24/07/2016 01h05
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (78ª POSTAGEM)
ADRIANA BRUNSTEIN (1970 ) poeta paulistana, é PhD em física, escritora, dramaturga e roteirista, com trabalhos em várias vertentes e meios da comunicação. Ganhou o prêmio de melhor roteirista nacional pelo roteiro da Graphic Novel Prontuário 666 – Os Anos de Cárcere de Zé do Caixão e foi contemplada no 13º Cultura Inglesa Festival pelo roteiro do curta-metragem Olhos de Fuligem. Publicou o romance Estado Fundamental. A gente envelhece dormindo às dez acordando às seis ameaçando pernilongos em voz alta antes de errar o tapa A gente envelhece medindo a circunferência do braço evitando usar regatas se cadastrando em site de receitas e consultando horóscopos A gente envelhece dormindo de meias falando pra manicure no pé um rosinha básico A gente envelhece cantarolando a música de Ao mestre com carinho descobrindo na wikipedia que o sidney poitier ainda tá vivo A gente envelhece recusando convites lembrando que piqueniques eram chamados de convescotes nos clássicos que não lemos A gente envelhece gerundiando esperando uma oferta incrível da garota do telemarketing *********************************** Os primeiros planos para saídas de emergência traçados ainda nas barrigas de nossas mães falharam E completamos diariamente 40 anos ou mais em meio à multidão que corre sabe-se lá para onde nos labirintos arquitetados da estação sem luz ******************************************************** A primeira vez que te vi não teve a Teresa de Manuel Bandeira Eram minhas as pernas estúpidas Eu andava em L feito cavalo de xadrez Eu tava com o dedão do pé inflamado por conta de um alicate não esterilizado Eu tava descalça por conta do dedão inflamado e do alicate não esterilizado Eu pensava num roteiro prum filme de ação iraniano Eu carregava o cartão de um marceneiro pra que ele derrubasse as certezas que eu ninava na parte de cima do beliche Eu quis te fazer uma carícia pela metade e te receitar suplementos vitamínicos aqueles cheios de abecedário Pra que entre nossas palavras cruzadas os espaços fossem grandes demais para fim ************************************** Tenho o nome de outro cara tatuado no cóccix caso você queira saber antes de tirar a minha roupa que as coisas pra mim mesmo as que não se apagam não duram muito tempo EUNICE BOREAL(1984) poeta paraibana, é cineasta e exerce o ofício de artista multimídia. Estuda música na EMAN, com habilitação em violino, e filosofia na UFPB, onde pesquisa estética filosófica. Em 2014 participou da coletiva “Vídeopoéticas” no Centro Cultural São Paulo. Também estuda grego clássico. POEMA O verso deita o oito e o infinito se levanta DIA-GNÓSTICO Dessas relações líquidas Da sociedade liquidada A única coisa que me vive Transborda. Sou toda Sentido. E no que me lanço Sei laço. Naquilo que É calculo Me Meço Mas não Comprimo. Multiplico torpores Que beiram abismos E me absinto de razão. Vivo sem limiares Na fusão do que soul E do que sonho. A cada passo Revisito os gritos Das aves (Vanguardas) E vejo: A elucubração Que reinventa A vida Também Transcende A Moderna-idade.
A POESIA FUGIU DO PAPEL Saltou aos olhos em câmeras e bits Criou formas com sprays e mármores A poesia trocou a métrica Pela coreografia E ganhou as teclas sorvendo jornais A poesia agora só canta em teatro É a maestrina titular Que de olhos atentos Rege outras formas.
A poesia que já reinventou o poema Agora só reinventa a vida. NÃO ADIANTA IR AO MERCADO não adianta ir ao mercado hoje não teremos pão tome logo o seu café e leve o jornal, o casaco e a chave do carro leve logo tudo isso que não tem mais volta ontem foi 21 22 é a data de hoje amanhã será 23
e isso basta. KARINE KELLY PEREIRA(1994) poeta paulista, é artista e pesquisadora do corpo em artes circenses, dança e poesia. É terapeuta corporal formada em massagem ancestral tailandesa pela International Training Massage School. Publicou o livro de poemas Anotações sobre o azul (2106). INSÔNIA Meu corpo não tem cor, idade, sexo ou pátria restaram os pés ansiando pela dança a mão trêmula que não cessa de escrever enquanto a poesia me berra por todos os poros e não deixa dormir : eu obedeço. VERBO TRANSITIVO DIRETO Como dançam os cavalos XII Caminho pelas ruas pedindo licença por ser mulher Caminho pela casa da mãe pedindo licença por ser triste Caminho entre os amigos pedindo licença por ser criança Caminho entre os amores pedindo desculpa por ser simples E no arrebol, quando o coração em claroescuro desdobra e acelera em trottoir Coloco meu casaco ocre, busco na noite pés pra caminhar.
POEMA XVI Para transitar de um corpo ao outro, Bebi Pedro Comi Pedro Dentro e fora Fora e dentro Dentre verbos Dentre versos Tão im-próprios.
Inda assim, Todo dia Toda a pele Me ardia, Feito bruxa na fogueira.
