27/01/2014 20h28
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (44ª POSTAGEM)
MARIA CARPI (1939) poeta gaúcha, é advogada, professora e defensora pública. Estreou madura com o livro de poemas Nos Gerais da Dor, 1990, premiado como revelação pela APCA. De lá para cá são 12 obras, entre elas Os Cantares da Semente (1996) A Migalha e a Fome (2000), A Força de Não Ter Força (2003), O Herói Desvalido (2006), A Chama Azul (2011) e O Senhor da Matemática (2012). A semente é uma fenda no tempo. A única fenda.
Viver não nos salva. Morrer não nos liberta. A porta é estreita e semente. A página branca e a migalha (poema 19) Só a página te dará a saber que estás despido. Tão penúria que começarás a revesti-la.
Só a página te fará perceber que estás distante. Tão lonjura que começarás a visitá-la.
E quanto mais te familiarizares com a página, mais ela te será um amor escuso, com cadeados
entre as vielas tortas e sua paz secreta. Com cancelas entre a querência e seu pampa aberto.
Ela recôndita e real; tu amador, viajante incerto, trôpego de propósitos, chegando a parte alguma.
O Avental No centro da casa, uma vertente. No centro do movimento, o avental de minha mãe. As toalhas jamais sabiam secar-me. Ali acalmava as mãos interrompidas de voar. Ali as lágrimas e toda a trégua.
A lavoura da fome (poema 10) Não sou eu que tem fome. É a fome que me tem. Ela me apura, hóstia, em
sua boca. Ela me salitra a temperança para devolver-me à fermentação, contra a cupidez.
A fome é o meu outro, escumoso. Não vim ao mundo para saciá-la, mas acendê-la, contra a cupidez.
E da fome me retiro, fatia, para que ela seja inteira. A fome, contra a cupidez,
também se retira em funduras, para que o alimento esplenda como um sol saído das vagas.
Não mais o impulso ao avesso, não mais a seta e o batimento nos ares. Apenas todo o Fruto. Lu Menezes (1948) poeta maranhense, é doutora em literatura comparada. Cresceu no Rio de Janeiro, onde voltou a morar após a adolescência em Brasília, cidade em que concluiu o bacharelado em Ciências Sociais. Trabalha nas áreas de pesquisa e tradução. Publicou os livros de poemas: O Amor é tão Esguio (1980) , Abre-te, Rosebud!(1996) e Onde o céu descasca (2011). Tsunami e vizinhança Então , a mulher e a criança Utensílios Para extrair do alumínio seu lúmen usaria o desusado, exaurido verbo “haurir” Arearia panelas, à beira de um rio, mergulhada no alumínio luzidio – “haurindo-o” – polindo-lhe a índole de água e o ímpeto de prata com grãos de ouro e de areia arearia “ourada” submersa em seu domínio
Fellini e a aura ruante O pavão abrindo o leque se chama “ruante”
É como toma a tela inteira de Amarcord transbordando em lento-imenso instante
Eu queria agora um poema assim
Semelhante àquele navio esplendoroso irrompendo como um sonho inebriante
um navio ruante
Um poema assim eu queria agora
(só com meia mea culpa se meio ruim)
Corpos simultâneos de cisne Branco ideal e branco real o mesmo cisne no espaço de um saco de sal
ocupam mas eis transmigrante
lei que em mantimentos transfez obsoleta ampulheta: um cisne de sal
segue o curso do tempo
e míngua
até ser somente
de plástico transparente Ledusha Spinardi (1953) poeta paulista, vive em São Paulo. É tradutora de língua espanhola, e também faz trabalhos jornalísticos. Já publicou quatro livros de poemas: Risco no Disco ( 1981), Finesse & Fissura(1984), 40Graus ( 1990) e Exercícios de Levitação (2003). Cristal na Neblina A mínima idéia da tua presença expõe minha alma às curvas,
Veleiros brancos Alheia confiro a curva bem feita dos meus pés minhas coxas que guardam o último sol onde se encontram
A lua acena veleiros brancos beijando a janela escancarada
Faz muito calor por aqui faz calor nas dunas do meu corpo que sei, pressentes como pressinto a delicada febre das tuas mãos
No umbigo da noite destilo vapores lavanda e mirra para que me queiras tanto e temas quase nada
No teu silêncio de homem sinto que vislumbras minhas veredas Assim permaneço recostada os travesseiros de pluma afagando o dorso e te quero dessa forma inescrutável entre o tesão e a perplexidade.
