28/04/2014 14h30
AS MULHERES POETAS...(49ª postagem)
ADRIANA VERSIANI(1963) poeta mineira, nasceu em Ouro Preto, tem cinco livros publicados. Eis alguns: A física dos Beatles(2005), Contos dos dias(2007) e Livro de Papel(2009). É editora do jornal Dezfaces e integra o conselho editorial da revista de literatura Ato.
Um anjo sangra na sacada e ela, ferida, mergulha para dentro do sono.
Panos para sempre no varal da infância. CÓDIGO Perdoe-me por não saber amar em outra língua. estes versos, que me atravessam como uma rua acidentada, não os explicito.
perdoe-me por não saber cantar em outra língua. estes versos, que me iluminam como as pedras que flatam na rua acidentada, não os traduzo.
perdoe-me por não saber beijar em outra língua.
estes versos que se soltam e me encharcam. VÉU 3 Surpreendo-me, amiga, ao vê-la longeva e lúcida, porque sempre soube em você o sinal de nascença, a infância nos laranjais: marcas de batalha. Mais perto da palavra, mais próxima da morte. Sumo: palavraponte para atravessar. Soco: palavraponte para explodir. Amiga, ouça-me: Poesia é a guerra. BONS AMIGOS Transalucinação de uma letra de Amy Winehouse Eu não posso mais esperar por você amo quem me odeia e canto quando preciso voar Ainda somos bons amigos,certo?
Você pressente o risco Eu me desmancho no ar Agora você quer um aero plano enquanto viajo na noite Continuaremos bons amigos, certo?
Você é Stephanie e eu Paulette Você conhece todas as minhas caras E é fácil fumar um, esquecer Nada acontece entre mim e você
Nick estava lúcido quando disse: eu não posso mais, eu não quero mais saber. Não sei o que você tem por dentro Como você se sente quando eu transbordo Mas você é meu melhor amigo, certo?
Eu não gosto do modo como você diz meu nome Você está sempre olhando para outro lugar agora eu quero que você surfe em mim que nasça das minhas asas Pois sou sua melhor amiga, certo?
Você é Stephanie e eu Paulette Você conhece todas as minhas caras E é fácil fumar um, esquecer Tudo acontece entre mim e você
Então nos amamos até as 4 da manhã e não existe mais ninguém com quem eu queira estar Agora à tarde sou a seringa e você a droga Porque somos grandes amigos, certo? ANA MARIA RAMIRO(1972) poeta paulistana, tradutora, ensaista, é graduada em direito ela USP. Participou de algumas antologias e tem poemas, traduções e ensaios publicados nas revistas Zunái, Germina, Critério e Grumo. Publicou os livros de poemas: Menina-Poesia(1999), Desejos de Gaia(2007) e Fronteiras da Pele (2009). MEIAS VERDADES Sândalos e róseos, os aromas da conquista, mas sou dada a zombarias e pulo etapas
vou logo aos tapas
Odores reais me fascinam, livres de máscaras aromáticas, águas de cheiro que não lavam
frascos de hipocrisia
Abomino personalidades escondidas sob cremes anti-sinais. Fujo de agulhas que não tecem, injetam, e de vontades que não sejam minhas
Prefiro o odor natural, ir direto ao cerne, sem pudícia
(pura malícia)
Cara limpa jogo aberto aventura de viver
nua e crua LIÇÃO DO VENTO Experimentar o vento em nuances é faculdade das mais sábias. O vento tem sabor de palavras dispersas, microcosmos de frases, lâminas em movimento.
Entender o que ele diz em rajadas ou através do não-dizer, no silêncio, é tangenciar a linha do tempo, saborear a própria história em doses homeopáticas.
Tocar o vento é o mesmo que tocar a luz, sentir o arfar de asas percorrendo o sinuoso caminho alveolar ou compartilhar as reminiscências de um beijo.
Alimentar-se de vento não é sexo, nem sombra ou lamento.
Viver de vento é permanência.
Morrer é pensamento.