TEREZA DU’ZAI (19 )poeta catarinense, natural de Itajaí, é também contista, cronista e professora de Língua Portuguesa e Literatura. Atualmente, a autora tem se dedicado à produção e à divulgação de sua obra literária. Seus poemas têm sido publicados em revistas, blogs e jornais brasileiros. VOLÚPIA Todas nós, mulheres do mundo, somos Virgens Marias, parimos virgens e continuamos virgens; todas nós, mulheres do mundo, temos um José ausente, insuficiente; todas nós, mulheres do mundo, queremos um anjo Gabriel que nos visite ao anoitecer, todas nós, mulheres do mundo, temos um amante invisível, que nos acende, nos santifica e nos penetra com seu fogo sagrado; todas nós, mulheres do mundo, somos o nosso próprio milagre, o nosso próprio deus, o nosso próprio diabo. Todas nós, mulheres do mundo, somos mães, irmãs e filhas de nós mesmas. A MORTE E À MORTE Ao nada, minhas ilusões, ao nada! Só, eu rio e morro. Rio de mim e dos outros, do que fui e dos que se foram. Vou-me e é justo que me vá assim, com o corpo envolto em pedras, e o peito cheio de dores ignoradas. Não digam que cometi suicídio. Não se envaideçam. Não haverá de ser por suas perversidades. Será por mim. Egoisticamente por mim. As pedras hão de me conduzir, e é justo que assim seja; afinal, apenas elas me venceram na arte de rolar. Morro do mal da pouca vida, Desta sina insana, deste destino certo. Envolvida em pedras, para evitar despesas, e dispensar protocolos vãos. Lanço-me ao mar também por vaidade. antevendo a primeira mordida, a disputa por cada lasca de pele, por cada porção de víscera. Lanço-me ao mar a fim de me tornar útil na morte. Perdoem-me os vermes da terra; perdoe-me o proprietário da funerária Hees; perdoe-me, Liz. Cancele as rosas amarelas, mas os braços do coveiro serão poupados, uma árvore será poupada, velas brancas serão poupadas. Nem rituais, nem hipocrisias. Esta será a vez das piranhas.
REDENÇÃO Morrer sem perdão, sem arrependimentos; sem ódios, paixões ou pretensões; morrer em qualquer idade, em qualquer cidade; adormecer à beira de qualquer estrada, indiferente ao desconforto e à violência, confundindo lobos com cães de guarda, insensível ao egoísmo e ao preconceito; abraçar a paz num pesadelo, descer ao mais profundo abismo a fim de se encontrar. FATAL Eis meus mortos, acuados sob o mármore frio, ocultos em suas cavernas púrpuras. Inúteis. Sem esperanças, sem milagres; fulminados, aniquilados; vestidos para a eternidade. Vencidos. Não mais o sol os aquecerá, não mais a chuva os banhará; nenhuma honra os envaidecerá, nenhuma glória os ressuscitará. Suas sentenças foram cumpridas. O amor não os salvou. Publicado por Rubens Jardim em 24/07/2016 às 01h05
30/06/2016 22h26
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (77ª POSTAGEM)
VÂNIA AZAMOR , poeta carioca, vive em Teresópolis e trabalha como economista do governo do Estado do Rio de Janeiro. É autora dos livros de poesia Olhar mineral (2003) e Facas da manhã (1997), e Cristal Rutilado(2011) Participou na coletânea Caixa de prismas (1992). Teve poemas publicados na revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, nos jornais Poesia Viva, Panorama da Palavra e Rio Letras. CORDÃO UMBILICAL Em tudo há mãe o cerne o começo. Da minha tenho quase tudo o sorriso, a face, a vulva o que insiste e persiste no dia seguinte e em mais outro dia o que a esse se soma a vontade de mais outro dia. E como um novelo desenrolo os dias até nela chegar. FOME E NOVELO Como criar poemas se o que emerge são os guizos, disfarçados de canto, de uma serpente invisível bem junto de mim? Como precisar seu bote se me escapam meandros e sítios de seu perfume? Nesta tarde estreita que alastra prenúncios e desfaz pistas incendeio de alegria e êxtase adianto o tempo e reconstruo um namoro sem carne e curvas febril perigoso e escorregadio como um penhasco.
O que assusta também me embala e envenena. O ATRIBUTO DO AMOR 1 Põe, sem cessar, seu amor em todas as coisas em silêncio, busca alimento nos ditos do profeta sem sapatos, vai até a fonte das águas puras e apura os ouvidos naquele som extasiante aguça os olhos como diamantes do amor toca com sutileza sua luz flamejante Diante da perplexidade, não abrevia a respiração ao contrário, aprofunda esse aroma de frescor matutino A esse espetáculo de beleza regressa cem vezes se for preciso Não diga nada, para que a quietude do seu voo seja tão alto e arrebatador como o da Fênix. ARMAZEM Em minha rua o armazém anuncia o amanhecer - pessoas a caminho do dia - Nas casas o café com leite a promessa em jornal e o cesto de pães O dia cresce em luz ruído e presença Vem o bonde à esquina a criança para a escola o amor de uma mãe Chegam criadas ao fogões o faxineiro que leva o ontem e o alimento dos loucos Despertam cedo os que cuidam do mundo.. GISELLE RIBEIRO(1967) poeta paraense, é professora de teoria literária na UFPA. É autora também dos livros de poemas: Objeto Perdido (2004), Pequeno livro de poemas para vestir bem (2011) e Isso não é um livro. Isso é um caracol (2013), lançado na XV Feira Pan-Amazônica do Livro. Seu último livro, 69 (2014) reúne 69 poemas de amor erótico. PRÊT-À-PORTER Primeiro leia este livro sem compromisso maior. E se algum poema nele contido lhe vestir bem, sem precisar de ajustes, ele será todo seu.