Finesse & Fissura
Há Os que só tragam com filtro. Os que conduzem a dança. Os de papo requentado. Os que espalham o conflito. Os grosseiros de foulard. Os que fazem as cutículas. Os que têm presas no olhar. Os prósperos despreparados. Os que vão lamber o limbo. Os belos atormentados. Os previsíveis sem sal. Os ternos de abraço manso. Os que usam o saber como arma de poder. Os que citam sem parar. Os que gostam de mulheres. Os que gostam das mulheres. Os mitos desamparados. Vampiros por trás de lentes. Os que só querem mamar. Os que portam falos bélicos. Os marinheiros sem mar. Os que nos devolvem o riso. Sensíveis sem onde morar. Os que decifram. Os que devoram. Casados infantilizados. Os que consertam cadeiras. Os indeléveis carnais. Os de coração falido. Raros sexys calados. Os gananciosos banais. Marxistas que espancam mulheres. Os que se desmancham no ar. Janice Caiafa (1958) poeta carioca, é doutora em antropologia pela Universidade de Cornell, nos Estados Unidos, tradutora e professora da UFRJ. Publicou os livros poemas: Noite de Ela no Céu (1982), Neve Rubra (1996), Fôlego (1998), Cinco Ventos (2001), Ouro(2005) e Estúdio (2009). Filtro mágico ao meu pequeno puck din-dins de pires de leite, confusões dos potes da casa – gengibre-me o bolo que faço. gnomo que guardo no leito di-minuto gênio do quarto matéria e gema das tigelas jujuba mágica entre as muitas gomas de mascá-la. eu amo meu robin da cozinha que me ajuda a pensar os séculos secretamente sob a minha anágua.
Cheio d’água Mareja a água na forma do olho, o olho é um outro lado do corpo e lago convexo. Dois lençóis d’água depositados a turvar a mirada embaçada no espelho de 2 lados. Os espaços dos olhos marejados são a virada dos avessos pela lágrima.
Mergulho quando caio nada vinga além do nado caio entre e me salvo pelo meio
guelras ganhas, estou só absoluta no líquido
quase aquática nem amo de tão perfeita.
Por um fio O que me prende à vida é linha de hálito troca de ares, fios de ouro. Ora tenazes ora soltos colares: tênue sutura ata-me ao chão do mundo. A vida me prende em teia de vento acordo quebrável selado com o ar. Publicado por Rubens Jardim em 27/01/2014 às 20h28
27/12/2013 18h29
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (43ª POSTAGEM)
LILA RIPOLL (1905-1967) poeta gaúcha, foi pianista, professora e presença de destaque na literatura sul-riograndense. Miltante política, participou da frente intectual do Partido Comunista, em 1935. Conquistou prêmios importantes : Olavo Bilac, da Academia Brasileira de Letras, pelo livro de poemas Céu vazio(1941), e o Pablo Neruda, por Novos Poemas(1951). Publicou quase dez livros de poemas--e depois do golpe de 64, foi presa. VIM AO MUNDO EM AGOSTO Sou triste de nascença e sem remédio. Sou triste. É irremediável este mal. Sou triste de nascença. É mal sem cura. POEMA VI Hoje pensar me dói como ferida. O próprio poema não é poema. Tem qualquer coisa de trágico. De pétalas descidas. De véu cobrindo o retrato de um morto. Hoje pensar me dói como ferida. Mas é uma imposição - pensar. Não quero estado de graça, nem aceito determinismo. Só a morte é irreversível. A opressão do azul aumenta meu conflito, e é cruel escutar as razões da razão. Quisera repartir-me no cristal da manhã. Ser um pouco daquela rosa tocada de irrealidade; da tênue luz ferindo o espelho do rio; daquela estátua pudica que parece ter ressuscitado a inocência. Mas em vez disso, aqui estou: queimada em pensamentos, quebrados os instrumentos do sonho. GRITO (1961) Não, não irei sem grito. Minha voz nesse dia subirá. E eu me erguerei também. Solitária. Definida. As portas adormecidas abrirão passagem para o mundo Meus sonhos, meus fantasmas, meus exércitos derrotados, sacudirão o silêncio de convenção e as máscaras de piedade compungida. Dispensarei as rosas, as violetas, os absurdos véus sobre meu rosto. Serei eu mesma. Estarei inteira sobre a mesa. As mãos vazias e crispadas, os olhos acordados, a boca vincada de amargor. Não. Não irei sem grito. Abram as portas adormecidas, levantem as cortinas, abaixem as vozes e as máscaras — que eu vou sair inteira. Eu mesma. Solitária. Definida. RETRATO Chego junto do espelho. Olho meu rosto. Retrato de uma moça sem beleza. Dois grandes olhos tristes como