27/07/2012 12h11
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (24)
CARMEM LÚCIA FOSSARI (1954) poeta catarinense é mestre em Literatura Brasileira pela UFSC com opção em Teatro, diretora de espetáculos do DAC - Departamento Artístico Cultural da UFSC, diretora e fundadora do grupo de pesquisa Teatro Novo. Escreveu, encenou e dirigiu várias peças que foram premiadas. Publicou Heresia(2011) após testar a receptividade de seus poemas em blogs e sites da internet. POEMA PARA FERNANDO ARRABAL Uma borboleta voou desde as ferrugens dos carros de teu cenográfico mundo Dali, um salvador Depois que tomado de sangue e tempo, Tu és o terceiro espanhol, forjado na espanha pós guerra civil Canto para ti, porque acendes o amor , que lorca tão bem o cantou, Desde nosso mais íntimo forum patafísico, que o humor é a única ponte que atravessa o medo, o terror POESIA À FEDERICO GARCÍA LORCA Em ternura tuas palavras Ainda ressoam Ecos, e, se tuas Porque desvendas e, Por teu sentimento Revelam-se, são nossas As palavras Que precisamos ouvir E evocam também as Nossas “veias abertas” E, então vem à cena: “ LA BARRACA” Nos bairros e vilas camponesas Eis o lazer pensante, Chegando cedinho Antes mesmo que a Nova ordem social Traga: Sopa quente A todas as mesas! O teu Teatro, chegou Trazendo vida à quem Tem que ter esperanças!! E,o outro tempo, que Também passará... Há de chegar breve, E vai soprar nos ouvidos Em sussurros LIBERDADE (carícia comum) Olho agora teus olhos Negros, Tão negros e belos Que não conheci, Mas que os vejo, emergem Impressos, fotografias E, eles ainda falam Mesmo, depois de serem fuzilados, se alam do papel memória e, Contam as nossas incontáveis Desesperanças. Só estes teus versos fortes movimentam e penetram E dizem que a força do trabalho De sol a sol, dos homens, das mulheres, E (que horror) das crianças, Silenciam gritos! Só eles falam à todos nós De que é inabalável o movimento Do movimento Que chega da força coletiva Para que este mundo, do não Seja ontem. Agora choras porque te roubam A tua vida E os teus olhos negros se fazem silêncio. S i l ê n c i o Mas as nossas vozes de trabalho, não te silenciam E, gritamos ensurdecidas, ensurdecidos, até que Por tuas palavras resgatamos Que há outro caminho, por onde caminhamos E caminhamos em ti abraçados LORCA, LORCA! ....Continuamos.
TRAVELLING
VOLTEIO RITA MOUTINHO (1951) poeta cariosa, jornalista e pesquisadora, é formada em comunicação social pela PUC-RIO, colabora em jornais e revistas e orienta oficinas de poesia. Estreou em 1975, com Hora Quieta, livro que teve muito boa repercussão crítica. Seguiram-se A Traça(1982), Uma ou Duas Luas(1987), Vocabulário, Um Homem(1995), Romanceiro dos Amantes (1999) e Sonetos dos Amores Mortos(2006). A PAZ NÃO FAZ BARULHO À noite nascem as horas de viagem: carrego o dia em bagagem até o cimo da falésia e lanço os desatinos em mergulho.
Só então as límpidas águas do escuro alvam o futuro das dissonâncias do dia. O choro estia e durmo: a paz não faz barulho.
VELEIRO
SONETO DUPLO PARA YANG E YIN A arte de amar nos nasce espontaneamente, ........................................................................... A arte de desamar é árdua e espinhosa, SONETO DE UM SÁBADO SURREAL Tu, anjo do “Teorema” e também bruxo,
MARILDA CONFORTIN (1956) poeta catarinense, prosadora, analista de sistemas e funcionária pública aposentada, vive desde 1975 em Curitiba. Já ministrou várias oficinas deu palestras e fez leitura pública de poesia em teatros, bares e praças. Representou o Brasil em encontros de poesia no México, Nicarágua e Portugal. Em novembro deste ano estará no XX Encuentro Internacional de Mujeres Poetas en el País de las Nubes, Oaxaca, México. Publicou Busca e Apreensão(2010), Lua Caolha(2008)
Gostosa!