2. TAUROMAQUIA a Michel Leiris
No oco da boca paira um segredo mal guardado, embotado pela fêmea que o habita.
Vórtice semi-cerrado de dentes e lábios, magna fenda de um universo a ser tragado, deglutido e novamente soerguido,
a boca regurgita.
Mas a quem caberá o jorro do abate? Quem vai preparar a ceia do ocaso?
No oco da boca crescem flores de fogo, mas no fundo do olho permanece a menina
alheia e em chamas,
uma menina que grita. ANDRÉA CATRÓPA (1974), poeta paulistana, é mestre em teoria literária e uma das editoras do jornal O Casulo, de literatura contemporânea. Foi uma das organizadoras da Antologia Vacamarela 17 poetas brasileiros do XXI (edição dos autores : 2007) e publicou o livro de poemas Mergulho às avessas (2008). POUR FAIRE LE PORTAIT D’UN POÈME IDEAL era o alvorecer e o sol mais intenso uma paixão de descompasso as penas as glórias e os sabotadores da história a pequenez dos homens altos e a grandeza das mulheres baixas o gozo e o riso dos sem dentes era minha infância tataravós e escola teus sapatos altos debaixo da cama varridos junto com o medo a poeira acumulada e que sempre retorna a mônada que nos cabe certamente tudo que não este deserto
MUSA fantasma do texto boca da palavra sexo de mulher que fala serpente que engole a própria cauda e no branco espalha o gozo lágrima da tara
O SEM-NOME vermelho-laca com grandes brasas por detrás dos olhos, os cães ouviram o assobio, o homem ouviu – lhe disseram é o que anda sem os pés, o que se esgueira por entre as copas de árvore e não é cobra – e virá
encarnado é texto, oração, pensamento,
desencarnado é sangue, suor, frio na espinha, a ameaça da terra, o chão. ......................................................................................................... penumbra o sol quebra vidraças sem pedir licença
pequenos cacos de luz cegam (o cego pode ver tudo branco -
- essa visão imaculada do paraíso parece ser a que mais dói)
CARLA DIACOV (1975) de qualquer forma. não me importa tanto ser. e também vou e volto e babo durante. e moro em São Bernardo do Campo e brinquei na praça-dos-meninos. morei a Londrina e ela a mim. fiz teatro e me desfiz. então escrevo e sei que vou, mas volto. de qualquer forma. e O LIVRO BOM é lançado e é lido. ou de sorte, boa ou não, ou melhor; uns tantos vendidos ou tudo e tanto, isso; e existirá entre todos o livro e a menina. NOSTALGIA PULMONAR de quais legendas de vividas sestas tiro minha nostalgia? ACOIMADA ABNEGAÇÃO abstenho-me da fumaça nas pontas dos teus dedos infinitos a mim abstenho-me da gentarada no local do crime estou nua sou uma esponja ao teu suor perito a mim abstenho-me da senhora que passa por nós suspeita em ser senhora que é abstenho-me entretanto mais ainda, abstenho-me a ser a que traga algum sentido erótico a isso que já se resvala a crime de alcunha grossa fumegante, jantar aberto, sucoso e mudo como os teus dedos infinitos e a mim, culpada, execravelmente culpada em, discretamente, abster-se tão. PEQUENÍSSIMOS NÓS não sei me defender das palavras Publicado por Rubens Jardim em 28/04/2014 às 14h30
09/04/2014 15h20
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (48ª postagem)
NERCY LUIZA BARBOSA(1960) poeta mattogrossense, formou-se em letras em São Paulo e vive em Rio Branco, no Acre. É professora de língua portuguesa, língua Inglesa e literatura e arte, pela Secretaria de Estado de Educação do Acre e Universidade Federal do Acre. DESDE QUE ME SEI respostas me foram perguntas quando juntas se confundem quero mais do mundo que em mim se fixa como invólucro
quando me vem do centro sou o objeto de pesquisa aquele que enlouquece um pouco o resto do que sou
