21/07/2015 13h14
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (63ª POSTAGEM)
LÍGIA SÁVIO (1946) poeta gaúcha, possui doutorado em letras e é professora de literatura, em Porto Alegre. Participou de antologias independentes na década de 70 (Teia, Teia II e Paisagens). É uma das idealizadoras e apresentadoras do Sarau das Seis, evento realizado mensalmente. Publicou o livro de poemas No dorso da palavra, 2015. NUM VITRAL ANTIGO cacos de minha missão: mosaico coletânea antologia fotomontagem slides em todos eles passam pedaços de mim de ti ao vento MEL DE VERSO E LETRAS farto rio me escorria pela boca pelos poros: lambi dedos e lábios cavalguei no dorso das palavras AH, PLANOS: ENGANOS projetos retos enquanto a rua lá fora espia com seu olho torto de lua tudo que se move. Planos? Só ciganos. RE-MITOLÓGICA É só do sal de Urano que nasce a força erótica? Foi esta a história que contaram. Só os deuses-homens gestavam o amor. Mas Afrodite, na concha, expele jorros pelas pernas criando palavras de todos os sexos. BETTY VIDIGAL(1948) poeta paulistana, é jornalista e contista. Publicou seu primeiro livro, Eu e a Vela, quando tinha 17 anos. Nos anos 60 participou do movimento Catequese Poética, liderado por Lindolf Bell. É membro da diretoria da UBE, colabora com a revista Voz Lusíada e o jornal O Escritor. Outros livros de poemas publicados: Tempo de Mensagem e Os Súbitos Cristais. SEGREDO Retenho este segredo entre meus dedos, esfarelando-o aos poucos feito giz num movimento disfarçado e lento de quem quer revelá-lo mas não diz uma palavra sequer. E morde os lábios, para cortar o mal pela raiz. INCÊNDIO E CHARME Para enfrentar o mundo, que meu amor de mim se arme: incêndio e charme.
Para enfrentar-me, há que ir mais fundo: só charme e incêndio não vão bastar-lhe
(que sou imune).
Amor se mune de incenso e calma, de calma e incenso (amor acende-o).
Amor se arma: ciência e karma. Atiça o lume do olhar intenso e afia o gume do seu sorriso (alfanje, sabre).
É o que é preciso: amor me abre. PITANGAS Era uma febre, um delírio, Uma mandinga bem feita, cama com cheiro de lírio.
Era um delírio, uma febre, amor que não se endireita, quebranto que ninguém quebra, tremedeira de maleita, uma mulher e um ébrio de amor que não toma jeito. E ela, que não se emenda?
Meus dedos fazendo renda com os pêlos do seu peito; o coração que se escuta pelo quarteirão inteiro; pitangas no travesseiro, cama com cheiro de fruta. SUMIÇO Vou desaparecer da tua vida, e ela vai ficar tão aborrecida!
Vou deixar a tua vida lisa e plana, sem graça como um início de semana, uma semana dessas bem compridas, sem expectativa de alegrias. Uma sucessão de dias desbotados, tardes frias, noites descoloridas, madrugadas pálidas e mal dormidas.
Vou sumir até mesmo dos teus sonhos, não vou aparecer nem em delírios; tenho planos detalhados e perfeitos e quando os descobrires será tarde demais, não vai ter jeito: tudo vai parecer tão desenxabido, tão tristonho, tão desprovido de finalidade...