Per ver tendo te
Brinde Poesia é uma Flor Bela que Espanca, golpeia, fere, maltrata. Poesia quando ataca provoca cirrose, divórcio, neurose, taquicardia, tuberculose… Poesia mata! Por isso, os grandes poetas estão mortos. Por isso, os poetas vivos são assim tão… tortos. Só loucos, vivem a poesia em sua essência. Em sã consciência, a hipocrisia desta vida é insalubre, arde feito urtiga e é mais fria do que a vodka que consumia Maiakowski. Por isso eu ergo uma taça, e faço um brinde: A todos os malditos poetas seres visceradis pelo avesso, não servis, vis citados, anônimos e abominados que rabiscam e recitam seus manuscritos pelos botecos, sebos, saraus e feiras livres prisioneiros da poesia. Aos benditos que publicam e são lidos, e aos ficam empoeirados, empoleirados nas prateleiras, criando teia, esperando que um dia alguém os leia. Aos que travestem a poesia com barro, tinta, efeitos virtuais, acordes musicais e cantam, pela vida sem serem ouvidos. Um brinde aos que partem cedo, com medo de verem suas almas sendo dissecadas por críticos estúpidos. Poesia é de quem precisa dela, já dizia Neruda. Se você não precisa, não leia, não ouça, não toque! Ela é como um feto: precisa de calor e útero e não de um fórcipe obstetra. E mais um brinde A todos aqueles que atuam à luz do dia, nesse imenso palco, de paletó, gravata, saia justa, salto alto, e esperam impacientes a aposentadoria para enfim, declarar seu amor pela poesia. A todos aqueles que, entraram na fila errada, e estão neste mundo por engano só para diversão dos deuses. Não escrevem, não cantam, não esculpem nem declamam. Mas sentem, amam e acolhem anonimamente a poesia em seus ventres. Um brinde a todos os recipientes!
Suicídio Com agulhas de crochê a velha senhora mata horas. CRISTINA BASTOS (1960) nascida em Uberlândia, Minas Gerais, a poeta vive em Brasília desde 1972. Formada em Educação Artística, exerce também as atividades de artista plástica e fotógrafa. Participou de algumas antologias e publicou dois livros: Decerto Deserto (1992) e Teia (2002). Segundo o poeta Salomão Sousa, assim que publicou seu primeiro livro ela passou a ser considerada uma das importantes vozes da nova poesia de Brasília. Não importa Não importa se não comando meu forte é ver navios
em sossego sei sorver,
se sopra brisas se venta, tempesteio.
Não importa se sou mestre em arrasar passados,
só no meu mapa Mexo é minha a história que calo,
na loucura sei sorver,
o mel, o veneno do meu prato.
Limpidez Quando o profundo
não diz o máximo com o mínimo
interdito
mesmo o emaranhado pode ser sucinto cristalino.
Qualquer Coisa
Publicado por Rubens Jardim em 27/07/2012 às 12h11
10/07/2012 10h47
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(23)
LOURDES TEODORO (1946) nascida em Formosa, Goiás, reside em Brasília desde 1959. Escreve e publica desde a adolescência e já foi Incluída em antologias poéticas no Brasil, na Europa e nos Estados Unidos. É doutora em Literatura Comparada pela Universidade de Paris, Sorbonne, e autora de quatro livros de poemas: Água Marinha ou Tempo Sem Palavra(1978) e Canções do Mais Belo Pecado(1996) são dois deles. à sombra dos embondeiros do recife V toma da máscara a forma exata, veste tua real aparência, medita. deixa cair a suposta essência, sê trigo e coquelicot: aceita a passagem gratuita da brisa dorme, que sonharei contigo.
