letras pela UFMG e trabalha como professora e revisora. Desde pequena escreve, mas foi a era dos blogs que tornou seus textos mais conhecidos. Colabora com alguns blogs e revistas literárias e alguns de seus poemas foram publicados no livro ‘Maria Clara: universos femininos’. Em 2015 publicou o seu primeiro livro solo: Mil noites e um abismo não te amei logo de cara levou exatamente quarenta e sete dias e uma noite foi quando vi que seus olhos choraram quando te contei sobre as noites de chuva em uma casa velha que eu morava foi quando te falei de um poema sobre a solidão das pessoas nas noites de um bar e você mordeu levemente os lábios e me pediu mais uma dose de uísque levou exatamente quarenta sete dias e uma noite para eu ver que você era a pessoa que eu queria ao meu lado quando chovesse ou quando o dia fosse claro e te vejo agora como te vi aquela noite e no rádio toca uma música e você me chama pra ouvir e talvez vamos dançar juntos mais uma vez VOU TE DAR MEU ÚLTIMO VERÃO vou te dar meu último verão todo o outono amarelo e quando me alcançar vai ver que sou o mais puro inverno não dos trópicos mas dos lugares mais frios da terra terras da sibéria não adianta me dizer para abrir as janelas o sol me é estrangeiro tenho em mim geleiras ancestrais meu coração não bate vacila descompassado selvas do universo me rondam e mesmo assim você vai me recriar e me amar com tudo que sou porque você precisa de uma criatura só sua mesmo inventada mesmo com essas sombras geladas CONSTATAÇÕES tá bom, você me disse que eu precisava sair de casa, respirar outros ares, ficar com outras pessoas. mas não tô conseguindo, entende? gosto de ficar aqui com meus gatos, minha música, meus filmes. ontem até vi pânico na floresta 5. porra, todo mundo morre de maneira mais cruel e no final só os bandidos escapam e felizes. aí você me pergunta: por que eu vejo filmes como esse tipo c? eu que gosto de filmes de arte e afins? talvez algum tipo de superação ou punição subliminar, será? de noite até sonhei com algumas cenas. gosto de fumar sem ter ninguém me enchendo o saco. gosto de pendurar a roupa no varal e depois ficar olhando as cores perfumadas ventando na área. gosto de poder ouvir as músicas que me fazem viajar pra qualquer lugar de mim ou do mundo. gosto de não atender o telefone. gosto de não ter horário pra comer. gosto de não ir ao médico. gosto de ler poemas fodas e textos fodas e descobrir uma porrada de coisas que mexem com a alma. e passear pelo facebook mas nem sempre. gosto de andar com roupa velha e rasgada. gosto de voltar pra casa sempre. gosto de tomar café olhando a tarde. aí você me disse que era depressão mas não tô triste. até danço e canto e brinco no sol com os gatos. vejo amigos e gosto de ficar com eles e saber que estão por perto. gosto de me desesperar pelo meu time e gritar quando ele ganha. gosto de tomar uns porres e só falar merda. gosto de beijar na boca e namorar de vez em quando. e cozinhar quando tenho vontade. gosto do frio e de dias cinzentos. gosto de ficar com o pessoal lá de casa e muito. gosto de saber que meus filhos estão bem. mas não consigo lidar com a desumanidade nunca.
gosto de saber que ainda posso fazer o que gosto. FERIDAS CUSTAM A SECAR tenho em mim o resto de meus dias e não sei de que são feitos sei que horas são quando me chamam pra almoçar ou qualquer outra besteira cotidiana a não ser quando incendeia a lua me importo menos com as coisas que me atormentavam tanto e desisto de pular a janela vou acumulando sorrisos e caretas feridas custam a secar lobos passam silenciosos e com medo percebo só as suas sombras e isso me basta um drink, amor? para celebrar o vazio o que importa se os degraus são altos e não posso alcançá-los? enojam-me as tragédias humanas e sou uma delas PÂMELA FILIPINI(1994) poeta nascida na cidade de Rolim de Moura , em Rondônia, começou a escrever na infância. Tem formação universitária em Pedagogia, e atualmente dedica-se exclusivamente à escrita. Cultiva solidão e se planta ao silêncio para sobreviver. Escreve. E nas horas vagas, existe.,O lançamento de seu primeiro livro, Folhas dos Ossos ou o tratado das coisas insignificantes será dia 26 de Agosto, no Patuscada. Haverá um dia que serei apenas letra
e no meu epitáfio será gravado […] “ela, de tanto ser nada, tornou-se palavra.” .......................................................................................................... Nalgum momento da vida é preciso
desmoronar
[todo início já foi um entulho] […] Recriar-se é uma contínua
desconstrução de escombros. SOLIDÃO RASA Solidão rasa, aquela que tece vazios incuráveis
[na artéria do tempo]
Que não perfura o átomo do mundo e não pode plantar o afeto
no cerne do escombro
Que não corrompe os moldes, que não peca amando o amor como o
amor que ama o ferido
Que coagula as coisas de dentro com a mesma rapidez que esconde
o olho na pálpebra
[que não é semente] […] A semente só aponta à vida quando afogada pela terra. ................................................................................................... Sou uma metáfora no mundo.