agosto, olhando para tudo com tristeza! Pequeno rosto oval. Lábios fechados para não revelar o meu segredo... Os cabelos mostrando, sem cuidados, Uns fios brancos que chegaram cedo. A longa testa aberta, pensativa. No meio um traço, leve, vertical, indicando uma idéia muito viva e os sérios pensamentos: — o meu mal!... O corpo bem magrinho e pequenino. — Sete palmos de altura, com certeza. — Tamanho de qualquer guri menino que a idade, a gente fica na incerteza! E nada mais. A alma? Ninguém vê. O coração? Coitado! está bem doente. Não ama. Não odeia. Já não crê... E a tudo vive alheio, indiferente!... Meu retrato. Eis aí: Bem igualzinho. O espelho é meu amigo. Nunca mente. No meu quarto, ele é o móvel mais velhinho. E sabe desde quando estou descrente!... MARIA DA PAZ RIBEIRO DANTAS(1940-2011) poeta paraibana, viveu no Recife desde 1963. Foi mestre em teoria da literatura pela Universidade Federal de Pernambuco. É autora dos livros de poemas: Sol de Fresta, (1979), menção honrosa especial no Prêmio Fernando Chinaglia, da UBE do Rio e Ilusão em pedra, (1981). Participou de várias antologias de poesia. Editava e mantinha o site www.joaquimcardozo.com. LITURGIA Com tuas longas vestes verdes te inclinas sobre o sangue das uvas. O céu e a terra tremem e o vinho reflete o abismo de Deus. Com tuas longas vestes verdes artesão da manhã solenemente ergues o Sol. O CAPIBARIBE NO RECIFE Nada mais doméstico do que esse boi manso pastando a si mesmo sob a canga das pontes. EDIFÍCIO DA SUDENE Na beira mar da seca o monumento às ondas. EQUILÍBRIO FLUENTE A ilya Prigogine Escalando a serra nevada ou o monte roraima em minhas retinas estou hoje a um certo dia de maio no topo 2000 da montanha do século. Um não-sei-quê me amanhece para o teu abraço e descubro que não mais me tentam vícios de estrutura. Um corpo leve (o meu) me atrai me leva no rumo de um equilíbrio fluente. Viajar me importa. Quero meu desejo além da gravidade Reconhecer-te no abismo das quedas que não chegam ao fundo. E no enquanto de abraço ou ar que nos enlaça eu te sonho tu me sonhas de modo tão descontínuo e livre que nos sorrimos compreendidos sem medo de colisão no escuro ou na sala civil dos sistemas fechados. HILMA RANAURO(1945) poeta carioca e doutora em letras, é também ensaísta, professora da UFRJ e membro da Academia Brasileira de Filologia. Participou de diversas antologias, (Antologia da Nova Poesia Brasileira,1982, e A Poesia Fluminense no Século XX ,1998).Obra poética: Descompasso (1985) e Um Murro no Espelho Baço(1992). E me cobraste o fogo-fátuo feito milagre. Mas eu era Eva no pecado mortal do medo. DESCOMPASSO Me querem mãe e me querem fêmea, me querem líder e me fazem submissa, me fazem omissa e me cobram participação, me impedem de ir e me cobram a busca, me prendem nas prendas do lar e me cobram conscientização, me tolhem os movimentos e me querem ágil, me castram os desejos e me querem em cio, me inibem o canto e me querem música, me apertam o cinto e me cobram liberalidade.
Me impõem modelos gestos atitudes e comportamentos.
E me querem única.
Me castram podam falam e decidem por mim.
E me querem plena.... DECISÃO Faço versos como quem empunha uma arma mas também como quem brinca e ri e goza e ama.
Meus versos são dardos com que a fêmea, ferina, se livra de condicionamentos impostos; são denúncia de mulher que se bate pela causa suprema de ser e lutar. São meus versos espada que empunho no ataque e na luta por tudo em que creio; são orgasmo e gemido do sexo que, livre, se molha e se mela no desejo e na entrega. São meus passos que oscilam no ir ou não ir, são o choro do riso na mudez do meu grito, são verso e reverso, o avesso do pano de fundo de mim, e o sim do não que é medo. São enchente e vazante, timidez e desplante, faxina geral e poeira sob o tapete. O lirismo do afago, a ternura do aceno, o furor da revolta, o fremir do desejo, são meus versos - veias pulsando na zanga da briga e no canto da paz, disjuntores que ligam e desligam nos curto-circuitos de mim. CENA ABERTA Coloque-se na palma da mão, espalme-se, entorne-se, esparrame-se.
Chafarize-se de pingos seus, chova um pouco de você.
Lance em olhar ao redor, ponha-se pronto, pendure-se, despenque-se.
Veja-se desvendado, devassado e público.