à sombra dos embondeiros do recife VI carta sem destinatário. não sou trezentos, tampouco tenho em mim todos os sonhos do mundo; custa-me ajeitar os ombros, com todo esse peso das mãos de uma criança, querendo eternamente ser em mim. dancei na praça: os meninos de rua soltaram o corpo comigo, súbito, sem loló ou crack, viraram folha, docemente ao vento!
paisagem litorânea
os arranha-céus subiram aos morros, para ver o mar e os negros mudaram-se para a avenida Copacabana. as usinas e as fábricas lançaram-se dos penhascos, a ponte se dissolveu na bruma e jangadas povoaram a baía, inocentemente.
O corpo, o nada. a joão cabral de melo neto. o segredo do tempo - a pedra - a coragem do tempo - a pedra - a riqueza do tempo -a pedra - a frieza do tempo - a pedra - a erupção do tempo - a pedra - a construção do tempo - a pedra - o silêncio do corpo - a pedra - o peso sobre o nada - a pedra.
ARRIETE VILELA(1949) poeta, cronista e contista alagoana. Professora aposentada da Universidade Federal de Alagoas, onde trabalhou com a autoria feminina na Literatura Brasileira, foi eleita para a Academia Alagoana de Letras em 1996. Sua obra recebeu inúmeros prêmios, pela importância de sua obra, como o da União Brasileira de Escritores do Rio de Janeiro, em 2002. NÃO DEVIAS
POEMA 25 O Poema não devia esfolar a Palavra que há dentro de mim, pois se destrançam, assim, os fios de sisal que prendem memória e realidade.
O Poema devia aliviar essa fascinante e atormentada relação com o que sou, com o que não sou, numa dualidade quase fluida, quase erótica.
O Poema não devia deserdar-me do sonho comum, das pessoas com seus olhos de isca e de fastio.
O Poema devia esvaziar-me da Palavra e de suas resistências, para que eu seja apenas devaneio à-toa.
POEMA 1
POEMA 2 XENIA ANTUNES(1949) nascida no Rio de Janeiro, a poeta mora em Brasília desde os anos 60. Escreve poesias, contos, crônicas e artigos. Tem dois livros publicados: Parto Normal e Exercícios de Amor e de Ódio (1980). É também artista plástica e fotógrafa. Integrou a chamada geração do mimeógrafo e participou de inúmeras antologias.Segundo o poeta e crítico Antonio Miranda,o poema Maria dos Prazeres é um clássico da cultura de Brasília.
A respeito do enjôo matinal nada a fazer. Decididamente, café e pasta de dentes nunca tiveram nada a ver entre si. Mas pior é o espelhinho aquele que fica logo acima da pia do banheiro esse agente da CIA incorporado à náusea cotidiana. Não se vê nele nada além da fotografia que ilustra a cédula de identidade. E ele te cospe crimes, antecedentes criminais e ainda te diz a idade do criminoso.
É preciso que vistas um vestido amarelo, ordenes teus pelos e batas a porta, rápida, atrás.
MARIA A DOS PRAZERES Cada vez que me possuem cada vez fico mais pura mais casta mais virgem
Cada vez que fico nua cada vez sou mais louvada beijada aleluia
Cada vez que eu me entrego cada vez eu sou mais santa mais salve rainha
Cada vez que estou parindo cada vez sou mais mater mais ave maria.
MÃOS São mãos nos meus cabelos, nos meus olhos, na minha boca são mãos treinadas em percorrer a carne viva mãos que procuram a parte escondida são mãos acostumadas, salientes, que me desenham flores no corpo todo que me ativam a glândula são mãos que mentem o gesto escondem de mim o resto e, depois das mãos os pés acima de tudo.
Ai, estão me machucando!
EXERCÍCIO DE ÓDIO é porta de igreja é só pra olhar põe o dedo na chaga não olhe e se contenta em olhar deixa o sangue brotar deixa o dinheiro na lona deixa o miserável na zona deixa e deixa o membro sofrer deixa e deixa o bicho comer é porta do inferno é fogo na brasa é ferida magoada é jejum madrugada é frio é fome é porta fechada pra tua passagem deixa andar deixa azar desgraçar não vá confirmar o dia a pontaria a afronta não conta o perdão já não há é só pra olhar sem espanto que teus olhos ainda vão ver tanto!