[quero ser real]
Uma canção cantada pelas
folhas que caem das árvores.
A celebração da fruta que
amadurece. POEMA PARA QUEM NÃO CONSEGUE CESSAR DE SI MESMO Não é conhecer alguém, principiá-lo em seus silêncios se apaixonar por alguém, aprender a amar alguém
Não é viver com alguém, chorar nos ombros de alguém ter a mão de alguém esquentando a sua
Não é sorrir para alguém dar uma flor para alguém ou plantar um jardim inteiro para alguém
Não é sangrar sua alma para alguém dar a alguém todos os seus poemas ou em alguém abraçar todos os abraços
Não é brigar com alguém sair da vida de alguém e iniciar um novo amanhecer com alguém […] É nunca ter alguém nunca conseguir esquentar a mão de alguém por ter o passo costurado ao chão por não suportar estancar o sangramanto da própria alma
É nunca conseguir sorrir porque a boca tem medo do desabrochar porque tudo o que floresce recebe novos olhares
É querer ler todos os poemas que escreveu para alguém mas não conseguir abrir a porta do quarto.
É nunca conseguir cessar de si mesmo. NATASHA FELIX(1996) poeta santista, está vivendo em São Paulo e cursa letras na USP. Publicou o zine anemonímia (2016) e tem poemas por algumas revistas digitais e físicas. Os textos podem ser encontrados na Mallarmargens, Medium, Nó de 8, Garupa, Raimundo e soltos em sua página pessoal do Facebook.
com a cabeça pousada nas pernas da avó a saia de brocado pinica a orelha esquerda.
cantarola salmos e vai à caça distraída.
o pente-fino é azul. as varizes na panturrilha dela também. os dias e a toalha de mesa. o pente-fino atravessa meus cabelos de diaba as crianças dizem diaba eu nunca digo. um pouco amansados (não o suficiente) com álcool e cravos nada enquanto a avó ajeita os óculos, procura bichos em mim.
a mesma que estoura as lêndeas as unhas imensas. como se vingasse suspeito o que não caberia na casa. CARTA ABERTA AOS HOMENS DE PASSAGEM você com certeza vai você com certeza vai lembrar de mim quando topar com a salamandra azul no orquidário vai com certeza você vai com certeza lembrar de mim. do anel que foi parar no ralo cheio de cabelo e porra, você vai lembrar dos filhos que não fez em mim eu te disse era sério quando o elevador quebrou no oitavo andar eu te disse aquele era o nosso momento de glória eu te disse pra botar no formol e você não entendeu na hora mas acho que agora olhando a salamandra azul vai sacar eu chego sabendo que vou embora. você vai lembrar a gente com vinte anos sem vergonha na cara nem pra comprar um cortador de unha imediatista eu arrancava os excessos com os dentes. tinha dez reais pra catuaba e um baseado no bolso eu arrancava os excessos com os dentes. você vai lembrar disso de hoje pra trinta anos isso vai ser uma lenda você vai lembrar de mim com certeza vai encostar a testa no box no segundo banho do dia enquanto tua mulher tira os pentelhos da virilha e lê sobre o golpe na turquia e eu vou estar em qualquer lugar longe da casa que nunca tivemos. CRAQUELADA tenho habitado muitos riscos. o baiacu inchado na garganta insiste em me competir o ar. como trepar em montevidéu e acordar no jaguaré: genealogia do deslocamento - me abstenho de maiores explicações. li piva como quem toma chá de camomila com canela assim descobri que o erro é um bacanal lotado de ex marido. não dá pra ler piva antes do dejejum de uma segunda-feira do mesmo jeito que não dá pra esperar o baiacu sair da garganta por vontade divina. tenho ficado muito quieta & no silêncio a evidência me expõe: a memória das sereias do tejo, essa eu invejo; das prostitutas da