Pronto, dane-se o mundo.
Ponha-se na boca da cena, cara limpa, grito pleno. Seja-se, sem máscaras. CERES MARYLISE REBOUÇAS DE SOUZA (1946) poeta baiana, é pedagoga e professora especializada em alfabetização. Doutora em linguística pela Universidade de Quebec, tem vasta experiência na cátedra universitária, tendo ocupado também importantes cargos na Universidade Estadual da Bahia Já participou de algumas antologias, mas ainda não teve livro de poemas publicado. Faz parte da Academia de Letras de Itabuna. Recentemente foi agraciada com o troféu Cecília Meireles. Não sou mais nem menos; sou apenas corpo que levanta vôo, e às vezes cai sob o mesmo céu que abriga a todos. À MULHER Porque és mais que a beleza, muito mais que um corpo. Porque és mais que um ventre para o filho e muito mais que a ilusão de um homem. Porque tuas mãos são alento, bênção e sensatez. Porque há paz nas tuas palavras quando rompes com tua essência, o estigma de fetiche. Porque és nobre, imensurável, e amamentas com a força dos teus seios e de tua luz, a história humana. CHEGO AOS SESSENTA ANOS (fragmento) … O tempo nunca é generoso, sempre marca na pele e nas entranhas, guardando o eco dos prantos, dos risos transbordados, e já não têm sabor de derrota ou de vitória. Minhas histórias, estas nunca se apagarão, porque estão gravadas no coração: suas cores nunca poderão ser mudadas. O tempo não faz com que as dores doam menos; apenas nos acostumamos a viver com elas. Minha memória baila desenhando lembranças, mas chora quando as esculpe naquele abraço forte que sempre me fez falta. Ando entre o mergulho e o vôo, entre a incerteza e o medo da certeza. A esta altura da vida desejo muito pouco: só quero um templo de colunas largas para amar a todos e poder abraçá-los em todas as geografias, em todas as raças, em todos os idiomas. REENCONTRO Não mandem calar minha saudade agora,
Publicado por Rubens Jardim em 27/12/2013 às 18h29
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AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (42ªpostagem)
IRACY GENTILI (1930-2002) poeta e artista plástica, integrou o movimento Catequese Poética, iniciado em 1964 pelo poeta catarinense Lindolf Bell. Foi morar em Salvador na década de 70 e criou uma galeria de arte que acabou sendo ponto de encontro de muitos artistas.Publicou Os Rumos(1964) A tudo direi, sim, Sem nenhuma importância. Saberá alguém dos silêncios dos cofres cheios de miçangas Em símbolos de vidro, mais que a verdade caberá. A tudo sorrirei Recolhendo as esperas. Ninguém perceberá a urgência de ontem. Às noites com piedades tão cruas Pedirei que antecipem as anmarras do voo. Caminharei cansada, sem flores nos meus cantos, Pois cairemos, eu sei, Folha por folha, E o verde se perderá num excesso de odor. Quem armazenará o fruto, nestes campos estéreis, Se as flores distribuem-se vestidas de verdade? A tudo hei de jazer calada Num silêncio pletórico de cardos.
Alguém inventará gestações de mármores e bronzes. ........................................................................................................ Assim seremos, tigres, E no jângal deslizaremos em combates. Assim seremos, faunos, E nas campinas dançaremos a aurora. Ah! Tivéssemos jamais amado, E alguma rosa teria lâmpadas de riso, Em alguma árvores seríamos mais sóis. Assim estaremos, cansados Dos templos que fizemos em segredo. Das preces, todas elas sem resposta. Os deuses dormem! Assim extinguiremos. Unos, com tudo o que nos mata. Uno, com tudo o que matamos. ......................................................................................................... Eu falarei De todas as ternuras Que te pertenceriam
Eu falarei Das flores e dos frutos Que abrigarias nos dedos
Eu falarei De todas as canções Que ouvirias crescer
Eu falarei Das paisagens, muitas Que se abririam, claras, para ti.
Eu falarei De estrelas, incontáveis Que no teu céu aos poucos morrerão ........................................................................................
Brancos são os olhos das mulheres Brancas as paisagens
O céu todo branco arqueando-se em horizontes.
Brancos homens? Brancas ruas? Onde estão as cores da vida?
O sol quer se por e nada mudou!
Sempre a alvura infinita Distendendo-se em toda a parte
Os olhos cansam de ver Sempre a mesma paisagem.
Ele.—o que tinha azul nos olhos Que tanto me assombraram Que branca lembrança me deixou!
Ah! Este tédio branco ao meu encalço Onde tudo é loucura,
Este longínquo marulhar de vozes veladas Que passam por mim
E este sussurro de harmonia extinta.