CYANA LEAHY-DIOS (1950) poeta soteropolitana é niteroiense por opção. Escreve ensaios, ficção e poesia. Autora de dezenas de artigos, capítulos de livros e textos apresentados em congressos nacionais e internacionais. Publicou Biombo(1989), livro de estréia na poesia. Seguiram-se Íntima Paisagem (1997), O Livro das Horas do Meio(1999), Seminovos em Bom Estado(2003) e (Re)Confesso Poesia(2009). Conquistou prêmios literários no Brasil e na Inglaterra. Da gata Era uma vez a gata. Prenha gata. Sozinha no fim-de-semana deu à luz quatro gatinhos. Sem trauma, sem parteira, sem curativo. Agora cinco gatos vagueiam pelo palácio Saudáveis. Negros. Independentes como nunca fui
aula de pintura enquanto enrubesço me ensina a pintar com o corpo me ensina a perder os medos e a poder sujar as pontas dos dedos as unhas e as palmas das mãos nas tintas de todas as cores enquanto enrubesço em vinho tinto sê meu mestre amor
cena sertaneja Serpentes negras foscas invadem ameaçando o sertão incompreensíveis na paisagem avançam canaviais adentro rebolando sinuosas no ventre miserável. A fome se instala às margens de mãos e rostos enegrecidos
Sol, fuligem e muita dor sugam canas impróprias não mais caules em fruto apenas seca matéria-prima rostos e mãos carregam armas afiadas (para o trabalho) e cegas (na parelha com a justiça)
A serpente asfáltica plana e lisa ressalta na paisagem (estrada do coronel asfalto do coronel) fazendas canaviais usina. Por enquanto a Miséria estende o braço e implora por mais um dia
Eu faço a festa: Publicado por Rubens Jardim em 10/07/2012 às 10h47
Copyright © 2012. Todos os direitos reservados. Você não pode copiar, exibir, distribuir, executar, criar obras derivadas nem fazer uso comercial desta obra sem a devida permissão do autor. 21/06/2012 13h01
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (22)
SONIA PEREIRA (1952) poeta paulista, é arquiteta formada pela USP e também compositora. Organiza e participa de saraus e oficinas literárias em São Paulo. Já participou de várias coletâneas e obteve algumas premiações. Publicou dois livros: Conta Gotas (1998) e Maldições e Outras Crueldades (2004). Atualmente produz seus próprios livros e integra o grupo lítero-musical Sampestre.
RESISTÊNCIA A fresta do muro é suficiente. Cabem: a lua e o sol poente
FÁLICA Falo de mim, sempre falo. Deslizo em meus vãos desejos de línguas e mãos ávidas e falo, sempre falo.
ALVORADAS *************************************** A preocupação com a grana me engana a pena falha a poesia engasga o peito se retrai. Vazio, o bolso gargalha.
MÁRCIA MAIA (1951) poeta pernambucana, é médica e participou de várias antologias, no Brasil e Portugal. Edita os blogues Tábua das Marés e Mudança de Ventos. Teve poemas publicados na revista Poesia Sempre, da Biblioteca Nacional, 2001. Já publicou 6 livros: Espelhos (2003), Um Tolo Desejo de Azul(2003), Olhares/Miradas (2004) e Em Queda Livre (2005), Cotidiana e Virtual Geometria(2008) e Sem Amém (2011).
A chuva enxágua as calçadas — preciosamente preservadas — sombria imagem de esquecidos. INTIMIDADE se tocar um blues mas,se tocar um tango depois e seguir sendo amigos
ÍNTIMO sentes? esse arrepio que disfarço sentes?
MUDANÇA DE HÁBITO desistiu. cortou os cabelos, encurtou esqueceu promessas e juras : a dele. tratou de, em paz, viver a vida as cartas, entretanto, guardou
RAÍZES
Cântico dos pães "Recebe o batismo e lava os teus pecados “(At 22, 16).