Mongólia tenho os mesmos dentes vermelhos. não sei onde guardei as fotos da ultima ida ao mercadão de são paulo. onde deixei o molho de chave, onde foi parar aquele gozo na páscoa de 98, o jornal pra embalar os cacos de vidro, não sei onde. o baiacu espinha minha glote, me impede a distância. mesmo assim eu e o que restou das minhas lembranças tombadas – nebulosas e uruguaias como você – no ringue, lutando contra o peixe, eu. FACTUAL foi certeiro o tiro foi rigidamente correto bem no meio do olho do fuzuê no metrô da sé seis e meia peritos rearranjam a cena toda a peripécia dá pinta de que foi marido corno atrás do próprio espelho, velha leonora diz isso mas tem aqueles casos de objeto não identificado na pista sabe não basta adiantar a vontade de deus ainda atrapalha a vida dozoutro não sei não sei pode ser bala perdida mas foi tão certo o tiro foi tão dentro da expectativa não sei não sei pode ser só impressão minha ou esse giz de marcação lupa autópsia esse cálculo todo com fita métrica e tudo do espaço entre o ato e o desfecho essas suposições o desconforto tudo muito contraído não sei não sei pode ser que esse tiro certeiro seja como o nosso encontro: nem aconteceu ainda.
Publicado por Rubens Jardim em 18/07/2017 às 23h38
30/06/2017 15h36
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (94ª POSTAGEM)
CLAUDIA QUINTANA (1969) poeta paulistana, é médica formada pela USP e especialista em Cuidados Paliativos pelo Instituto Pallium e Universidade de Oxford, além de pós-graduada em Intervenções em Luto. É pioneira no Brasil na área. Publicou o livro de poemas Linhas Pares (2012) e colaborou no livro Cuidando de quem cuida (2015) e em breve publicará A morte é um dia que vale a pena viver. No avesso de um carinho sonho que teus cabelos acariciam meus dedos encosto meu peito nos teus ouvidos e teu coracão me conta, marejado de amor.
é no alto da noite que a tristeza mais silenciosa vai chegar hoje, a saudade me despertará. De qualquer lado que eu viva hoje, o outro adormecerá vazio. Tem dias que sou feita de lua. PREFIXOS Tenho um pré-sentimento de dias muito longos Uma noite com um pós-sentimento que des-colore os dias e dolore o sonho.
Re-sentindo, caminho. Não tenho mais verso, só re-verso. PRECE Pensar que deixo esse amor quase como uma religião já não seria tanta benção como são meus lábios que rezam todas as noites palavras santas gratificando a vida antes de pronunciar teu nome. Só agora entendo que poesia existe para que me descanse de palavras prisioneiras da minha mente onde sobrevivo. Em algum lugar sagrado deve haver uma casa azul sobre a colina onde A TRAIÇÃO a vida que se entrega para a morte que trai que chega sorrateira, meio sombra não diz que vai te levar dali alguns dias e tudo parece tão rotineiro que nem vale a pena gastar um tempo pensando no fim
a morte que chega hoje, que chega agora que chegou há pouco,
tão rotineira a morte tão rotineira a vida.
A tarefa do dia é reconstruir tua ausência. PATRÍCIA CLAUDINE HOFFMANN(1975) poeta paulistana, mora em Joinville desde 1981. Cursou letras e é professora da rede estadual de ensino. Autora dos livros de poesia: Água Confessa ( 2001), Sete Silêncios (2004 ), Matadouro Imperfeito (2016), e Feito Vértebras de Colibris (2017). Este último integra a coleção Mariana Edições movimento que promove a literature produzida por mulheres. COLISÃO DE ESPERAS Saberás desabitar teu tempo nas vértebras dos colibris.
Ainda que colidam esperas e multipliquem-se de vésperas. Ainda que removam teus navios e os desafios envelheçam.