Para ir à igreja, um encontro marcado, um passeio no bosque, uma reunião de negócios, piscina, praia ou cinema. Para fazer cooper, yoga ou jogar sinuca.
Afinal, para que mais serve o poema? TAREFAS DA VIDA COTIDIANA Lavamos todos os dias a palavra amor até desbotar. Passamos a ferro todos os dias a palavra desejo até evaporar. Depois, lavamos as mãos.
E quando a iluminura do amor se apaga, gradativamente, dizemos aos sonhos: a convivência mata. VISITA À CAVERNA O gigante acordando abre os olhos ele que jamais cria na aurora boreal Acorda agora Diante da porta de entrada da tua caverna
Labia majora Labia minora
E ele toca com suavidade Nas pregas finas Da cortina do teu prazer O corpo dele estremece O teu é todo frisson
O gigante chega ao corpo esponjoso Ele planta flores naquele amontoado De vasos capilares E quando o teu clitóris se entumesce Bem diante dos olhos dele A aurora boreal aparece ROLEPLAY Interessa-me aqui, as pernas grossas do poema Para abrir e fechar Quando eu quiser entrar.
Interessa-me também O beijo de língua molhado ou seco Do poema Pedindo para me tocar.
Interessa-me muito também A vontade, a voluptuosa vontade do poema Em me ter completamente nua Para ser só sua.
O resto desta história, Eu deixo aberto, Como as pernas grossas do poema Para quando você também quiser entrar. IOLANDA COSTA (1967) poeta baiana, é filósofa, arte-educadora e especialista em História Regional. Estreou como poeta na antologia Poetas Novos da Região Cacaueira, em 1987. Em 2004, lançou seu primeiro livro individual, Poemas Sem Nenhum Cuidado e, em 2009, Amarelo Por Dentro. Editou, artesanalmente, folhetos de poesia. Tem poemas publicados em jornais, antologias e blogs. Participou da agenda Livro da Tribo (2013). VIOLINOS QUE MIAM últimas horas dessa cronologia obsoleta travessia de tempo retirado. nenhuma praia do sul arderá em mim mais que a poesia torta encurvada em pélvis e em pêlos - nossos sais. a poeta, o colchão o violino e seus miados. FESTIM louca, sim variada no tempo saltada de dentro do jarro como nenúfar, lava palhaço de molas.
ossos sobre restos.
a fome diária e contumaz dos ossos como festos sentenciando a carnadura fremindo o sal, o veio o passar do poema pelo sangue.
atirou-se sobre ela, um dia o amor puxando-lhe o braço, a albumina o cálcio, o nutriente a bacante e a sua boca de tremores. COLAR DE ABSINTO do colo ao quadril adorna e flamba a carne adereço que a restaura, abjurada em chamas. formoso é o pescoço e as sete vértebras que o estende aos ares: lava. pira. serpe. o pescoço de labirinto e de fogo por onde ardeja, verde o absinto que me trazes. a losna-maior farfalhando como folha (em nervuras e exílio), teus delírios. ANÍMICO anuncia o princípio anímico e todas as coisas se enchem de alma. vela o Verbo espia a pena ratifica as Escrituras, o Talmude, o Tao. Deus imana e eu amo as hortaliças de verde enluarado. e o centeio e o peixe e o orvalho e a pedra e a trovoada e a magnólia. tudo exala. nada transcende. o vácuo é composto de falenas.