Quando amasso o pão volto-me às mulheres, minhas ancestrais.
Enquanto misturo os ovos e a farinha, faço poemas e canto baixinho para não acordar a massa que descansa enquanto cresce, assim como crescem minhas palavras.
Na janela, violetas roxas silenciam-se ao me verem antiga e alimentadora. Eu nunca me mostro assim, sem letras, entre silêncios, sacramentada pelo pão fermentado.
Minhas ancestrais sorriem, pois sabem que permaneço pura e envolta pelas paisagens simples do adro, do sino, do gado, da água e do pão ao lambuzar-me como estou.
Faço delas minha proteção. Depois me batizam na lida da casa, molham meus cabelos com a água do tempo, ungem minha testa com o sal da poesia, e eu passo a entoar o cântico dos pães
DAS LEMBRANÇAS
Eternizando
NOÉLIA RIBEIRO (19 ) nascida em Recife foi morar, ainda pequena, com a família no Rio de Janeiro. Com 12 anos mudou para Brasília, onde vive até hoje. Fez letras na UNB, especialização em língua portuguesa e inglesa. Participou do livro Salada Mista com os poetas Sóter e Paulo Tovar. Em 1982 publicou seu primeiro livro, Expectativa eem 2009, Atarantada.
GRÁVIDA Dentro de mim o ser busca espaço
DEVER DE CASA
CÓDIGO DE BARRAS
VERSATILIDADE MATERNA
Publicado por Rubens Jardim em 21/06/2012 às 13h01
27/05/2012 00h48
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (21)
AMNERES, poeta paraibana, mora em Brasília desde 1979.É formada em letras e em jornalismo pela UNB. Promove e participa de leituras públicas. Publicou Humaníssima Trindade (1993),Rubi (1997), Razão do Poema (2000) e Entre Elas (2004). Estreou com a antologia Emquatro (1985) em parceria com mais três poetas brasilienses. Soneto Antes que o tempo transborde antes que a nascente estanque antes que o desejo murche e o outono se achegue. Antes
Que os olhos se embaracem sob o impacto da velhice (como se a alma dançasse e o corpo só assistisse)
Antes que a luz esmoreça antes que o dia anoiteça toma-me, amor, uma vez mais
Antes, amor, que eu te esqueça antes que a chama adormeça como a espuma se desfaz.
Gaivota Como uma corça, A poesia me alcança E sopra em mim brisa morna, Sereno, centelha, esperança.
Como uma puta, A poesia se apossa de mim, Carne viva, e me excita E de esperma me ensopa.
Como uma rosa, Uma mina, uma luz, Pedra preciosa, A poesia seduz.
Como uma Lãmina, A poesia em mim corta, Faca afiada me esgarça E me encharca e me aborta.
Como enseada De aldeia remota, a poesia gaivota em mim voa e liberta e arrebata.
Como uma enchente Na veia dos dias, A poesia transborda, Torrente, vazão, travessia.
Auto-retrato
Eu sempre andei assim quase absorta quase abstrata quase perdida
Eu sempre entristeci quase obscura quase culpada quase escondida
Eu sempre amei assim quase obscena quase extremada quase exaurida
Eu sempre percebi ser esquisita quase obtusa quase maldita
Eu sempre fui assim quase uma atriz sonhando ser o amor e ser a amada
Eu sempre fui assim quase exaltada quase encantada quase feliz.
VERA AMERICANO, poeta mineira, residiu entre Goiás, Rio de Janeiro e, mais tarde, em Brasília. Estudou Letras na UNB, e fez mestrado em Literatura Brasileira na PUC/RJ. Atualmente, trabalha na Consultoria Legislativa do Senado Federal, na área de cultura e patrimônio histórico. Publicou os livros A hora maior (1970) livro premiado pela UBE e Arremesso Livre (2004) Duplo mortal Postar-se no desvão entre dois argumentos, por dois segundos.
Respirar economicamente entre duas palavras, duas ondas muito crespas.