RENI CARDOSO (1945-2008) poeta paulista, atriz, professora, pesquisadora e tradutora. Também integrou o movimento Catequese Poética nos anos 60. Fez mestrado e doutorado na USP e destacou-se como grande especialista em teatro russo. O CAMINHO Não é medo de chegar sozinha: CARTAS A ALESSANDRO 1 O trem partiu. A princípio pensei No teu rosto. Depois, que não existias. No final, deixei de sentir. Tua mão acenou E vi que eras incomparável -o único. 2 Ontem à noite Fui colher uvas E a uveira não deixou.
Hoje de manhã Os meninos roubaram Minhas uvas -todas. 3 Estou como num hotel. Redescubro conversas de um dia anterior E sei que alguma festa está no fim. Converso com tua voz De trás de uma coluna Para sempre.
NILZA BARUDE (1946) poeta paulista, fez parte da Catequese Poética e atuou como jornalista em São Paulo e na Bahia. Dirigiu, criou e apresentou programas na TV. Recebeu título de Cidadã da Cidade de Salvador e publicou Amor/Ação(1995), Contos &Cartas Memórias de um Coração e Reticências (2011).É também artista plástica. 6 Calcei os chinelos velhos de deus E caminhei pelas águas Pela mão de todos os meus irmãos, E dançamos a ciranda das ondas junto com todos os peixes Depois, Exaustos E em paz, Deitamos no leito marinho Entre algas. Adormecemos para acordar Ao lado dos velhos chinelos.
34 A cama vazia não me Angustia mais, Posso dormir em paz. Tua ausência já não tem peso. O meu ser É metal fino e precioso, vale mais na bolsa de valores da vida. Minhas ações estão na ordem do dia. Nada a temer, Adeus. 44 Eu tenho todas as raças liquidadas em meu sangue, Eu tenho todos os povos tombados em meus braços, Eu tenho o estigma desse tempo, E tenho o sangue e a terra misturando-se e restaurando-se In memorian. Eu tenho as trincheiras nas costas e asas nos pés, Que me levam a todos os continentes. Eu tenho em cada olho uma bomba detonada, E na boca uma granada por explodir. Eu sou o produto desse tempo discutido em dialética. Eu sou a hipótese e a síntese matemática dos acontecimentos. Eu sou a criança metralhada, Eu sou a angústia da humanidade toda, Que se desfaz, Aprendendo a morte, Dia a dia. Publicado por Rubens Jardim em 28/11/2013 às 01h04
03/11/2013 20h45
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (41ª postagem)
MARCIA BARROCA(1951) poeta mineira, formada em letras, vive no Rio de Janeiro. Seu primeiro livro, Marés e Semeaduras, saiu em 2006. O segundo, Desclausura-o verniz da unha na boca, em 2009. No ano seguinte, publicou 50 Poemas Escolhidos pelo Autor, livro que ganhou o prêmio Henriqueta Lisboa, da UBE-RJ. Há poucos dias publicou Poemas Nus. Sentido do poema Teria a poesia violetas e vírgulas áridas palavras essencial sentido?
Não sei…
Quando sinto o poema Exponho o grito
Enigma consagrado A liberdade do poema sopra no papel fecundos enigmas
Casulo rompido verso explodindo o que sente
Não existe remendos em pele danificada
Desvirginada a palavra cicatriz consagrada no poeta
Livre voo Meu deserto desarmado dos ventos castiga palavras soltas estribilhos
canções contidas na armadilha dos versos redondilhas
Silêncios ecoam
Não mais escondo minhas asas negras Livre voo em outras companhias
Multiplico fogos de artifício em festa constante O céu enche-se de estrelas
REFLEXO O apartamento inteiro respira você. Nunca pensei que moléculas de poeira gritassem seu nome.
Pedro Almodóvar Desço a ladeira dos meus sonhos de salto alto. Requebro bamboleante nos paralelepípedos de um filme real em preto e branco. Um dia ainda sairei dos nervos. Virarei Almodóvar. ROSA RAMOS (1955) poeta carioca, publicou poemas em jornais e na revista Poesia Sempre, editada pela Biblioteca Nacional. Participou de algumas antologias, Sete Vozes(2004) e Poema de Mil Faces(2012). Não tem livro publicado. Recentemente, 12 poemas de sua autoria foram publicados na revista mallarmargens. ESCATOLÓGICA EM DECLIVE MÉTRICO Há ratos sobre os estoques de mercadorias e algumas baratas rondam a despensa eletrônicos, tecidos, sapatos bananas nanicas e tulipas de Holanda. Tudo cheira a morte e fome e temor e vida. Há um morto sem estômago sob a porta aberta, um visgo seco e um incômodo. Se há vida, mata!