E quando não houver nada que te agrade, te interesse, todos dirão que é depressão, estresse, mas nós dois saberemos que é saudade. SILVIA JACINTHO (1952) poeta paulista, nasceu em Barretos, viveu em São Paulo e reside no Rio. É formada em jornalismo. Publicou: Lavoura de Infinito(1991), Helênica(1993- Prêmio Jorge de Lima-UBE), Brasiliana(1994- Prêmio APCA), Chama(2000), O livro da intuição(2001) e Dança do Fogo: estudos sobre o desejo(2004). LAVOURA DE TIJOLOS A agulha enfiada. A fragrância das flores na cambraia. As cores sólidas das linhas. O avô apenas uma fotografia na parede, me olhando. Dentro da casa. Lia bate os pés no pedal da máquina de costura. Aqui fora, nos canteiros do jardim Carlos e eu amassamos o barro. E o colocamos nas caixas de fósforos, vazias. Esses tijolos de barro sem cozer montam minha olaria. Vou deixar aqui meus sonhos ressecando ao sol. Quando crescer e voltar um dia e um dia não encontrar ninguém tocarei com minhas mãos sujas de sonho o barro dessa olaria. AS GARRAS Graciosa, rodando para o alto as mãos, apresenta-se na sala dançando, as ancas, alaúdes, requebram pernas abrem o godé da saia e guitarras enchem o ar de langor e músicas. Sobrancelhas agrestes olhar cálido e úmido unhas esmaltadas furam como garras assim, ela baila cravando-as em mim enterrando a fúria de sua paixão na fatalidade de ser apenas um indefeso homem. GITANERIA Nas vielas sinuosas e nos limites da gitanería, a céu aberto, baila Carmem seu tablado, a rua calçada de pedras de cada casa descem vizinhos que a rodeiam com palmas e cantorias ai, um grito de aflição sai das cordas da guitarra, apaixonada, a dançarina alteia os braços, girando-os, e possuída pelo tom da música lá fora ela sapateia, dançar é o abrigo de seu espírito — a verdadeira casa. A ESCALDANTE FEBRE XXX A caligrafia (puríssima expressão) é qual teia de aranha redondilha de hexágonos pendurada nas cavernas ocas nos recessos do ser, com ela escrevo a mais clara e primitiva poesia e emito um grito do passado — rugido de fêmea. JANET ZIMMERMANN(1960) poeta gaúcha, é calígrafa, colunista e publica em jornais e vários sites de poesia. Desde 1980 reside em Campo Grande. Participou do 1º Sarau Literário via Twitter no Brasil e fez parte dos 61 escritores convidados para a primeira Mostra #Tuiteratura (Sesc Santo Amaro- SP). Asas de Jiz (2013) é seu primeiro livro. nem sol nem céu no seu dia : apenas um vel cro na boca da poesia ENREDANDO LIBERDADE tiro a alma da janela tiro a roupa da alma dispo-me de tudo o que enrosque minha trama com ela arredo tudo das vistas pra dar atenção à real visita enxugo os olhos d’àgua deixo livre a pista só não tiro a cama do caminho que é pra poesia deitar, rolar e soltar toda a gana rouca do canto preso na gaiola pouca CALDO ORGÂNICO caiu sal em gota na sopa caiu um cílio na sopa caiu um olho na sopa que me olha de esguelha sem fome sem nome caolha SAUDADE COBRA chegança / vodca / chope / água d’alambique / cetins / cuícas / arlequins / explosões! / marchinhas / cordões / gandharvas / polichinelos / passistas de Carmen Miranda : jovens corações no ritmo do repique...
[ e eu lá sambando em alemão]
depois das quatro - no sul do mundo - o ato segundo : bobas mãos / confetes derretidos / beijos de língua / luas mais velhas segurando velas...
[e eu cá curtindo uma saudade serpentina]
Publicado por Rubens Jardim em 21/07/2015 às 13h14
01/07/2015 16h56
AS MULHERES POETAS...(62ª ) Walquiria Raizer, Priscila Lopes,Ryane Leão e Germana Zarettini
WALQUÍRIA RAIZER (1980) poeta nascida em Rondônia, morou no Acre, no Paraná e reside, desde 2008, no Rio de Janeiro. É socióloga e especialista em Gestão e Produção Cultural formada pela FGV-Rio. Tem histórico profissional voltado para a política cultural. Defende a poesia como matéria prima de todas as artes. Publicou O segundo ponto das reticências, em 2007. RETICÊNCIAS vou escrever qualquer coisa que não pareça nada ( ! ) esse tudo é mesmo o que (devasta) LARANJAS E FANTAS Eu te avisei! ...disse Mário com cara de Maria... (como se houvesse menos multa quando se buzina antes de passar o sinal)
Avisou sim é verdade, mas queria não ser entendido. Avisou só por desencargo. E isso não conta.