Decidir em sânscrita ilusão: viver ou deixar para mais tarde.
Pequeno Roteiro Tenso
A palavra exata Desferida Do último pavimento Abre uma cratera Extravagante na certeza absoluta.
Cratera
Daqui pode-se ver: a eternidade termina logo ali.
Filme noir
Um silêncio oco, de catedral, passos ressoam, uma porta bate.
Se você não percebeu, fui eu, definitivamente.
CLAUDIA ROQUETTE PINTO (1963) poeta carioca, formou-se em tradução literária ,dirigiu o jornal cultural Verve e começou a publicar nos anos 90. Já tem cinco livros de poesia publicados: Os Dias Gagos (1991), Saxífraga (1993); Zona de Sombra (1997); Corola (2001 – Prêmio Jabuti de Poesia/2002) e Margem de Manobra (2005). POEMA SUBMERSO olho: peixe-olho que dedos tão tentáculos ei-lo ao pé da frincha que
a Novalis
Ainda úmidas sobre a folha, orvalho escuro que pousa na pele, imperiosa e nua. Mal desgarradas da pena, cada pequena curva tatua as ideias na superfície ácida. Isto imagino, se te vejo debruçado sobre a mesa o penhasco olhos anoitecidos despencando no hiato das ventanias. Isto, enquanto imprimo os teus Hinos à Noite nestas folhas ordinárias, palavra por palavra coagulando na brancura ininterrupta, saídas da boca da máquina como uma carta pela fenda da porta duzentos anos mais tarde e úmidas, ainda. O torneado... O torneado hábil das palavras o dissonante vão das consoantes não podem mais – nem por um instante – buleversar o meu pequeno alento. E já nem tento, ainda que fugaz fosse o prazer no momento do encontro satisfazer com tais materiais minha volúpia pelo contratempo. Abandonar o ritmo, eis tudo: mudar de logradouro – ou de logro – que isso de escrever é jogo perdido de antemão, no mano a mano. Mas sem ressentimento: o mais são nuvens, e todos os poemas um engano. O naufrago No escuro sobre o vazio A escada de jacó Ela estava rindo ZÉLIA BORA poeta paraibana, escritora, crítica literária e professora. A autora tem doutorado em Estudos Portugueses e Brasileiros, pela Brown University, USA e atualmente é professora de Literatura Brasileira da Universidade Federal da Paraíba. Publicou A Grande Mãe e outros poemas( 2006) e De Eloísa para Abelardo, poemas jamais escritos (2008) Eis o meu pedaço de mundo A PALAVRA vida que me sustenta meu cotidiano horizonte de minha vida e de minha morte vago nesse mundo das coisas como o Absoluto não resisto à experiência dos objetos que me cercam: sol mar pássaros estrelas eis a linguagem infinita das coisas.
*** Me possuo, desabrochada em pura felicidade do momento pacto secreto da finitude. Me possuo, como a erupção do meu absoluto. Meu Outro, alma exilada que agora volta para casa saciada de tantas viagens TU, meu verdadeiro outro
*** Mergulho em ti. Sou esse ente desenraizado que se dá ao extremo... e convida-te a assumir o teu próprio ser para além dos nossos corpos. Não te percas nas possibilidades fatuais, pois A MORTE É CERTA. Acompanha-me vida minha encontra esse outro modo da certeza que emerge dessa estranha alegria.
A Garcia Lorca
Inventei uma dedicatória santa, como se tu tivesses oferecido a mim o teu último poema. Assim, pensei arrancar de ti o fluxo poético desta descontinuidade chamada vida, interrompido pela morte assassina. Porém, sabias que bendita e antiga é a morte e então, aprendeste a aplacar esta agonia difícil de conter chamada vida, comunicada pela ilusão das palavras. Por isso penso: é tempo de arrancar de mim essa agonia, esse amor incurável de inventar, não mais resistir ao apelo impessoal e descomedido das palavras que atordoam o espírito como uma dor pungente de adeus. Ainda assim, entrego-me à solidão das palavras.