GERUZA ZELNYS, poeta paulista é doutora em Literatura pela USP e dá aula na PUC-SP. Também trabalha com formação de escritor na Casa das Rosas e faz mediação em Clubes de Leitura pelo Grupo Movimenta. Criou o curso de Escrita Curativa realizado em ambiente terapêutico (Instituto Naturare). Publicou o livro de poemas Esse livro não é pra você (Patuá, 2015) o dia amanheceu como amanhecem os pães
sobras do ontem esse hoje murcho e marrento CORRESPONDÊNCIA tatuei sobre toda extensão da pele com tinta vermelha e sangue azul com rimas e versos portugueses atados à ponta afiada da agulha
uma carta de amor
dobrei-me sobre mim mesma selei-me de saliva calei a esperança de resposta e mergulhei numa garrafa de vinho
endereçada ao mar NOITES BRANCAS naquelas noites brancas minha avó tricotava na poltrona e na caneca grossa palavras fumegantes de uma história que eu não bebia porque esses versos não tem matéria nem memória apenas significantes imagens bonitas que se aconchegam bem ao poema principalmente em dias de frio porque a página é sempre pista de gelo mas hoje está calor e tudo queima minha vó nunca tricotou e eu não lembro das histórias que contou se lembrasse também não sei se caberiam num poema vidas não cabem no poema estendem-se infinitamente e ele tem pressa palavras fumegantes, casacos, meias e cachecóis demandam tempo adio a velhice boicotando o tempo da vida escrevendo poesia coleciono suicídios e juventude porque jovem é o verso corda elástica de bungee jumping que só estica até o limite do chão é esse o tempo que me cabe não serei avó nem terei história mas aprendi o tempo da poesia e bebo num só trago o que me desce queimando depois enfio duas grossas agulhas no pescoço e tricoto apertando bem a grossa lã até fechar totalmente o vão oco da garganta prendo as pontas com um nó e pulo AÇUCENA aqui jaz um ponto coberto de açucenas, mas
não, não há ponto nenhum muito menos açucenas pra cobrir o que não existe
não há nada aqui: você foi embora e só o poema da falta implorou uma flor: açucena bulbosa é a planta que pranta sua partida, chuva seca que desaba dos meus olhos
você cavou um poço e me deixou sem água açucenas precisam desaguar em algum lugar: esse oco ecoando flor na cozinha vazia de fome, só os garfos miam surdamente pousada na boca do fogão a chaleira não pia porque tudo é luz agora que você foi embora e levou os escuros do meu café, antes forte e hoje nem amargo ele era Publicado por Rubens Jardim em 30/06/2016 às 22h26
02/06/2016 23h24
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (76ª POSTAGEM)
ELIANE ACCIOLY (1941) poeta mineira, é artista plástica, psicanalista, mestre em psicologia clínica, doutora em comunicação e semiótica, pela PUC de São Paulo. Publica em revistas científicas e tem poemas, artigos e livros traduzidos ao espanhol, francês e inglês. A SURPRESA O gato-maravilha que em mim morreu retorna às vezes, cara redonda e invisível
Sombra errante corre a saudade de bandos vadios e arrepia as ruas de meu corpo
Lábio de lua crescente fixo só na aparência ri de mim, Alice, prisioneira dos contrários, o país dos espelhos onde me extravio
na aprendizagem banal e mágica de ser humana QUARTETO quatro ouvindo violino
solo
só quatro chorando na platéia
c(h)oro O MENINO E O MEDO para Gianluca um mosquito entra em casa um avião invade o quarto um helicóptero pousa no peito
entre pêlos e arrepio o grito morre
na hora da guerra mãe não socorre MISTÉRIOS DE ACALENTAR MINHA MÃE MARIINHA - Senhora dona Sancha coberta de ouro e prata na infância da língua eras uma rainha
-Que anjos me rodam?
Ando velha e medrosa não mais toco o piano sinfonias não componho
- Senhora dona Sancha,
silhuetas, sombras vestidas de branco guardiões de vossos sonhos, dispensamos ouro e prata mal nunca vos faremos
- Estou velha bem velhinha tenho medo de morrer
- Medo? Pois pois, por que medo? por que medo?
Se no vosso coração canta uma menina com quem brincamos de roda?
Dona Sancha nossa senhora, vos espantastes a morte como se espanta galinhas, shô morte, shô
- É verdade, é verdade, shô morte, shô
Para os prados partirei cavalgando meu cavalo Sobre a cama da fazenda me aguarda o vestido feito na minha medida
Anjos meus por onde andais? Senti algum calafrio
- Sombras vestidas de branco somos a infância da língua somos vossos guardiões Vosso medo espantamos com histórias que contamos
- Anjos, brancas silhuetas segurem a minha mão e dormirei sossegada para acordar na fazenda onde me aguarda azul o vestido, nos braços de meu namorado
Segurem a minha mão como minha mãe segurava quando eu ia ao dentista
Shô, morte shô montada no meu cavalo espanto muitas galinhas DEISE ASSUMPÇÃO (1946) poeta paulista, nasceu em Pirassununga e vive em Maua´, ABC paulista, desde 1968. Formada em letras, especialização em literatura brasileira, tem uma longa atuação no magistério. Participa de congressos e outros eventos da área, tendo vários trabalhos publicados.Alguns de seus poemas constam de antologias, revistas e sites literários. Cofre é sua primeira publicação em livro. PURGATÓRIO a mãe gemendo de dor (sem remédio) o irmão sem dentes e emprego (e bêbado) pai e avô caducando em asilo (em cheiro de urina) sobrinhos e filhos e netos (bisnetos) alongando a caravana (em deserto)
eu parede de palavras a repercutir seus ais (só em versos)
se eu morrer só poeta ouvirei em juízo: tive fome e me deste poesia HERANÇA MATERNA Agora que já te foste, fiquei a reaprender a lição do berço de ser poeta:
Se tu vinhas e eu te via, então tu eras. Mas tu ias e te acabavas.