Saberás do espelho nos rigores dos olhos que molham a cara.
E tudo será retrospecto, avulso... sem ramificações que não sejam marítimas.
Saberás legitimar das fraudes o esquecimento, a desmemória-chave do que agora recomeça e já não pode ser outro por falta ou excesso de pacto.
Sorverás da palavra a nódoa imperdoável da beleza.
Rezarás inúteis distâncias por causa das gentes e estas ressurgirão no tardio de cada urgência.
Saberás, no pontal das cegueiras, das bandeiras que se dissolvem quando feitas de gelo e sal.
Deixarás teu tempo como o animal que deixa - do combate ao ninho - o incompatível caminho. - É teu sigilo voltar. ORATÓRIOS D’ÁGUA PARA GUARDAR HOJES VIII - da imersão nos dias - Remir-me no estreito dos igarapés, através do corpo em salmo. Salvo a promessa adiada de esquecer aqueles dias.
Imersão. Compressa. Glândula do rio.
Peito raso. Ocaso. Olho mais fundo que o vazio.
Rápida calêndula. Gôndola. Calendário d’água. Memória. Morna. Sonda. Sublimação do estio.
Lavar a cruz do que não se cumpriu esforça muito uma oração. Se há elevação.
Escavo no rosto da sombra um outro leito. Até completar o abrir da lágrima na remissão do extremo.
E remo. ATÉ QUE OS PORTÕES DESISTAM para meu pai em despedida A paz cansada em teu rosto de quase tudo já disperso.
Cada um conhece sua espera.
Todas as horas reunidas concluíram-te sem manifesto.
Que imagem te recolheu? Que derradeiro pensar?
Lembro do contra-aceno em teu olhar, no velejar de arames farpando de medo nossas verdades.
As mãos da morte tão fechadas...
E eu tendo que ficar: inquisição, pedra, moinho.
Os ventos grávidos de sabotagem a amparar andaimes do que não fui.
Agora, aqui nesse pasto de saudade a vida foge dos dias: requer instâncias mais desprendidas para a devolução do sono.
Até que os portões desistam. A CONDIÇÃO HUMANA Que possamos ainda nos perder mas só até o perdão da palavra, de onde ela brota sem nenhum diamante.
Dinamitada... bruta, exausta frente a uma luta que insulta e absorve a si mesma. E se refaz.
Que possamos ainda nos curar do mundo. Ou ele de nós. Curvarmo-nos ao sol depois... dos solavancos dessas rotas. Escusas. Escoltas.
Nos retiros para longe (mas para onde?) desses mostruários de monstros e martírios,
de tudo o que craveja e é diário. E nos trafega sem sentido, mesmo sem ser tiro.
Que o susto não nos veja mais assim, menos humanos, a abrir o lacre dos sacrifícios, dos massacres...
Nem os astros nem os apelos da Via Láctea nos vejam.
Entre lamentos e atropelos sob as estrelas... nossas celas abertas, em filas... os filhos acelerados morte adentro da noite sem trancas.
Que os bichos não nos vejam! Não nos vejam! LUIZA ROMÃO(19 ) poeta paulista, é atriz e diretora de teatro. Também é arte-educadora, já tendo trabalhado em diversos programas e projetos de cultura. Publicou o livro Coquetel Motolove(2014) e participou de inúmeros saraus/slams (sendo campeã do Slam do 13, Slam da Guilhermina e vice-campeã nacional via Slam BR). Criou mais de quinze videopoemas, explorando a linguagem do spoken word. POEMA pra ser lido em DESAFORO (ou metáfora em legítima defesa) poesia é a palavra em estado de lança- chama que faz mijar na cama quando não samba é lama em pé de criança e rasgar teia de aranha poesia é a vingança da cigarra: enforcar a última formiga nas tripas do último louva-deus
poesia é o império do ócio é trabalho e não negócio
sou mais a simplicidade de um grito de guerra que o hermetismo de um verso decassílabo: é preciso desaprender gramática para entender a lírica de cinco mil famílias exigindo moradia é preciso desmontar corretores para entender a semântica de uma mulher se tocando pela primeira vez aos quarenta e dois anos
só acredito num soneto sujo de terra perfeita métrica de alicate com cerca elétrica
pense num despejo: não há metáfora que resista à arquitetura retrô de um new-shopping-vertical faltam eufemismos quando a casa vira ponte e viaduto torna lar
poesia é mais que beat box hip hop hype pop cult rock da quantidade de caracteres encavalados num estoque é a voz que berra e carrega o desejo de ser com o outro um só corpo
quando inicio um verso converso com as dezoito mulheres que antes de mim sim tiveram fala estéril
não é denúncia é revide de mão fechada e peito aberto que sem pulmões um poema é abscesso
alerto: caneta é artimanha de boteco poesia está no inverso é cicatrizar os pulsos e erguer os punhos que renascer se faz na luta CORAÇÃO DE FRANGO e o coração, quanto pesa? perguntou ela, moça magrela de expostas costelas, ao homem bigodudo detrás do balcão.