ANDANÇAS Olho os dois pés que descansam de suas viagens. Os dedos, são dez, imóveis conversam entre si. Aconselho-me com eles, afinal são pés sábios, correram terras, pularam abismos, subiram montanhas. Aconselho-me com eles mas não sei a que corpo pertencem. Membros desconhecidos magros, ossudos, lembram os pés de meu pai. Verde-azuis as veias saltam, num grito, ao mergulharem, na confortante bacia. Quisera tivessem asas, pensei. Mas sobram cores nas unhas e uma certa impaciência de caminhos tão reconhecíveis agora depois do banho. Dentro das meias, sob as cobertas, meus pés sou eu.
FAZERES o poeta chega sem alarde ao branco da página; invisível quase, pensa a melodia que há em cada frase e conjuga verbo e imagem, tudo em pensamento, que não se atreve a acelerar o tempo do poema imberbe. cheira a folha, rege o vento que a sopra espanta a mariposa- palavra que vem surgindo como a lua clara. talvez um tango, talvez espanto, ele pensa, as rimas passarinhando seu cérebro, uns grunhidos de fonemas avançam sobre ele até que exausto rende-se ao eterno ex´lio da palavra extrema.
CONVERSAS não quero ser uma sombra contra esta janela que dá para o mar nem uma foto na parede nem uma memória partilhada. meu desejo é ser nossa senhora dos cordões de Oswald, deixar de lado, com Manuel, o lirismo comedido sambar e escrever loucamente e colocar a poesia na rua, essa doceamarga. “ó tristeza, me desculpe” mas já não ando à míngua em busca de amor e sorte. “minha pátria é minha língua” e o mais são cortes na pele das palavras. LELIA MARIA ROMERO (19 ), poeta paulistana, é geógrafa formada pela PUC, pós-graduanda em jornalismo literário. Autora de Poemas pra navegar (1993) e Andaluza (2000). Foi premiada no Concurso de Poesia Falada em 2000. (Dpto. de Bibliotecas Públicas/SP). Seu poema “Teia” fez parte do vídeo da Campanha da Fraternidade/2005. Colaborou com revistas eletrônicas e pesquisa a Espanha medieval. TEIA No tapete de sisal mil dedos de crianças gemem nas fibras do tapete de sisal mil lágrimas de crianças úmidas na contramão nas tiras do tapete de sisal mil unhas de crianças quebradas dentes de leite caídos mil brinquedos mortos apodrecem nas tranças do tapete de sisal mil vozes de crianças calam a cartilha branca nos nós do tapete de sisal mil corações gotejam na memória da terra mil dedos me arranham as veias lutas intestinas se deitam no tapete de sisal sonhos tecidos pelo avesso mil bocas mil esperanças mil destinos diluídos me deixam o útero vazio.
ASTROLABIO para Amir Klink No fim do mundo há um lugar para mim.
Meus olhos lá estão fusão de céu e mar paisagem linha desancora meu coração, horizonte em mim aponta o zênite do sonho, comunhão.
Ali, no fim do mundo o mar mergulha em mim.
MEDITERRÂNEA Vem da aldeia vento que insemina, céu luz paraíso de dor antiga. Ontem. Pulsam sete lamparinas, tangerinas incandescem pupilas drama solar, ilhas que se foram.
ECO Para F.G.Lorca O Cristo Cigano meditou diante do mar, antes da morte a amplidão abraçada a si perdido e lançado ali ante extremos sem faróis, sem palavra nem canto.
Morte ao Cristo Cigano, que sem dança, se recolhe ao todo silêncio e sons submersos, lhe afogam antes da morte, o verso.
Não mais um poema nem o giro cantar, cravos de sangue e sal lançados no maior guitarra conchas e vento.