numa cegueira que não vem dos olhos e sim do não entender visões outras vem de um pisar torto como quem rompe um ligamento e fica manco dos olhos que o pés não têm
EVOLUÇÃO DA FERA Um túnel escuro... Não vejo, rastejo A mão chorando e só Toca a caverna Inventa a vela Do animal que hiberna
Mas nenhuma dor é eterna Nenhuma lágrima é cega Quando chega a luz e revela Que a minha não é tão diferente Ao se choca com ela Ao produzir a sutil penumbra Que somada, iguala Clareia – fica bela
Nenhum escuro é eterno Unido à luz vira fera Luta, agoniza, considera Vence, veste-se de aquarela Brilhante – reluz amarela Se a dor sangra Hoje sei lidar com ela
Abuso do vermelho Pinto nova tela Pois nada supera o dia Invadindo a janela
MARCO 0 eu sabia em algum momento se esvairia de mim a poesia nesse tempo uma aridez profunda me queimaria a alma então eu não mais seria dentro ao avesso
todo sol me queima as vísceras à flor da vida - todos os extremos - ferida agonizo enquanto não me traduzo escrita
O QUE INVENTO Às vezes, a tarde nem corre por aqui
ANGELA CAMPOS (1960) poeta carioca, estudou letras na UFRJ. Já viveu na cidade do México e em Madri. Atualmente morta no Rio de Janeiro. Foi casada com diplomata e publicou Feixe de Lontras, em 1996. O olho da rua entra pela janela embaralha feixes e pestaneja na parede. Meu menino dos olhos brilha.
A pestana que cai é o desejo que voa
ICTO traço a poeira das palavras que me pensam compasso do ócio o osso que rôo até o tutano no aconchego de ninharias chocadeiras
ELO flamboyants no verão da lagoa flambam a primavera de chão pintado consangüínea cadencio montanhas sinto o ar que toca o corpo o tempo todo guincho rubro inflama cor e cheiro nos flancos desfeitos em placas sinto o ar que toca o corpo o tempo todo escorre em vão garras meladas de sobrevivente vexame de abelha o tempo todo
.......................................................................... A letra líquida o húmus da palavra. . palavras são dentes e cabelos . poemas têm pés e mão . à margem a mão coça os pés da página
MARTHA MEDEIROS (1961) poeta gaúcha, cronista e publicitária. Em 1993, após ter publicado 3 livros, Strip-tease(1985),Meia-noite em quadro(1987) e Persona non grata(1991), abandonou a carreira e foi morar no Chile. Ficou por lá oito meses só escrevendo poesia. Alguns livros posteriores: De cara lavada (1995), Poesia Reunida (1998), Geração Bivolt (1995), Topless (1997). nem velas nem molho branco hoje nosso jantar acontece por baixo da mesa
desfias minhas pernas de seda teu beijo promete mais tarde
jogo a toalha de renda no chão me rendo
DE CARA LAVADA 177 hoje me desfiz dos meus bens vendi o sofá cujo tecido desenhei e a mesa de jantar onde fizemos planos
o quadro que fica atrás do bar rifei junto com algumas quinquilharias da época em que nos juntamos
a tevê e o aparelho de som foram adquiridos pela vizinha testemunha do quanto erramos
a cama doei para um asilo sem olhar pra trás e lembrar do que ali inventamos
aquele cinzeiro de cobre foi de brinde com os cristais e as plantas que não regamos
coube tudo num caminhão de mudança até a dor que não soubemos curar mas que um dia vamos
A TODOS... A todos trato muito bem sou cordial, educada, quase sensata, mas nada me dá mais prazer do que ser persona non grata expulsa do paraiso uma mulher sem juízo, que não se comove com nada cruel e refinada que não merece ir pro céu, uma vilã de novela mas bela, e até mesmo culta estranha, com tantos amigos e amada, bem vestida e respeitada aqui entre nós melhor que ser boazinha é não poder ser imitada.