Disse que o ipê floria, que era amarelo e só. Disse que era desse jeito todos os anos, e que não pensava em mudar.
Mas o ipê muda Mário, e sou eu é que estou te avisando.
Há de nascer laranjas nele...
Se não nascer eu mesma subo e prego umas garrafas de fanta.
KATAUÊ O miolo dentro da casca (pão)
O miolo dentro ( da casca)
A casca virando Pó
O miolo O miolo Miolo
Poderia Correr Sem Léguas (cem)
Um colar de castanha elétrica Uma flor amarela Muru
(estou tão acremente despida hoje que o açai perdeu a cor)
ACELERAÇÃO ...é como se tudo tivesse girando Um giro calmo (e calculado)
Um giro bom (pro mundo)
Mas o mundo (é grande) E não precisa de mim ( e de ti)
Mas eu, querida Eu preciso do mundo E ele está aí (flertando)
PRISCILA C LOPES (1983) poeta brasiliense, reside desde criança em Florianópolis. É formada em relações internacionais. Possui contos, crônicas e poemas publicados em antologias. Realizou duas exposições de poesia no espaço cultural da Assembleia Legislativa de Santa Catarina.Atualmente trabalha na elaboração de um livro de poemas, que, imagina, será publicado em 2016. APAGÃO Esse tédio de ficar sem luz me leva a escrever coisas tão escuras! Acendo as idéias para ver se consigo continuar minha leitura.
THE NIGHT CAFE Contemplo as escadas de van Gogh.
Consulto o relógio na parede. A cinco passos está o meu cliente. Nele me debruço se me vejo. Nele habita o clima, o verde da mesa de sinuca que me convida a ser só. Um casal ao longe não cabe em mim. Um bêbado sentado também sou eu. Por inúmeros motivos me condeno a manter-me em pé, entre parênteses. Creio que haja vida após a morte e que os olhos são os ouvidos das minhas paredes. Porém, me detenho no pensamento que mede o tamanho do meu taco — e se confio ou não, é mais embaixo o buraco que procuram minhas mãos.
CRI-A-TIVA Quando eu era criança, E olhava para o topo das árvores, Eu não sabia o que era o passarinho.
Bastava observar
E eu era um passarinho.
NÃO SENTI A MORTE CHEGAR Talvez não tenha batido à porta Talvez nem houvesse porta Talvez até, fechada a porta Pulasse a janela Determinada E lentamente subisse as escadas
Não me despiu Não me encarou Não me fez mover um palmo
Não senti a Morte chegar.
RYANE LEÃO (1989) poeta cuiabana, vive em são paulo. É autora do projeto Onde jazz meu coração, criado em 2013 com o objetivo de expandir a voz da literatura feminina-- nas redes sociais e nas ruas através da publicação de poemas e fotografias. Mistura corpo com poesia e cola uns lambes por aí. Sua página no facebook é seguida por milhares de amigos. nem os livros nem os terapeutas nem os discos ninguém soube explicar tudo que se move aqui dentro quando você afunda esses olhos nos meus. ............................................................................... não lembro que horas o relógio marcava só sei que foi assim na plataforma esperando o metrô que ela entendeu que precisava da solidão daquela mais dura mais seca mais silenciosa ela precisava se entender de novo precisava saber que somos sim as nossas falhas mas não só e depois de tantas horas com a cabeça atormentada ela sentiu o peito desinchar pela primeira vez em meses e depois de tanto tempo perdida ela parou de esperar qualquer coisa de alguém e finalmente se encontrou em si mesma aí seguiu sozinha no vagão lotado.