Teu vaivém me deu a luz de saber-te ser quando não te via, de imaginar que tudo é.
Quero saber que inda tu és e assim crerei que também sou. ASSALTO No cristal impermeável do espelho do meu quarto, olhei brincos e batom, tom de vestido e sapatos, cheiro de gotas de almíscar, dobras da seda da gola.
No espelho transparente do vidro do meu carro, colou-se um prato de fome, sobrenome de menino registrado em cartório de latrocínio de nomes, em expediente encerrado.
E eu me vi, e tive medo. CONTEMPORIZANDO O tempo me vestia com mangas compridas que engalfinhavam as mãos e pernas largas. E eu ficava esperando demorada o passeio de bicicleta e o macarrão de domingo. E eu pensava que podia guardar no bolso do pijama de flanela o pequeno fósforo de artifício já aceso.
O tempo me despe das leituras que nunca fiz, dos poemas que não escrevi, dos orgasmos que adiei. Esconde-se em limpar armários e arrancar ervas daninhas numa indolência que leva a semana de roldão à prestação.
O pêndulo é o mesmo da casa antiga e eu já nem sei se na eternidade terei de volta o amor, ou o que fugiu nos amando, ou o que ficou nos perdendo.
JUÇARA VALVERDE (1948) poeta gaúcha, é médica e dedica-se também às artes plásticas, precisamente escultura e pintura. Já coordenou semana de artes em hospitais e concursos de poesia. Publicou o livro Espírito do Tempo (2007) e participou de várias antologias e leituras públicas de poesia. MULHER EM TEMPO INTEGRAL Amor sem amizade é palavra vazia esquece a alegria dos dias azuis despido de porquês e senões.
Com afeto e ternura viaja no tempo supera culpas e desculpas aprecia um dia de cada vez.
Abusa do prazer do agora esquecendo atas, atos e ateus. É livre, leve e solto.
Vê o desfile da vida no choramingo de neto, na risada de filha nas lembranças do ontem.
Percebe o encontro do perdão os abraços da esperança o calor de um dia de sol.
E na conquista diária, de quando em vez abre o livro vira a página.
E quando sopra o vento das possibilidades torna a mulher plena e completa. VÉUS Vestida de véus em seu devaneio ora cigana ou cavaleira em busca de desejos. A procura de cama ou feno, por mais uma noite, por mais um amor. Repleta de ardor, satisfeita, vai de partida. Despedida cheia de vida Despida. CERTEZAS Serei água que banha o solo e canta na cascata, chuva forte que lava e alimenta as folhagens, por do sol que encanta o fim do dia. Talvez coração que se enternece com risada de criança, lágrima que escorre pela desigualdade, cultura que divido com todos. Quiça cheiro de terra molhada do início da chuva, som de vassoura varrendo a calçada. natureza nutrida de sonhos. Quem sabe onça que luta por seus filhotes, mulher alimentada pela esperança, poesia que transborda a alma.
Sou, certeza de resistência. Desistência? Jamais. SENSAÇÕES Nos porões da esperança brinco como criança na busca de meus tesouros; memórias esquecidas.
Entre sombras e baús, meus fantasmas imaginários rodopiam seus mágicos bailados, desengonçados.
Participo da festa. Deixo a espera vadia, entraves e outros porquês do lado de fora.
Recolho pó, teias e cacos. Limpo, organizo, desentulho... Libero espaços.
Desbravo o sombrio. Rompo, abro janelas. Feixes de luz bem-vindos.
Espaço readequado, conquistado. Aurora? Liberto a alma. AUGUSTA FARO(1948) poeta goianense, é pedagoga e mestre em teoria de literatura e linguística. É pioneira da poesia infantil no estado de Goiás e escreve também contos. Publicou Mora em mim uma Canção Menina (1982); Lua pelo Corpo(1984); O Estado de Graça(1988);Avesso do Espelho,(1995) prêmio nacional UBE-Rio de Janeiro. COMPROMISSO Nada a ver com a voz mas a palavra
Nada a ver com o pulso mas o sangue
Nada a ver com as chaves mas a terra
Nada a ver com as sombras mas os gestos
Nada a ver com a oferta mas o pranto
Nada a ver com o fardo mas o caminho
Nada a ver com a guitarra mas a canção. MOIRA Nasci do ombro esquerdo de minha avó, por isso tenho um olho no meio da testa, que vê o fundo dos rios e o contorno mais longe das montanhas.
Nasci em noite de tempestade quando um raio abriu a concha da escuridão mais escura.
Nasci olhando de lado, como quem vê a poesia brotando do chão e me encharcando os sapatos. RETRATO Aparente momento atuando no tempo. Pausa de paz desenhada impressa transparência — um sorriso.
Depois do instante aderido às veias do papel — quais as faces?
BALANÇO Metade de mim é manca outra parte se arrasta um tanto meu se desfaz outra tenta se afirmar.
Parte de mim desconheço parte reconheço e fico outra porção me reparto multiplico os duros olhos e somos a boca fechada.
O que resta de mim, salgo com sal grosso e ponho no varal para secar.