QUEM MORRE? Morre lentamente quem se transforma em escravo do hábito, repetindo todos os dias os mesmos trajetos, quem não muda de marca Não se arrisca a vestir uma nova cor ou não conversa com quem não conhece. Morre lentamente quem faz da televisão o seu guru. Morre lentamente quem evita uma paixão, quem prefere o negro sobre o branco e os pontos sobre os “is” em detrimento de um redemoinho de emoções, justamente as que resgatam o brilho dos olhos, sorrisos dos bocejos, corações aos tropeços e sentimentos. Morre lentamente quem não vira a mesa quando está infeliz com o seu trabalho, quem não arrisca o certo pelo incerto para ir atrás de um sonho, quem não se permite pelo menos uma vez na vida, fugir dos conselhos sensatos. Morre lentamente quem não viaja, quem não lê, quem não ouve música, quem não encontra graça em si mesmo. Morre lentamente quem destrói o seu amor-próprio, quem não se deixa ajudar. Morre lentamente, quem passa os dias queixando-se da sua má sorte ou da chuva incessante. Morre lentamente, quem abandona um projeto antes de iniciá-lo, não pergunta sobre um assunto que desconhece ou não responde quando lhe indagam sobre algo que sabe.
Evitemos a morte em doses suaves, recordando sempre que estar vivo exige um esforço muito maior que o simples fato de respirar. Somente a perseverança fará com que conquistemos um estágio esplêndido de felicidade.
NEUZAMARIA KERNER (19 ) poeta baiana, é professora e membro da Academia de Letras de Ilhéus. Publicou: Fragmentos de cristal, Eu bebi a lua e mantém dois blogs na internet: www.neuzamariakerner.blogspot.com e www.jornadaexistencial.blogspot.com CONSUMAÇÃO Toda vez que sopra o vento Eu e meu pensamento Cavalgamos num momento Ao encontro do amor. Vou arder a noite inteira Nos clarões de uma fogueira E depois de virar brasa, Voltar sozinha pra casa Esfriar e virar pó.
SONHO Quando pistolas virarem braços E balas virarem flores Os pecados serão purgados. Os braços serão como laços, Enfeites de balas-flores E as cores diversas dos braços Esmagarão forte as balas Plantarão firme as flores Repartirão o mel Para deleite dos que teimarem Em fazer poesia.
O QUE ESPERAM DO POETA? para Laura Gomes A partir deste momento está determinado o banimento da palavra pecado.
Proscrita também será a palavra culpa por ser ela causadora de infindável angústia.
O poeta livre da abstinência do que chamam pecado dirá que sonhar não é sua invenção. E então terá a certeza de que o que dele esperam é apenas a sinceridade até na mentira.
POEMA DA FERA A fera não caça a presa que atravessa-lhe inocente o caminho.
Simplesmente ataca a presa que passa e devora os nacos que interessam.
Jibóia num tempo depois sai vagando indiferente até a próxima fome.
Publicado por Rubens Jardim em 09/04/2014 às 15h20
25/03/2014 17h06
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA(47ª postagem)
ADRIANE GARCIA (1973) poeta mineira, é historiadora, funcionária pública, arte-educadora e atriz. Não publicou ainda nenhum livro, embora tenha 6 prontos na gaveta. Ganhou o Prêmio Paraná de Literatura 2013 com o livro inédito Fábulas para Adulto Perder o Sono. Divulga seus escritos no blog adrianegarcialiteratura.blogspot.com.br. O LOBO MAU Tinha orelhas grandes Mas não eram para me ouvir Melhor Tinha nariz grande Mas não era para me cheirar Melhor Tinha mãos grandes Mas não eram para me acariciar Melhor Tinha boca grande Mas não era para me comer Melhor Sentei-me na soleira da porta E devorei a cesta.
NA HORA Nem a tarde é tarde Seus raios avermelhados Dizendo-nos vida Nem os meus Nem os seus Cabelos são tarde A mão que os toca Tão presente Nem a tarde sente Que a gente chegou Bem No exato Da hora.