MONICA MONTONE (19 ) , poeta de Campinas, interior de São Paulo, é formada em psicologia e vive no Rio de Janeiro. Antes de publicar seu primeiro livro, Mulher de Minutos(2003) circulou pela internet onde fez muito sucesso. Participou de várias antologias e tem atuado em inúmeros recitais. Estreou este ano sua peça Sexo, Champanhe e Tchau( que virou livro) e acabou de lançar novo livro: A Louca do Castelo. Link www.monicamontonehome.blogspot.com.br
Mulher de minutos Não sou mulher de minutos Daquelas que os segundos varrem para debaixo do tapete sujo Não pinto os cabelos de fogo Nem faço tatuagem no umbigo Me recuso a usar corpetes e cinta-liga
São poemas que ainda não reguei Prefiro guardá-los em silêncio Até que o tempo amadureça meus minutos E a vida me contemple com seus frutos
Não borro meus cílios com a solidão da noite Nem pinto meu rosto com a palidez das manhãs Meu corpo é feito de marés Onde navegam mil anseios Veleiros sem direção Estou sempre na contramão
Te amo de amor Te amo de amor A qualquer hora O dia inteiro Do jeito que for
Te amo simplesmente Sem mistério, vícios ou pudor Amo o amarelo dos seus olhos Sol poente em plena madrugada Suas melodias Suas trilhas
Amo sem precisar ser amada em retribuição Sem hora marcada Sem demora
Amo na cama e no chão No meio da rua e na calçada Debaixo de chuva Sóbria ou embriagada
Te amo de amor E não há nada que você possa fazer Nem contra ou a favor
Tenho pena das mulheres que não gozam Tenho pena das mulheres que não gozam Elas não sabem Que sob o colchão A pele derrete E que suas grutas ficam quentes Como lava de vulcão
Desconhecem a meninice dos dedos Que pulam de um mamilo ao outro E brincam de esconde-esconde Sob a chuva de estrelas mil
Não imaginam para que servem as mãos Nem para que suas bocas foram feitas - Talvez seja por isso que falem demais
Tenho pena das mulheres que invejam aquelas que gozam Elas não sabem Que seus seios são frutas maduras Morangos, pêssegos, pêras, uvas Pequenas cerejas mergulhadas em doces trufas
Por suas pernas e ancas Jamais escorreu o néctar dos deuses A bebida sagrada O mel branco que é alimento Feito leite de cabra
Tenho pena dessas mulheres Por que elas serão eternamente amargas
As coisas que amo Eu não sei dizer te amo! Porque as coisas que amo, parecem não caber no amor
Amo o aconchego das casas E a maneira como os pés se procuram debaixo das cobertas
Amo a ciranda dos dedos sobre a pele E o aroma dos poemas do Jorge de Lima
Amo o som de água O cheiro de chuva O motivo do riso, não a risada
Amo a beleza que põe mesa A beleza do erro do engano e da imperfeição
Amo o desejo de amar
O tédio de não querer nada O desejo de tudo querer
Amo o cheiro dos ouvidos O jeito de falar A maneira como se olha
Eu não sei dizer te amo! Porque as coisas que amo, parecem não caber no amor
Eu sei sentir te amo
Publicado por Rubens Jardim em 03/11/2013 às 20h45
07/10/2013 20h57
AS MULHERES POETAS NA LITERATURA BRASILEIRA (40ª POSTAGEM)
MARLY MEDALHA (1934) poeta fluminense, licenciou-se em letras e trabalhou como jornalista durante vários anos em São Paulo. Foi diretora do Centro Cultural Paschoal Carlos Magno, em Niterói. Publicou: A Canção da Ternura Inútil (1961); Queima-Sangue de Narda (1973); Lírica de Antonha do Céu por Raimundo Vira-Flor (1975),cordel. CANTIGAS DA BENDIÇÃO E repousada em ti me tenho como um pombo no ninho. Nem te faço de correio, nem te arreio, és passarinho.
Passarinho, passarminho, entre as penas do arvoredo, passarinho, passaredo.
Quando tu voas, eu vôo. Se desfaleces, te aqueço. Ah, passarinho-do-vento, passarinho-do-moinho, pombo-sem-pombo-correio, só por ser teu alimento enfeito a casa de milho, forro de folhas por dentro.
Por te amar, não tenho pena, por cantar, perdi meu medo. Que te olhando eu viro um ninho. Tenho bem mais que mereço.
OUTONO AMEAÇADO MARLY DE OLIVEIRA(1938-2007) poeta capixaba, viveu no Rio de Janeiro e foi professora de língua e literatura italianas e de literatura hispano-americana. Publicou, entre outros, os livros: Cerco da Primavera (1957), Explicação de Narciso (1960), A Suave Pantera(1962), A Vida Natural e O Sangue na Veia (1967), Contato e Invocação de Orpheu (1975), O Mar de Permeio(1998) e Uma vez, sempre (2000). MINHA FELICIDADE VEM DE QUANDO ESTOU SÓ Minha felicidade vem de quando estou só e ninguém me interrompe no poema, essa espécie de transfusão do sangue para a palavra, sem qualquer estratagema. A palavra é meu rito, minha forma de celebrar, investir, reivindicar: a palavra é a minha verdade, minha pena exposta sem humilhação à leitura do outro, hypocrite lecteur, mon semblable.
RETRATO Deixei em vagos espelhos a face múltipla e vária, mas a que ninguém conhece essa é a face necessária.