Publicado por Rubens Jardim em 02/06/2016 às 23h24
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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (75ª POSTAGEM)
ZILA MAMEDE(1928-1985) poeta paraibana, formou-se em biblioteconomia, trabalhou no Instituto Nacional do Livro, em Brasília.Foi diretora da biblioteca da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, onde viveu a maior parte de sua vida e onde o mar a levou para sempre. Publicou : Rosa de Pedra (1953), Salinas (1958), O Arado (1959), Exercício da Palavra (1975), A Herança (1984) e Navegos (Poesia reunida 1953-1978). A PONTE Salto esculpido sobre o vão do espaço em chão de pedra e de aço onde não permaneço - passo. SONETO DA TUA VINDA ANTECIPADA Chegaste antecipado de mistérios tendo na face, amorfo, o meu segredo. Na argila do teu beijo adolescente trazes canções molhadas de esperanças
sobrepairando lábios e hemisférios onde se oculta, informe, o teu degredo. Te vejo aproximado e intransparente, te sinto inatingido de lembranças.
Por onde andaste, ó ave de granito, plantando os pensamentos? Onde a veste a seduzir-te chamas, branco e espaços?
Meus olhos te investiram de infinito guardando, intato, o amor que não trouxeste na tarde prematura dos teus braços. RUA(TRAIRI) Nos cubos desse sal que me encarcera (Pedras, silêncios, picaretas, luas, anoitecidos braços na paisagem) a duna antiga faz-se pavimento.
Meu chão se muda em novos alicerces, sob as pedreiras rasgam-se meus passos;
e a velha grama (pasto de lirismos) afoga-se nos sulcos das enxadas,
nas ânsias do caminho vertical. Ao sono das areias abandonam- se nesta rua vívidos fantasmas
De seus rios meninos que descalços apascentavam lamas e enxurradas. Meu chão de agora: a rua está calçada. BILHAR a Ludi e Oswaldo Lamartine Na medida exata em que a noite corre não fico: me ausento como quem morre
Entre lousa e livro - único disfarce que concedo ao tempo = mudo-me a face
que, no entanto, vária, inábil, reprimida, perde-se no encontro tátil da vida
Bola sete em rude pano de bilhar marco meu sem rumo jogo-de-amar. HELENA PARENTE CUNHA (1930 ) poeta baiana, é pós-doutorada em letras e fez carreira acadêmica como professora universitária da UFRJ. É também ficcionista, pesquisadora, ensaísta e crítica literária. Seu livro de estréia, Corpo do gozo (1960) foi premiado no Concurso de Poesia da Secretaria de Educação e Cultura da Guanabara, em 1965. Tem mais de 25 livros publicados entre poemas, contos e ensaios. QUEM quem me habita provisória nesta paisagem súbita onde sou?
quem chora pranto antigo nos meus olhos contemporâneos desta viagem?
quem fui quando passei aqui tão longe de onde sou agora? BLOQUEIO onde sopra agora o vento que levava o que eu dizia?
onde se perderam os nomes que tantas coisas tiveram?
onde ficaram as coisas chamadas em minha voz?
e minha voz como assim subtraída?
gosto de pedra na saliva em minha língua
as palavras me emparedam onde houvera minha boca GEOMETRIA paralela ao espelho avanço nos pontos e nas linhas que me traçam
as côncavas mãos onde me elipso
no riso horizontal meu rosto vertical ao pranto PERTO Daqui desta janela ocidental da minha rua das laranjeiras entre os cabelos assustados dos dois coqueiros frente ao meu prédio daqui junto ao convite maternal das mangueiras daqui deste instante brasileiro que se move aberto pela minha janela carioca daqui da minha verde verdade tropical eu vejo sim eu vejo daqui a limpidez dos cedros e a serenidade inequívoca dos pinheiros plantados no outro lado do dia. MARIA CONSUELO CUNHA CAMPOS (19 ) poeta matogrossense, nasceu em Porto Quebracho, MS, mas reside, desde os 8 meses, no Rio de Janeiro. É ensaista, contista e doutora em letras pela PUC-RJ. e professora de literatura brasileira da UERJ, nos cursos de graduação e pós-graduação .Publicou :Mineiridade(1980) (Prêmio da Fundação Cultural do Distrito Federal) e Inácio de Loyola, o poema de Deus(1986). FACHADA PARA BALANÇO Por fora, uma boa mão de tinta. Por dentro, um aviso prévio às ilusões, perdidas No atrito do tempo com o ralo Quotidiano. Eis a casa interior, Esta habitação do hábito De novo pronta para o convivio E para tudo.