depende, de boi ou de frango?
intrigada não entendeu, pois era do dela que tratava.
sabia que pouco valia, era carne fraca sangue de anemia que batia mais por inércia, do que serventia.
na verdade, queria fazer uma barganha, trocar seu coração por, quem sabe, um naco de picanha.
o homem não estranhou a proposta da moça de costelas expostas. era a terceira vez que vinham lhe oferecer aquele estranho produto já conhecidamente sem uso.
mas por pena ou caridade lhe ofereceu em troca duas asas de frango. o que era muito, comparado ao seu tamanho.
faminta, aceitou sem demora. lambuzou-se com as asas alheias, visto que ela, bicho terreno, não conhecia tais atrevimentos.
até hoje não se sabe: se foi a gordura espessa ou a carne fibrosa (tão desconhecidas a seu corpo de menina) que lhe causaram alucinação.
fato é que munida da carcaça das duas asas, uma em cada mão, acreditou-se ave, ave maria, e do parapeito da janela, estufou o peito externo. de um só golpe sentiu o corpo leve.
o voo foi breve. o baque, surdo. a carne mole, moída na calçada, parecia que indagava:
e meu corpo, quanto vale? ERAM TEMPO DE ÓDIO E FERRUGEM ANTIGA Eram tempo de ódio e ferrugem antiga de muito grito e pouca voz tempo de ritalina amnésia e aspirina
eram tempos de roleta russa e guerra fria requentada como se miami fosse terra prometida e cuba, a praga infestada
eram tempos repetidos história como farsa história como força história como falsa história como forca estouro com foice e faca
e continua nessa jornada enquanto falar não seja denúncia nem triunfo da barbárie
entenda: sua panela de teflon não conhece a fome seu milagre faz crescer o bolo mas não multiplica os pães de que adianta ir pra rua, se você não sai de casa?
que venham os touros furiosos continuarei erguendo minha bandeira vermelha porque meu sangue é rubro e não azul (muito menos amarelo) se pinta sua cara de verde na mão, carrego martelo
mais que tomar partido é tomar coragem de enfrentar a cruz e a bala da sua bancada milionária
se for preciso teremos guerra ressuscitaremos marighella mas sua ditadura não aceito como remédio PEDIDO DE CASAMENTO caso contigo, mas o caos continua comigo LUIZA MIDLEJ (2000) poeta brasiliense, começou a escrever com 13 anos, usando cadernos com capa simples, para não chamar atenção. Gosta de fotografar, catar conchinhas na praia e curtir poemas de Juliana Motter, Leminski e Fernando Pessoa. Em outras áreas suas predileções recaem sobre Frida Kahlo, Picasso, Van Gogh, Sebastião Salgado, Mick Jagger e Djavan. Publicou o livro Circunscisfláutica (2015).É a mais nova integrante de AS MULHERES POETAS... injusta essa saia justa em que você nos colocou não sei se saio se ensaio se fico não sei se você ficou essa história não tem verbo não tem concordância não sei se é conto ou prosa mas sei que ainda é criança ........................................................ sou fruto da fruta que se descasca se despedaça se decompõe quando alguém ameaça me tirar do pé até que eu cresça amadureça e aí seja o que deus quiser ........................................... abri os olhos e não te achei tentei o olho mágico você não apareceu abri a porta e não te vi resolvi, então abrir mão mas nada adianta eu só te alcanço com o coração .............................................................. a garoa aqui também é pranto em são paulo só morre são quem nasce santo Publicado por Rubens Jardim em 30/06/2017 às 15h36
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