SOBRE RECOMEÇOS é sempre assim boa parte da gente morre pra outra parte começar a se sentir viva novamente ................................................................................... saudade é foda escuto aquele som do seu riso mas nunca é você é sempre memória
GERMANA ZANETTINI (1984) poeta gaúcha, é tradutora e jornalista. Já teve poemas colocados em ônibus e trens de Porto Alegre. Foi publicada em antologias e revistas literárias e selecionada em alguns concursos. Neste ano deverá lançar seu primeiro livro Eletrocardiodrama. no meu fundo de poço
a água vem até o pescoço
pra garantir que eu volte sempre
de alma lavada
LEIA ANTES DE USAR não, aqui não há lugares reservados [de antemão já lhe adianto: nem adianta olhar para os lados]
o ambiente não é climatizado os assentos não são flutuantes e máscaras de oxigênio não cairão sobre suas cabeças
para sua segurança e conveniência informamos que a vida não vem equipada com saídas de emergência
CORTE a faca em punho a alma em riste e uma só jura:
nunca mais voltaria a ser aquela tola
de hoje em diante choraria apenas pelas cebolas
AO LAURO DO TELEMARKETING não, eu não quero nenhum cartão a não ser que você me envie um daqueles antigos escritos à mão (já reparou como ninguém manda mais cartão seja natal, páscoa ou postal? agora é só e-mail, comentário e post no mural)
lauro, a vida já anda tão gasta não quero nada que me faça gastar o que não tenho, obrigada
não me fale sobre os juros, não quero saber sobre juros eu quero as juras, lauro, apenas as juras de amor! ainda que um dia elas possam se quebrar... se até a bolsa quebra, por que seriam as juras inquebrantáveis?
não, lauro, da bolsa de valores nada sei, porém carrego uns versos dentro da minha bolsa de couro sintético, pode ser?
estive em wall street, é verdade, mas saí sem entender quase nada daquela parte da cidade no entanto, lauro, eu sei tudo sobre os hábitos dos esquilos que habitam o central park
confesso: não compreendo os índices financeiros mas manuseio o índice de um livro como ninguém (contos são tão melhores do que contas...)
lauro, nada que custe os olhos da cara se compara ao olhar de quem a gente gosta que é de graça e essa é a graça da coisa e hoje em dia tem tanta coisa valendo mais do que gente...
se estivesse vivo, acho que marx reescreveria o capital não me leve a mal, lauro, não sou hipócrita a gente precisa de dinheiro, eu bem sei e a vida não tá fácil pra ninguém
porém, pra ser bem sincera essa coisa de consumir já não me consome mais e ultimamente não há dinheiro no mundo que pague o preço da minha paz
lauro, tá bem frio aqui do outro lado do fio é sábado de manhã e eu não durmo há semanas então, me dá licença que agora vou desligar e voltar pra minha cama
Publicado por Rubens Jardim em 01/07/2015 às 16h56
11/06/2015 11h40
O POETA LUIZ CARLOS MATTOS FARIA 70 ANOS HOJE
Por essa razão, e para fazer justiça ao seu trabalho poético, resolvi abrir esse espaço para dar a conhecer alguns poemas de sua lavra. O poeta Luiz Carlos Mattos (1945-2000), integrante da Catequese Poética, só publicou dois livros: Ex-Exercícios(1966) e Lapidário Geral (1978), embora tenha contribuído de forma significativa para a divulgação de poemas e poetas. Ele foi responsável, nos anos 70, por um projeto –os cadernos de poesia –que a partir das conquistas obtidas pela imprensa nanica, procurou alternativas para o livro. Os cadernos eram impressos em papel jornal, fartamente ilustrados e traziam encartados um pôster-poema duplo e um caderno extra, dedicado a ensaios, pesquisa e outros temas. A PASSEATA VAMOS BRINCAR DE HERÓIS? TEMPO AO TEMPO LAPIDÁRIO DE MARÍLIA mar Marvilha, gratistela que alvora luz Tempo contido, marca inexpressa Marvilha, gratistela que alvora luz Orar o ouro, Marvilha, gratistela que alvora luz Sol luz olhos, Marvilha, gratistela que alvora luz. Que o rio retido retarde a safra Marvilha, gratistela que alvora luz Antipássaro, Marvilha, gratiestela que alvora luz Giram tuas consteladas letras PARA O POETA LUIZ CARLOS MATTOS Publicado por Rubens Jardim em 11/06/2015 às 11h40
03/06/2015 18h00
AS MULHERES POETAS...(61ª POST) Clio Francesca Tricarico, Cynthia Lopes, Karina Rabinovitz e Juliana Meira
CLIO FRANCESCA TRICARICO (1962) poeta paulista, fez mestrado e agora faz doutorado em filosofia pela Universidade Federal de São Paulo. Integra o grupo de pesquisa: O pensamento de Edith Stein e traduziu o livro Pessoa Humana e Singularidade em Edith Stein, do professor de filosofia italiano Francesco Alfieri. Já publicou poemas na Antologia del Premio Mondiale di Poesia nos anos 2012,13 e 14. Nasci nessa cidade, nesse bairro A cada dia, mais barulho Menos vizinhos, menos pipas Só a madrugada me salva: Ainda posso ouvir o trem ao longe É meu cheiro no travesseiro...