Publicado por Rubens Jardim em 27/05/2012 às 00h48
14/05/2012 20h31
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (20)
LAURA ESTEVES ( ) poeta carioca, faz parte do grupo Poesia Simplemente. Seu primeiro livro de poemas, Transgressão, foi publicado em 1997. O segundo, Como água que brota na fonte, em 2000 . O terceiro, Rastros - poemas escolhidos, em 2006, Finalmente, em 2008, Cinquenta poemas escolhidos. Curadora do Forum Poesia ( UFRJ, em 2005, 2006 e 2007), foi uma das premiadas do “Concurso Contos do Rio”/2004, do jornal “O Globo”. COMUNHÃO
Lobisowoman
Rastros
Queres me conhecer inteira. Impossível! Impossível! Existem apenas vestígios. Em meus andares, vou deixando rastros. Pegadas que sinalizam quem sou. É só ficares atento ao vestido sobre a cadeira, às dobras do meu casaco, às sobras do meu sorriso, ao meu olhar triste e opaco. É só prestares atenção ao meu resto de bebida, intacto, no fundo do copo; ao que desenho no papel quando estou bem distraída; ao jeito como fecho a porta e como toco a campainha. Repara aquela natureza morta junto ao degrau da escada, meu belo bule de barro, a colcha de barra bordada e a flor que murcha no jarro. Poemas também deixam vestígios. Metáforas, alegorias. Por eles, se chega a atalhos, retalhos de toda uma vida. Se queres um pouco de mim, procura em minha poesia. SUSANNA BUSATO (1961), poeta paulistana, doutora em Letras (UNESP/São José do Rio Preto) e mestre em Comunicação e Semiótica (PUC/SP). Professora de Poesia Brasileira na UNESP de SJRP. Prêmio Mapa Cultural Paulista, categoria Poesia, em junho de 2010. Tem poemas publicados na Revista Cult, Revista Brasileiros e nas revistas eletrônicas Zunái e Aliás e ensaios na Cronópios e Gérmina e outras revistas acadêmicas. CURTO-CIRCUITO curto circuito raio trombeta na tua corrente elétrica me viro capoto estopim de baioneta
LUA NOVA a lua está cheia de ti a lua quer a mim nova mente nua de ti
UM CASO DE AMOR Para esta São Paulo de 458 anos,a cidade das minhas eternas paixões.
Asfalto fuga e fumaça Suas trilhas nefastas Perseguem as minhas Na prega da saia No beijo do vento Na flor descoberta Vermelha no centro.
Cidade de azuis clandestinos Couraça de pó e cimento Me abraça como um noivo E me lança viadutos adentro.
Me entontece nas curvas Me sussurra nos trilhos Encruzilhadas de amor eterno.
É assim que te quero Na volúpia pneumática das esquinas Inteira como as avenidas Da minha Paulista humana loucura.
VALÉRIA TARELHO (1962) poeta santista, formou-se em direito, mas optou pelos caminhos da poesia. Tem participado de leituras públicas (Casa das Rosas e Itaú Cultural), integra o quadro de colaboradoras fixas da revista escritoras suicidas e publica trabalhos nos sites Blocos, Germina e Usina de Letras. Publicou o livro Sol a Cio(2010) e participou do Livro da Tribo.
mil mulheres
tântricos até não se sabe quando o nosso caso de instantes o manso toque até distantes o fácil truque de aprendizes a nossa troca às no trânsito
[ e todos os trâmites que passamos somando pânico somatizando [d]anos posterizando a matiz do inconstante ]
até quando não se sabe estamos em transe ............................................................................ meu sonho alado
VIVIANE MOSÉ (1964 ) poeta capixaba, psicanalista e filósofa, ganhou extrema notoriedade ao trazer temas da filosofia para a linguagem cotidiana em programas de televisão. É nietzschiana –sua tese de doutorado é sobre o grande solitário --e estreou em livro com Escritos(1990). Outros títulos: Receita Para Lavar Palavra Suja(2004), Pensamento Chão (2007) Toda Palavra(2008).