Escuto quando me falam, de alma longe e rosto liso, e os lábios vão sustentando indiferente sorriso.
A força heróica do sonho me empurra a distantes mares, e estou sempre navegando por caminhos singulares.
Inquiri o mundo, as nuvens o que existe e não existe, mas, por detrás das mudanças, permaneço a mesma, e triste.
O SANGUE NA VEIA XXV Escrevo; logo, sinto, logo, vivo, e tiro-lhe ao viver a indisciplina que o espraiaria, que o dispersaria, e dou-lhe a minha forma comedida, a que tem o tamanho de um amor que eu guardo, que não gasto, não disperso; amor que se concentra em dura pérola, não pétala, não isto que é um excesso, pois que pode voar; o que me fica de tudo o que acontece e não se altera, de tudo o que acontece e me escraviza, e do que escravizando me liberta. Escrevo; logo, sou quem se domina, e quem avança numa descoberta.
XXII Eu caio em ti como uma bruta pedra na água, no amor não me dissolvo, o amor não me absolve, estou (quem nos governa, quem nos arrasta à guerra ou ao repouso) colada a quê, um copo sobre a mesa, menos que o copo, o fundo desse copo, e, não obstante, para sempre presa, pois o que basta é tudo o que não posso, pois o que basta é tudo o que me exige uma violentação do que, por dentro, é o meu mundo, essa coisa indefinível e tão concreta, mas que não conheço, e às vezes temo que me paralise. Viver é submeter-se, eu me submeto.
LIRIA PORTO (1945), poeta mineira, professora, participa de vários sites e revistas como Germina Literatura, Escritoras Suicidas, Cronópios, Blocos on line. Publicou Borboletas Desfolhadas, editado em Portugal (2009). Edita o blogue Tanto Mar e escreve no Putas Resolutas. TEATRAL vestida de renda tirana me ronda eu não me rendo
finjo-me estátua ela passa e desatenta carrega outro
fim do primeiro ato
ROMANCE há que haver algum frisson susto arrepio pois ficar só por costume igual o poste da esquina é muito triste
vai amor melhor assim procura um olho d’água uma fagulha um rastilho algo que te arrebate
devolve-te à vertigem
AOS BONZINHOS não sou como o sândalo não perfumo o machado que me fere faço escândalo e o machado que se ferre
DISPARIDADES um furacão entre as pernas no coração a nevasca – o sexo no equador a alma lá no alasca SONIA SALES (1951) poeta carioca, é formada em psicologia e arte. Fez cursos de extensão em Londres, Munique e Bruxelas. Já foi premiada algumas vezes e estreou em 1996 com A Chama Breve. Outros livros de poemas: Ouvindo o Silêncio (1998); Da Rússia com Amor (2003); Dedos da Morte (2006); 50 Poemas Escolhidos pelo Autor (2007) e Sol Desativado (2009) MAIS UMA VEZ Amor na casualidade do texto, como o cristal craquelado não extingue a letra trêmula o pranto desalentado. Nas muitas camadas do vidro colocaram o ciúme como cor, cortado pelo meio com lâminas de sangue. Mas o remédio não tinha bula e sem saber o conteúdo bebemos todo o restante.
Esquecendo o cansaço começamos outra vez.
NO ELEVADOR Neon em reflexo de estrelas. Cristal em céu costurado de espelhos. Um quadrado maior que o Universo.
O elevador parou entre o quinto e o sexto andares sem computador, nem ampulhetas. Num instante, centenas, milhares de anos. O espaço cósmico em branco. Um homem, uma mulher, como no início do início.
ARRITMADO CORAÇÃO Um anel de filigrana tão fino que flutuasse em volta de si mesmo como uma nuvem de pétalas. Um silêncio tão deserto que num grande palco destilasse sonhos. Linhas esticadas, exaustas de tensão mantendo a Vida e a Terra.
Tudo é o Nada, o indizível. Arritmado, só o coração.
ÚLTIMA VONTADE “Enquanto eu estiver viva, faça-me a única vontade, deixa-me ouvir minhas músicas preferidas, no meu canto solitário, minhas margaridas repousantes, tão amigas, e as violetas em festa. O meu cavalete encoberto de poeira e saudades, deixem ao meu lado, terei tempo e ainda sobra de fazer mais um quadro, réplica de mim mesma, alegre e sempre viva, de esperanças e anseios, escondendo o que ficar feio, num sentimento de entrega de uma alma ainda alerta. Mesmo que o meu corpo esteja gasto e não mais responda às suas mãos, faça-me a vontade, a última, beija-me então.”
Publicado por Rubens Jardim em 07/10/2013 às 20h57
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