INÚTIL UNÇÃO DOS ENFERMOS
DEPOIS QUE VOCÊ SE FOI ANGÉLICA LÚCIO( 1974) poeta paraibana, é jornalista profissional. Recebeu menção honrosa no concurso de Poesia do Sesc João Pessoa. Participou da Antologia Contemporânea da Poesia Paraibana (1995) e publicou, junto com os poetas André Ricardo Aguiar, Fausto Costa e Karina Grace Quadrifólio. Organiza a publicação de seu primeiro livro de poemas. FILHOS Meu pai pensava filhos como se quisesse açude pomar curral e galinhas fazia filhos como se pensasse em sítio: de sua carne.
PÉTREA Por vezes, me sinto pedra pele salgada sob a língua vermelha em esgares de náufrago estátua translúcida sumindo em saliva: a eterna mulher de Lot.
TESSITURAS Se me esqueço em novelo de dedos não me fio em roca e fuso de tessituras alheias. Ainda que fique sem pão colher de pau e jasmim tapete de tez vermelha ventilador e dentifrício, Ainda que perca o elo, não me fio e me fecho em minotauro.
PÉROLA Minha dor é molusco e se faz de ostra: sempre me enclausura. Brinca com hipocampos, faz cócegas em Netuno e me quer sua filha. Talvez uma pérola.
ISIS MORAES RAMOS (1978) poeta baiana, atua como jornalista e professora de literatura brasileira. É mestranda em literatura e diversidade cultural pela Universidade Estadual de Feira de Santana. Editou, por cinco anos, o Tribuna Cultural, suplemento de cultura do jornal Tribuna Feirense. Já foi laureada com o Prêmio Bahia de Todas as Letras (2007), de poesia.
DESERÇÃO Cravado no não, o nome dela convoca as Fúrias para dançar.
Em vigília, um olho insano crucifica o silêncio.
SOLIDÃO Um olho devora o silêncio;
o Outro o condena.
Cavalos lendários margeiam meu sono. ULISSES Não sou a Outra. Tenho uma Circe costurada em cada olho. MÔNICA DE AQUINO(1979) poeta mineira, colabora em suplementos literários. Participou da antologia portuguesa O Achamento de Portugal (2005). Já teve poemas publicados em vários sites do Brasil e do exterior. Publicou seu primeiro livro, Sístole, em 2005. Com Fundo Falso, segundo livro, ganhou o prêmio cidade de BH, em 2013. PENÉLOPE SECRETA Um homem chegou no dia Na porta, somente o cão E o tempo era correr O homem tomou o castelo, Agora, dorme ao meu lado Não sabe seu gosto de mar não sabe que traz, na pele, a alma Preciso partir para esse lugar (o amor, agora, é o mar). Comecei a tecer uma rede Comecei a tramar Agora, tranço os cabelos É quando ele desperta desata a trança, pisa na rede e sinto, de novo, o mar. De repente, partir é igual
PENÉLOPE MENTIROSA De noite desfaz, obediente De dia, é outro o desejo (presa entre duas promessas) mas Penélope mente: o que quer é a solidão. A fidelidade é um cão.
.................................................................. A um átimo do amo-te temo-te. A um istmo do íntimo mente. De cor, somente o silêncio (continente). E a linguagem, cortejo (périplo). Mas o amor: arquipélago.
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Não por acaso o verso fácil de quem já sabe em si a pedra do caminho a pedra do cabralino verso o concreto da síntese
e mistura tudo num pulo do gato escaldado, o mesmo
que comeu o lirismo que estava aqui.
Mas nenhum lirismo é um verso que não é do seu poema -
e rima romântico e perverso.
Não por acaso a alquimia de corpo e texto na metafísica dos beijos
na queda de quem sabe a nuvem.
Nem por acaso remar rio acima com o verbo ágil de quem desce a correnteza
no desejo de (re)conhecer todas as formas de delicadeza.