INCUBUS Me tolhe do meu sonho sem aviso diante do seu poder, me rendo silencioso em mim se infiltra inexorável em torrente caudalosa de homem de verbo de gana de sede de mundo percorre minhas veias em lavas sórdidas me sorve, me devora, possuído
Toma meu rumo, minha fala, minha agonia não sossega se não arranca o último grito não se sacia se não esgota todo o sumo de mulher de terra de canto de gozo de fundo exaurida, perco o passo perco o verso ganho tudo
Alucinada pelo torpor que me mistura entre tons audaciosos e sublimes em rodopios arrastada por seu ímpeto resta apenas o desejo da catarse: ser sua palavra sua carne seu expurgo
Desesperada por não sair do seu domínio me deposita lentamente no meu tempo impregnada do seu ser fogo e vento tudo aquilo que incorpora e não diz
Sinto dentro o que rouba o fiato, a fala excesso que desatina o que não está na palavra... ainda...
Medo.
SEGREDO Não busque o segredo dos anos nas entrelinhas da história.
Ele está no voo dos pássaros quando surfam o vento.
De nada serve interpretar velhos pergaminhos nem desbravar estrelas nem decifrar os mitos.
Cada medo, cada vitória, salvaguarda o seu casulo, semente inefável de anseios.
As rugas, sulcos do tempo, esculpem no rosto nossos desmandos.
Nenhuma delas traduz o fogo que persiste até o desfecho.
Como flechas, atravessamos séculos eternos: fazemos milagres, superamos absurdos...
Mas nem um deus descobrirá a nascente de uma lágrima.
HORS CONCOURS Mas... E depois? Morremos Restará a palavra por dizer Subvertendo princípios, análises, tratados Restará somente a poesia Mostrando a nossa cara deslavada “O frio na barriga”, “o coração na mão” “O arrepio na espinha”, “o grito na garganta” “O aperto no peito” Fórmulas ultrapassadas Tudo em vão, nada nos salvará Imbatível, persistirá apenas uma invenção sem sentido: “Eu te amo”, alguém dirá E os pássaros cantarão na nova aurora Como se o mundo nunca tivesse acabado...
CYNTHIA LOPES (1961) poeta carioca, é formada em arquivologia pela Universidade do Rio de Janeiro. Prestou concurso em 2006 e trabalhou até 2012 no arquivo central do IPHAN. Atualmente está na Biblioteca Amadeu Amaral, no Centro Nacional de Folclore e Cultura Popular. Publicou o livro de poemas: Poêmia, poesia de pele e desejos(2012). RECORDAÇÃO passa o tempo e com ele, te esqueço.
passa o tempo e com ele me lembro.
passatempo... brinco: lembro e esqueço.
passa o tempo, brisa, vento: amor imenso.