Toda Palavra Procuro uma palavra que me salve Pode ser uma palavra verbo Uma palavra vespa, uma palavra casta. Pode ser uma palavra dura. Sem carinho. Ou palavra muda, molhada de suor no esforço da terra não lavrada. Não ligo se ela vem suja, mal lavada. Procuro uma coisa qualquer que saia soada do nada. Eu imploro pelos verbos que tanto humilhei e reconsidero minha posição em relação aos adjetivos. Penso em quanta fadiga me dava o excesso de frases desalinhadas em meu ouvido. Hoje imploro uma fala escrita, não pode ser cantada. Preciso de uma palavra letra grifada grafia no papel. Uma palavra como um porto um mar um prado um campo minado um contorno carrossel cavalo pente quebrado véu mariscos muralhas manivelas navalhas. Eu preciso do escarcéu soletrado Preciso daquilo que havia negado E mesmo tendo medo de algumas palavras preciso da palavra medo como preciso da palavra morte que é uma palavra triste. Toda palavra deve ser anunciada e ouvida. Nunca mais o desprezo por coisas mal ditas. Toda palavra é bem dita e bem vinda.
PRA LAVAR PALAVRA SUJA Mergulhar a palavra suja em água sanitária, Depois de dois dias de molho, quarar ao sol do meio dia. Algumas palavras quando alvejadas ao sol adquirem consistência de certeza, por exemplo a palavra vida. Existem outras e a palavra amor é uma delas que são muito encardidas e desgastadas pelo uso, o que recomenda esfregar e bater insistentemente na pedra, depois enxaguar em água corrente. São poucas as que ainda permanecem sujas depois de submetidas a esses cuidados mas existem aquelas. Dizem que limão e sal tiram as manchas mais difíceis e nada. Todas as tentativas de lavar a piedade foram sempre em vão. Mas nunca vi palavra tão suja como a palavra perda. Perda e morte na medida em que são alvejadas, soltam um líquido corrosivo —que atende pelo nome de amargura— capaz de esvaziar o vigor da língua. Nesse caso o aconselhado é mantê-las sempre de molho em um amaciante de boa qualidade. Agora se o que você quer é somente aliviar as palavras do uso diário, pode usar simplesmente sabão em pó e máquina de lavar. O perigo aqui é misturar palavras que mancham no contato umas com as outras. A culpa, por exemplo, mancha tudo que encontra e deve ser sempre clareada sozinha. Uma mistura pouco aconselhada é amizade e desejo, já que desejo sendo uma palavra intensa, quase agressiva, pode, o que não é inevitável, esgarçar a força delicada da palavra amizade. Já a palavra força cai bem em qualquer mistura. Outro cuidado importante é não lavar demais as palavras sob o risco de perderem o sentido. A sujeirinha cotidiana quando não é excessiva produz uma oleosidade que conserva a cor e a intensidade dos sons. Muito valioso na arte de lavar palavras é saber reconhecer uma palavra limpa. Para isso conviva com a palavra durante alguns dias. Deixe que se misture em seus gestos que passeie pelas expressões dos seus sentidos. Á noite, permita que se deite, não a seu lado, mas sobre seu corpo. Enquanto você dorme a palavra plantada em sua carne prolifera em toda sua possibilidade. Se puder suportar a convivência até não mais perceber a presença dela, então você tem uma palavra limpa. Uma palavra limpa é uma palavra possível.
Tudo o que vejo Era tarde nas janelas da sala, Um gosto de tarde que eu queria lamber. Tenho vontade de lamber as coisas que gosto, Mesmo as que não gosto costumo lamber sem querer. Às vezes com a língua mesmo. Molhada e escorrida. Outras vezes uso a língua da palavra, Quando tem cheiros ruins Ou asperezas estranhas ao paladar de minha pessoa, Ou por nada mesmo por gosto Passo a língua nas coisas que vejo E passo as coisas que vejo pra língua. Publicado por Rubens Jardim em 14/05/2012 às 20h31
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