Chatos Como vitoriosos medíocfres Seres clichês Todos eles estão convidados, Súbito convíveis Sem mais hiperglicemia ou enxaqueca... Ah, as fachadas, Com que a casa acorda Para o mesmo incolor nosso de cada dia! FECHADA PARA BALANÇO Persianas e venezianas, brasilianas Fechadas Bem trancadas todas, dentro de mim, Que apuro débitos (muitos) & créditos (poucos) neste viejo almacén de secos ou de molhados em que se transformou meu quarto interior de guardados, onde jaz, sem remorsos, a utopia não realizada e as mil investidas contra moinhos de aço escovado high tech design assinado como se fossem apenas de vento... FICHADA PARA BALANÇO Até a próxima ditadura Certamente civil, Sorridente, cordial, Ou até alguma razzia Contra os opositores da globalização neoliberal Ou- quem sabe?- mesma alguma simples blitz local Contra os despossuídos de poder De sempre... (Só a ironia- esta bóia inflável- me salva do naufrágio cotidiano!) LAURA NOGUEIRA( ) poeta paraense, dedicou-se desde os 15 anos a escrever e reescrever a obra Porque Uma Flor é Grito Matéria, ganhadora, em 2012, do Prêmio Literário Vespasiano Ramos, promovido pela Academia Paraense de Letras, no gênero poesia. Formou-se em letras pela Universidade Federal do Pará e é professora de língua portuguesa. Participou das plaquetes 30 poetas,30 poemas (2015)e Belém 400 Anos(2016). AUTO-RETRATO DE VAN GOGH Há uma tempestade de luz sobre o rosto, luz escura de agonia. O amarelo como um golpe, um susto e um surto. Seria tua veia na fímbria da roupa o grito vermelho? Estaria tua orelha esvaída na borda da camisa, aba do chapéu, barba? Tua face bordada pelo sangue na tela sangrada de sombras. Na tua boca o silêncio de cabelos brancos. A estridente cabeça observa com olhos de turbulência. NOITE ESTRELADA DE VAN GOGH Na noite estrelada, o acorde da angustiada guitarra. O laranja ressoa Na pele nasce violino estridente. Da mão, o fogo redemoinha. O gesto vermelho pare as chamas, e uma voz negra. Uma voz noturnamente azul De absurdos silêncios e lembranças. FEITOS Atraí com o bico do lápis um pássaro que sonhei. Atirei-me ao precipício do poema com a pedra do sonho amarrada ao pescoço. MELANCÓLICO Ao amigo Marcos Palheta Meu amigo é melancólico. Os melancólicos também são pessoas interessantes, nos disse. Cava com o olhar, na parede um mapa de filosofias. Olha para nós como para o fundo de um poço. Os olhos são poços com águas negras de melancolia.
Meu amigo vive um constante mergulhar. Às vezes some numa frase. Emerge depois como voltasse do mar, E o mar fosse assombro.
Meu amigo retorna como quem volta ao distante. Galga o sabor de vinhos antigos. Quer ter um odre de poesia na adega de sua velhice. É de temperamento plácido como a lagoa, a estrada sem viajantes, Sol neutro na água. Vê música no poema e sorri, riso por vezes debulhado da angústia.
Publicado por Rubens Jardim em 08/05/2016 às 16h18
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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (74ª POSTAGEM)
JANDIRA ZANCHI(19 ) poeta curitibana, é ficcionista e educadora. Tem cursos de pós-graduação em astronomia e educação e é profissional de magistério. Trabalhou na Universidade Agostinho Neto, Luanda – Angola, entre 1985 a 1987. Como poeta publicou Gume de Gueixa (2013),. o livro virtual A Janela dos Ventos (2012) e Balão de Ensaio (2007). Participa do cosnselho editorial de mallarmargens, Revista de poesia e arte contemporânea. SISOS ...quase todos os instantes do dia ocupados em desfazer as pistas
das grandes vertigens dos alpendres de muitas fases dos minúsculos pormenores dialogados enfrentados na tábua rasa dessa empáfia oscilante e deslizante
comemorada em sisos e risos eloquentes disparados ao sol e ao sul — de mim..
SENHORA Foi na última noite. A primeira tempestade da madrugada Anunciava a chegada do alvorecer E todos os raios que partiram Em viagens ignoradas Voltarão em um clarão de lucidez.
Eu só me ria, só me ria correntes e grilhões desabando nem barreiras nem segredos como vivemos por tantos anos agrilhoados obstinados. Mas, tem a primeira madrugada.
Antes de adormecer grande despertar palavras e conceitos – não refaço não repiso não teorizo. Prática pré-praxis teoria depois sonho agora nessa madrugada.
castigos e fetiches coração eterno coração detive incansável que ronda teus passos
deve estar na poeira dos teus pés o segredo da minha paz.
17. OUTONO estamos erguidos em moreno quintal
jardim sem vícios ou virtudes por cem anos aspiraremos um ar de maribondos e metamorfoses
ondulando-nos entre as crases parágrafos como germens de cevadas ou frutos de outono.
UMBIGO fumava fumaças de charutos rútilos desejava desvios de prantos e pratas nádegas de defuntos
esquálida e vibrante essa face nódoa amante do umbigo
fertilizadora de silêncios.
CARLA ANDRADE(1977 ) poeta mineira, é jornalista e vive em Brasília há sete anos. Alguns de seus poemas foram premiados em concursos em Minas Gerais, São Paulo e Rio de Janeiro. Publicou três livros: Conjugação de Pingos de Chuva(2007) Artesanato de Perguntas(2013) e Voltagem (2014). EMBRIAGUEZ Acordei com gosto de ontem na boca. Vontade de ser um bálsamo. Procissão meus pensamentos, sem velas, no escuro, não há mãos dadas. Vão-se ideias em vão. Já vivi em livros Suprimi vertigens E não há mais vinho. Estou extinta há anos.