ENSAIO SOBRE A NATUREZA para Du Zuppani há muito de Manoel em tudo afinal, de barro somos feitos
por isso, esse tanto de coisas em Manoel de Barros : a pedra o sapo a rã a árvore o pássaro a flor
para tanto o poema a imagem a natureza o brinquedo dos meninos a linguagem, o verbo
a fotografia e o olho do fotógrafo sua alma nas coisas o desimportante se faz grande em verso e paisagem
porque o ínfimo, o minúsculo, não corrompe nossa natureza.
PERFIL um desenho rápido. em poucos traços, meu retrato.
ESTAÇÃO o amor, esta via de mão única. caminho em sua direção como fosse para o cadafalso, submissa. por quê? talvez reconheça as minhas falhas em ti. o amor esta via de mão dupla, enquanto eu vou, você faz o caminho de volta. um show de desencontros absurdos. um vai e vem sem qualquer sentido. malas prontas pra partida, sem rumo. de certo apenas o incerto sentimento, a certeza do risco, de viver o perigo. malas prontas rumo ao coração partido...
KARINA RABINOVITZ (1977) poeta bahiana, é jornalista, produtora de discos, vídeos e teatro. Tem 5 livros publicados: Mas é que eu não sabia que se pode tudo, meu Deus! (2014), O livro de água (livro-objeto e exposição, 2013), poesinha pra caixinha [de fósforo] (livro-objeto, 2012), livro do quase invisível (2010) e de tardinha meio azul (2005) VÉSPERAS nasci chorando, não sorrindo, assim. vestida de sangue, não de manga e maresia, assim. no caminho desses anos tenho nascido de novo, muitas vezes. uma mecha branca começou a brotar em minha cabeça, bem acima do terceiro olho e tenho me perguntado se não sou um unicórnio. tenho dúvidas sobre o que sou. e quando se nasce de novo tantas vezes, é mais difícil saber. nascer não é fácil. mas é bom. parto flutuando pra mais um dia não amniótico, entre pastas de dente, medalhas enferrujadas e marujos que me acenam por detrás de janelas entreabertas. a vida, ela explode. cheia de sangue, manga, maresia, nesses dias de choros, risos, riscos. eu nasci amanhã.
DESCASO o destino que me valha! você deixou seu fósforo aceso dentro de minha vida de palha.
DE SE PERDER Costumávamos brincar de esconde-esconde todas as tardinhas; baús antigos, o quarto de Hilda, debaixo dos lençóis, atrás do sol. Esconderijos... Brincamos tanto-tanto de esconde-esconde, que, de repente, depois de um dia cheio de nuvens, não mais nos encontramos. Nunca mais.
CURRÍCULO meu nome eu mesma. meu endereço em mim. meu cadastro de pessoa física este corpo, que dentro é céu e é jardim. meu registro geral não foi registrado e desde meu nascimento, numa quarta-feira de cinzas, nutro certo encantamento, por tudo que não é numerado.
meu telefone anda ocupado, uma família de pássaros fez um ninho bem no fio da minha linha desde então, ali só se aninha o canto de uma mãe que espera. pra falar comigo, só mesmo depois da primavera, quando do nascimento do novo passarinho.
minha formação profissional segue um caminho amador. insisto no amor.
minhas atividades atuais: pensar na vida e uma corrida sem fim à beira-mar... encontrar saídas e encontrar entradas, para essa vontade desmedida de viver, de amar.
por fim, minhas referências pessoais, é melhor que eu não diga ou que você pergunte a ninguém... elas serão sempre mais. mais verdadeiro é que você descubra, na convivência comigo, meu tempero, minha loucura, minha ternura, meu desassossego.