Por acaso, talvez, a vertigem da margem
no poema que nos contempla. Publicado por Rubens Jardim em 25/03/2014 às 17h06
12/03/2014 18h19
AS MULHERES POETAS...(46ª postagem)
LAÍS CHAFFE - (1966) poeta gaúcha, é cineasta, jornalista e produtora cultural. Participou de várias antologias de contos e de poesia. Publicou os livros Medusa, poemas infantis (2011) e Carne e Trigo (2012).Já foi premiada algumas vezes e está à frente do projeto Cidade Poema, que vem levando poesia às ruas e espaços públicos de Porto Alegre. CACTUS Seguem regando cactus com seus versos consumados, seus desejos de fatiota, seus gestos de pince-nez.
No ar, punhais se aposentam, restam punhos descerrados, pulsões de terno e gravata e impulsos protocolares.
Seguem regando cactus, aram desertos, cimento. Há vigilância nos atos e assepsia nos leitos.
SINA Persigo um monstro arredio - alternativa ao anjo vazio.
Cultivo num vaso medonho o antídoto de um verde sonho.
Escondo sob um roto capacho a chave da vida que não acho.
Aterrisso antes do vôo e mesmo sem engravidar enjôo.
DEPOIS Aí veio aquela dorzinha que não é dor de morte, muito menos de amor perdido.
Veio aquela coisa inefável que se sente ao retirar o último enfeite da árvore de Natal, ao recolher os copos no final de festa, ao arrumar a cama na manhã seguinte.
PRESSA Era um tipo de angústia que ansiava por engolir o mundo. E em seu desespero errava as garfadas e mordia a própria língua. E morria à míngua.
LOU ALBERGARIA (1969) poeta mineira, é economista. Tem mantido publicação contínua nas redes sociais, blogs e revistas literárias como Germina e site Vidráguas. Publicou, em 2011, o livro O Cogumelo que nasce na bosta da vaca profana. Carne da Tarde é o próximo livro a caminho. A PAGADORA DE PROMESSAS Há 30 minutos quero fazer um poema
COSTURO O POEMA NA PELE Minha poesia tem cheiro, som Excreta e expele. Ouço e aparo as arestas Entrego o verbo Feito carne Para ser devorado Pelos abutres e estetas. Devora-me! E te lapido, edifico Desmorono, retifico Só não te deixo ficar aí parado No vácuo Com cara de palerma. Mudo!
BAGAGEM A vida não é justa é estreita quente & úmida onde você penetra o seu medo de falhar
Não, amor, eu não posso carregar os seus medos
Estou retida na alfândega - há séculos por excesso de bagagem
DO AMOR & OUTROS (MIS)TAKES Aos 10 entrei numa sala de Cinema
ALINE YASMIN (1969) poeta capixaba, estudou propaganda e marketing no Rio de Janeiro e depois filosofia em sua cidade natal. Consultora de projetos culturais e integrados, trabalha também com caligramas, estilo empregado na mostra Atos Reflexos, em 2004.
ALTERO MEU RITMO entre rimas alternadas ora acelero e peço pressa ora - contemplo a madrugada
ora - sorrio flutuante ora - entorno ríspida alvejante
ora - sabia ora - falante
ora eu ora tu ora bolas
VAZIO é um nó é um só bem fundo
tem cheiro de festa desfeita cara amarela buraco sem rumo doença sem cura ferida loucura pão velho sopa estragada chá com açúcar roupa jogada
esse vazio tão só tem cara de sol na cabeça de jardim sem cuidar e uma dor no peito rasgando bem devagar
tem jeito de gato miando num velho filme noir
QUERO SER FIEL ao meu pão francês ao meu português e minha calça jeans
inimamente lutar contra o efêmero contra o género de qualquer um contra o best seller e a série- banal contra o rótulo e a massificação
acordar sempre às 7 com o humor habitual e no mesmo trajeto retribuir sorrisos e afetos sem assumir riscos que mudem meu destino
quero ser previsível como um velho xaxim
ROSY FEROS (1971) poeta paulista , é formada em comunicação social. Participou de várias antologias e foi pioneira ao divulgar poemas na rede videotexto brasileira. Publicou o livro Tecendo Diários(2000) premiado no II Concurso Nacional Blocos de Poesia, em 1999. NÃO SEI DEITAR NADA FORA não sei deitar nada fora. guardo tudo deitado, dentro.
afora isto, durmo encolhida sobre a gaze de quando nasci. ou quase.