O MOTIVO DO SILENCIO Dendê, a palavra. É pimenta que anula. Gravata do sentimento. Para o amor, envergadura.
A palavra tem pele dura, sem âmago. É entranha de fagulha.
A palavra é bêbada, branca de desejo. Vândala armadura.
Prende em ecos o ar azul do dialeto, rouba mãos, grossas veias, esconde os dentes do afeto.
Invade a semântica do silêncio a metáfora dos amantes. Subverte o não nascido, transverte o que deve ser polpa. A palavra endireita o que é certo torto. Empobrece da alma o abismo.
Corpos nus não conjugam verbos na cama.
MARCADOR DE LIVRO Esta fita vermelha é como o fingimento dos seus quadris. Sempre fecho o livro quando não entendo o ritmo das letras.
As perguntas tão desinteressadas nas respostas.
Certos movimentos automatizados não me coram mais.
Mesmo assim, rápidas, lubrificantes de ponteiros são as minhas mãos, num seminário do desejo.
Na nudez do escuro, nada é tão impuro.
BARRA GRANDE Levei um ano para ver estrelas de novo. Olhei muito para cima nesse intervalo, mas elas se escondiam entre prédios com sobrenomes.
Tinha que voltar... colecionar as conchas que o mar não nos trouxe, como uma antologia de tudo que não se pode repetir.
ANA KEHL DE MORAES (1987) -poeta paulistana, fez curso de cinema na Universidade Federal Fluminense. Voltou pra São Paulo em 2010 e, no ano seguinte publicou seu livro de poemas NÃO FALO(2011). Atualmente se dedica à permacultura, música, comunicação não-violenta, meditação e outres aprendizados – além da poesia. 1. O mar: um fato, uma gota e já é mar.
Amor: um fato, uma gota e já é mar.
AMAR Matutando. Não sei o vento que me bate na cara. Se me levanta ou se me resiste, e não sei em que sentido: de cima pra baixo ou contra meu grito, não sei em qual abismo
estou voando.
7. João é um chão firme. Mas entre os grãos dessa terra se forma uma colmeia onde zumbem os voos, viagens, os muitos olhares de João.
Ele é um surto, e também nossa rotina. Abriga minha paixão, abriga minha guerra.
Força bruta crua, pensamento, braço – barba – uma risada, cara lunática. muita estrada.
João está onde eu vá. Por toda a minha pele.
CALEIDOSCÓPIO A presença é mais poderosa do que a simpatia, a fotografia - dizem as mulheres quêchua - dribla as almas, os cometas nos espelham, a saudade é um artifício dos deuses pra nos lembrar quantos mundos somos.
ALICE SANTANA (1988) poeta carioca, estreou com o livro Dobradura, em 2008. Lançou também as plaquetes Pra não ficar na gaveta e Bichinhos de luz, em tiragens limitadas. Seu livro Pingue-Pongue, em parceria com Armando Freitas Filho, foi lançado 2012. Seus poemas estão em várias antologias. Rabo de Baleia(2013) é seu último livro. há na esquina da rua um piano que toca notas esparsas em lá menor
nunca vi o rosto de quem se esconde por trás de acordes sustenidos
e que desfila dedos no teclado com a leveza de quem sustenta passarinhos no ar
COSTELAS DE ADÃO não serve de nada a janela a não ser para amparar do vidro do carro a estrada que escapa veloz e separar a montanha do céu noturno na linha que divide o escuro do ainda mais escuro você no banco um pouco mareado estar perto não quer dizer muito enquanto ainda não se chega lá olhar pela janela uma tontura a mesa que espera em casa firme em suas quatro pernas sustenta o vaso verde e nele duas costelas de adão as folhas estão prestes a irromper do vaso assim que a luz for acesa são fogos de artifício estourando na fotografia
UM ENORME RABO DE BALEIA cruzaria a sala nesse momento sem barulho algum o bicho afundaria nas tábuas corridas e sumiria sem que percebêssemos no sofá a falta de assunto o que eu queria mas não te conto era abraçar a baleia mergulhar com ela sinto um tédio pavoroso desses dias de água parada acumulando mosquito apesar da agitação dos dias da exaustão dos dias o corpo que chega exausto em casa com a mão esticada em busca de um copo d’água a urgência de seguir para uma terça ou quarta boia e a vontade é de abraçar um enorme rabo de baleia seguir com ela
AUSÊNCIA tenho te escrito com calma cartas em um caderno azul arranco da espiral e não posto por preguiça ou nem morta tenho medo da espera durante dias ou semanas um animal horrível (espécie de raposa) vai me perseguir por dentro, ou serei eu mesma (um rato?) a me roer enquanto a resposta não chega perco muito tempo tentando dar nomes aos bichos que sobem a cortina do quarto.
Publicado por Rubens Jardim em 04/04/2016 às 01h21
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