então? é meu, o emprego? JULIANA MEIRA (1981) poeta gaúcha,é advogada e vive em Curitiba. Seus poemas foram publicados pela primeira vez em caixas de fósforo, coleção Fogo do Verbo, em 2008. O primeiro livro, poema dilema, foi publicado em 2009. O segundo, sem título, integra o projeto Instante Estante de incentivo à leitura. Recentemente publicou o livro poema pássaro (2015) todas as palavras com suas mutações contagiam meu corpo
por isso sofro desde a sombra até o osso .................................................... o sapo coaxa. bonito? só a sapa acha. ................................................. pátio da casa inabitada poço vazio esquecido olho d’água
ao relento ventania lhe empresta fala coberto pelo musgo visguento eco por dentro deserto
quem chega perto logo se assombra na vastidão escura é a voz do poço que sussurra ................................................................. o Guaíba indo lindo, limpo, no postal do gringo Publicado por Rubens Jardim em 03/06/2015 às 18h00
18/05/2015 19h14
AS MULHERES POETAS...(60ª POST) Mayara Gouveia,Camila Vardarac, Juliana Bernardo e Marcia Sanches Luz
MAIARA GOUVEIA (1983) poeta paulistana, possui poemas e artigos sobre cinema e literatura publicados em sites da internet, revistas e jornais. Classificou-se em 3º lugar em um festival de música e literatura da USP e foi finalista da 15ª edição do Prêmio Nascente, Publicou o livro Pleno Deserto, em 2009. NO SUMIDOURO Ao redor do quarto migra um cortejo de aves. Não vemos pois estamos fechados.
Ao redor do quarto um barco repousa em um mar sem ondas. Não vemos pois estamos partindo.
Ao redor do quarto baleias abertas e peixes mortos cobrem a angra. Não vemos pois estamos sangrando.
Porque estamos sozinhos não vemos suicidas engolfados nas brânquias tóxicas dos cardumes. Não vemos
a morte solitária dos corais. Não vemos a embarcação vazia permanecer no silêncio das águas. Não vemos:
pois estamos no escuro.
INERME DESENCANTO depois de tudo, a cintura entre os dedos absorvo o silêncio encantado
ela ainda pulsa, não entende, quando calado sorvo todo encantamento
porque a palavra nesse instante é vã, e a resposta no suor desfalecido é, sem dúvida, mais válida
— deixa o corpo descansar sorrindo deixa o silêncio ecoar bebendo a rosa cálida de sabor divino
mas ela, aflita, pousa em mim uma vontade ainda tesa e retesada e até no rosto a vontade repetida reitera.
OUTRA VEZ O CORPO O fruto da bondade não explodiu nesse solo rude. Somos o Corpo e outra vez o corpo. Animal divino que saqueia e fere, cobre de lírios esse ventre estrangulado.
DESENCANTO As mesmices cotidianas desmoronam quando estamos juntos.
Parece que o tempo pára e averigua que cintilamos de volúpia.
Consumidos pela alegria de trazer à tona um prazer legítimo que não se repete em mil eras.
De repente, depois da viagem, voltamos a nos ver entre os limites das paredes:
nossos corpos não vêm mais com paisagens, ou entre nuvens de luz furta-cor e néon.
Já não somos deuses. CAMILA VARDARAC (1987) poeta carioca, é formada em cinema e publicou poemas em sites e revistas eletrônicas como Cronópios, Triplov e Zunái. Já participou de vários festivais literários e esteve presente na Bienal Internacional de Curitiba, em 2013. PIAZZOLA buenos aires hora zero piazzolla, o que faz aí? tá certo, têm algumas estrelas cadentes mas... o palco não combina melhor com os teus sapatos? diga-me, piazzolla quantas unhas são necessárias para arranhar o pescoço de um tango aflito? o teu bandoneon exala fervor e o fervor habita o céu e o inferno cabe nas preces e nas súplicas dos anjos barrocos em chamas piazzolla!? está rasgando tangos com os demônios celestes? está deflorando notas com os pupilos de lúcifer? ao menor indício do teu som libertinos viram seres alados e os providos de asas sucumbem ao centro da terra um brinde aos que te escutam com a alma pelo avesso.