ETERNO GERÚNDIO meu ser começou a evoluir muito antes de eu começar a andar.
minha história não inicia no momento em que a começo pensar.
meu começo é agora, embora eu o esteja iniciando há tempos, pela vida afora.
SUJEIRA meu corpo eu lavo e assim me dispo de tudo o que me é afeito e tudo o que é feito de mim eu lavo de mim
meu corpo eu lavo e assim me descaso com a realidade me descasco em várias metades sem utilidade
meu corpo eu lavo como me é de hábito e assim varro de mim toda a sujeira e toda a escória toda a história enfim
é na sujeira que estão as histórias e pelo ralo se vão sem demora tudo aquilo que fiz tudo o que me fez sentir: na sujeira está minha memória
MEMÓRIAS memórias não são feitas de plástico, memórias são feitas de elástico.
elas vão e vêm, ao sabor do vento das lembranças, como se fossem hoje.
perecer é quebrar o elástico.
Publicado por Rubens Jardim em 12/03/2014 às 18h19
19/02/2014 22h55
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (45ª POSTAGEM)
ANGELA LEITE DE SOUZA(19 ) poeta mineira, trabalhou por cerca de 30 anos em diversos órgãos da imprensa brasileira. Publicou dezenas de livros, a maioria na área infanto-juvenil. Com o livro de poemas Estas muitas Minas, conquistou o prêmio Casa de las Américas de Literatura Brasileira, de Cuba, em 1997. Estreou com Amoras com Açucar (1982). Publicou também Lição das horas, e Entre linhas, recém-lançados. TUDO A paz humana jaz nesse teu peito sem tréguas. Amansa a ânsia. Despe o desejo. Verga a vaidade. Sonda a solidão. Aquieta tuas águas turvas para ver-lhes o fundo. Despoja-te de tudo Até seres só amor. Até seres tudo.
PAISAGEM Serpentina dourada pelos últimos raios o rio, lá embaixo, se despede do olhar efêmero dentro do avião.
Captamos atônitos sua líquida beleza. Mas no quadro da janela já ficou amarela a fotografia dessa emoção. (SEM TÍTULO) Afundo-me nestes retalhos perco-me em tantos trabalhos lavar quarar-engomar tecer cortar e coser cascar afogar ferventar...
Ai, vida de alinhavos labuta de brasa e broa faina agridoce em fogo brando.
Aí, tempo não fosse bica pingando cancela que desse pro amanhã.
Mas tudo é ferrolho e picumã. (SEM TÍTULO) Meu desejo agora: não ter nenhum desejo ou antes ter a gula de um cantar de galo fora de hora só pelo gosto de despertar neste peito gasto alguma aurora. ROSANGELA DARWICH(1962) poeta paraense, formou-se em psicologia, em 1984, pela Universidade Federal do Pará, e exerce a profissão de professora de psicologia da Universidade da Amazônia. Possui doutorado em psicologia e é autora de Quando Fernando VII Usava Paletó (1982); Levasse as Coisas na Flauta (1988); Histórias Mortas (1993). Às vezes estou aflita, outras estou tendo dois ou três sentimentos ao mesmo tempo. Não caibo em meus pensamentos e eles desconsideram isso.
Estar viva não significa que aceito. Às vezes me sinto como se aceitasse, outras estou tendo dois ou três outros sentimentos.
Ainda que ninguém perceba, existe um lago com patos cinzas e esverdeados dentro de mim. Às vezes um dos patos morre, às vezes acontecem nascimentos óbvios, seres pequenos de dentro de ovos. Eles nadam, eu aconteço. (SEM TÍTULO) Posso te dar uma sala cheia de livros para que sejas um dentre os meus livros nessa sala tua. Posso te dar a alma que eleva um poema e, além dela, um corpo de palavra.