EU NÃO ACREDITO NA BONDADE DOS ANJOS eu não acredito na bondade dos anjos todos parecem bebês de rosemary o colorido dos vitrais não ameniza a melancolia assustadora estampada em seus semblantes
no centro da casa sagrada o homem abre o livro sagrado e recita para si palavras pesadas como o som de mil crucifixos arremessados ao chão
e eu penso nos pecados mais bizarros que rondam o confessionário de vozes alteradas depois aliviadas, por depositarem nos ombros do representante do pai a culpa dos seus atos impensados ou dolorosamente calculados
penso nos joelhos esfolados por baixo das calças puídas dos fiéis fervorosos que não sentem o gosto de ferro na boca nem o gosto do sangue no cálice
e os sinos badalam doze vezes pausadas ensurdecendo meus sonhos sacros fazendo-me abrir todas as noites os olhos quando deveriam estar fechados.
GINSBERG DE BOLSO Quando teu Ginsberg de bolso pulou do oitavo andar para ensinar-te as lições do desapego você por desapego à vida (e não ao livro) pulou também.
Aberto sobre o teu livro aberto tipografia sanguínea escorrendo entre os paralelepípedos lirismos vermelhos surpreendendo os rostos dos passantes que arregalavam os olhos mas tiravam fotos da tua anatomia sincera teu corpo mais corpo do que nunca
Se você pudesse ver de fora não acreditaria na quantidade de sangue que te irrigava as idéias sorriria levando as mãos à boca depois aos ouvidos quando chegasse a ambulância de altíssima sirene.
NA CASA AO LADO... na casa ao lado espiritos inquietos sobem e descem escadas como se o melhor a fazer fosse subir e descer escadas
são 3:47 o sono das 3:00 já foi perdido agora no ponto dos conscientes espero a dormência dos sentidos
calem esses passos como calaram as almas dentro da casa escura amarrem esses pés como fizeram com as vozes na gaiola da mordaça tirem seus valiuns das gavetas e entrem nas sombras dos cobertores
morfeu, acuda esta gente! dardos com soníferos no centro das testas areia movediça ao redor das camas e uma injeção de sonhos mudos na espiral dos meus ouvidos. JULIANA BERNARDO (1989) poeta paulistana, cursou filosofia na USP e já publicou dois livros: Carta Branca (2011) e Vitamina (2013). Colabora com o site Mix Brasil e com as revistas Germina, Zunái, Diversos Afins,Ventos do Sul, Cabeça Ativa e Originais Reprovados. DEFESA DA POETISA palavra de mulher: homem nenhum morreu de parto.
SE OLVIDANDO não é porque as paredes têm ouvidos que meus poemas vão ficar aí pregados se olvidando calados.
– marque-os com orelhas use-os como moleques de recado sei que não são diplomas, mas quem sabe contratos? meta-os no bolso ou trate-os como ataduras pra machucado
mas não os deixe por aí, enforcados.
PRESA NA MEMÓRIA Eu celebro os vestígios, os fragmentos, as ruínas, a completude, que inventamos sendo apenas estilhaços.
Eu celebro o amor,
a impossibilidade.
RUA DOS MEUS AMORES este é o trecho de penumbra que divide a rua dos meus amores
com leões e dragões tateio o escuro
meu amor não precisa dizer verdades bastam-me seus segredos e um endereço que nunca consultarei
fico com os recados do tempo e sigo extraviada, mãos atadas à sombra nenhum dos amores
MÁRCIA SANCHEZ LUZ(19 ) poeta paulistana, formada em literatura inglesa e francesa, é escritora, tradutora e redatora. Participou de várias antologias e publicou os livros “Quero-te ao som do silêncio!” (2010); “Porões Duendes”, “No Verde dos Teus Olhos” (2007). VESTIDO Não é pretinho básico nem couro nem veludo.
É luto.
FAZENDO AS CONTAS... Tiraram-me os discos, meus sonhos jogaram na lata do lixo. Deixaram-me os livros, meus medos guardaram junto aos meus rabiscos. As noites que eu tinha trocaram por dias às vezes escuros como o céu sem lua. E eu me sinto nua: coito prematuro beirando a ironia de uma dor rainha.
SOL DA MEIA NOITE Com você, cada manhã é um novo susto.
LUTO II Há que chorar (da dor até o último fruto) e lembrar cada minuto do precioso tempo em que vivemos juntos. Publicado por Rubens Jardim em 18/05/2015 às 19h14
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