Queres ir de um estado sólido, frígido, à incandescência da página? Queres ser o rastro dessas letras fechando a minha mão?
Serás eternamente o que quer que sejas desde o início, livre de tempo e destino. Me verás passando como se ainda sonhasses. Como se ainda sonhasses, não te surpreenderás comigo. (SEM TÍTULO) Quando aceitei o fato de que a Terra não é apenas redonda mas está solta no espaço, girando em torno do sol e de si mesma, fiz do céu uma primeira aula de irrealidade. Olho os meus pés sobre o chão e tento me ver azul como sei que sou azul quando desapareço ao longe. Avanço além do que percebo porque me movo através de palavras e fiz delas, portanto, uma segunda aula de irrealidade. A seqüência de números pode indicar que insisto em meus erros porque quero o absurdo que dispensa a lógica. Cada astro em sua órbita, cada som com um sentido, é possível que a terceira aula de irrealidade seja a última, assim como é possível que não seja. (SEM TÍTULO) Há dias para as palavras e dias mudos. Celas entre vozes e silêncio, há dias impenetráveis e dias cúmplices. Sob profecias e arbítrios, há dias só para os deuses e dias que se interrogam como qualquer homem. LISBETH LIMA DE OLIVEIRA (1963) poeta paraibana, formada em jornalismo pela Universidade Federal da Paraíba. Fez especialização em língua e literatura francesa e mestrado em biblioteconomia. Morou quatro anos e meio na França. Desde 1998 mora em Natal. Publicou os livros de poemas Dormência (2002), Felice(2004) e Româ (2008). Torres gêmeas Da construção gemelar. pedaços homozigotos de pedra e gente.
Diligente Desliza ágil, qual dedos sobre cetim, o grafite. E desenha. E rabisca. Mas é quando escreve palavra que ele se mostra veloz, quase indomável, como são as palavras quando querem ser lidas.
Incendiário Debandaram pássaros, bichos de arribação. Flores queimadas na estrada não se deixaram cheirar. Um amor perdido, negado, devasta, abre clareiras. É invasivo o fogo da ausência.
Encontro Trouxe-me a chuva. E, depois dela, céu aberto, anil.
Trouxe-me a noite. E, dentro dela, seu corpo chuviscado, amanhecido junto ao meu. Dia claro, céu aberto. abril. ANA PELUSO(1966) poeta paulistana, é designer gráfica e possui participação em algumas antologias. Abandonou Letras e Psicologia pelo Desenho Publicitário. Não deu certo. Aos treze anos sonhava ser Alquimista. Aos cinco, Bailarina, Pianista, Pintora. Aos sete, Professora. Escrevia Diários. Publicou, recentemente, o livro 70 poemas SEM TÍTULO É produtivo fabricar tijolos um tijolo sozinho pode ser obra de arte com mais alguns é parede, é quarto, sala.
raro dizer poesia a céu aberto e só bate sol no coração quando se atravessa tijolos e é você do outro lado
não me lembro de já ter visto tantos tijolos nem de nada como quando você perguntou o nome de uma estrela olhando diretamente pra ela SEM TÍTULO Primeiro transformou a casa em uma casa menor por isso dobrou a casa depois transformou a casa em uma menor ainda e por isso dobrou de novo
até perceber que morava em um origami
de pássaro
só porque a casa voou
TEMPO O tempo tem dono.
O tempo tem sono.
O tempo faz temporal
Na madrugada.
E a hora já passada, de tanto
passar passou da medida.
O tempo não tem saída.
VERSOS SOLTOS Os versos são soltos. Os pensamentos também.
Apenas poeira ao vento, nada de fundamento. Nada de especial.
Centelhas elétricas, as palavras ficam no éter até encontrarem o papel.
Publicado por Rubens Jardim em 19/02/2014 às 22h55
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